Por André Fraga* –

Tem gente que chama ele de atrasa-lado, porque acha que tudo demora mais um pouco e, que no final da história, não adianta pra nada. Já tem quem garanta que ele, na verdade, salva-vidas. É necessário. Indispensável, pra ser mais exato.

Ele diz que apenas gosta de avaliar todas as possibilidades. Entende que seu trabalho é como um jogo de xadrez. Mexeu numa peça e todo o jogo muda. As consequências de um movimento podem ser inúmeras. Neutras e até positivas, mas também ruins. Então tem que ter precaução, por que em alguns casos o dano, que parece pequeno, pode ser grande e não vale a pena arriscar. E se valer a pena arriscar, não dá pra arriscar sem garantir algumas salvaguardas. Afinal, em baixo não tem colchão e a queda pode até, matar.

E matou.

Já foram mais de 150. Dava pra encher 5 ônibus e até um avião inteirinho. E isso foram só as consequências de dois movimentos. Em Mariana, três anos atrás, foram 19 vidas. Comunidades destruídas. Águas mortas. Vidas enlameadas. Agora tudo de novo, só que multiplicado por 10.
E tudo isso feito por uma empresa Orgulho Nacional. Desde 2009 a mineração causou três vazamentos por ano deixando 93,77 milhões de metros cúbicos de rejeitos e substâncias tóxicas no mundo. Aqui no Brasil usamos técnicas de mineração ultrapassadas mas que seguem sendo aprovadas nos licenciamentos.

O licenciamento ambiental nunca foi tão comentado. E a gente nunca sentiu tanta vergonha do Brasil. Vergonha por assistir tudo se repetir e causar destruição ainda maior. Dizimar vidas, famílias, casas, papagaio e periquito. Destruir rios. Mas tem quem diga: A lei é das melhores do mundo, mas não funciona, então libera, flexibiliza, afrouxa, elimina. Desde o crime de Mariana, foram três anos e seis propostas de lei no Congresso para deixar o licenciamento mais “simples, agilizar o investimento, aquecer a economia, desburocratizar o poder público, gerar emprego”. Mas a reparação de Mariana continua lenta, quase parando, na verdade pouco saiu do lugar, ninguém até hoje foi indenizado.

O licenciamento é a melhor vacina para crimes como Brumadinho e Mariana. Não de pode brincar com as leis da física e matemática. Desenvolver estudos, avaliar cenários críticos, determinar ação de compensação e minimizar riscos são coisas que deveriam ser consideradas básicas. Brumadinho teve um processo de licenciamento eivado de furos. Mesmo assim “tava em dias com a documentação” por que teve sua categoria rebaixada a baixo risco, o que acelerou e “desburocratizou” o licenciamento ambiental.

A lama chegou à 80km/h e tentou apagar até a poesia. O Pico do Cauê, falado nos poemas de Carlos Drummond não existe mais; o Córrego do Feijão desapareceu. Exportamos o minério na sua forma mais simples. Abastecemos economias especializadas para depois importar produtos com alto valor agregado. E aqui ficam lama e o lixo.

*André Fraga – Engenheiro Ambiental e Secretario de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência de Salvador.

(#Envolverde)