Por Redação do WWF Brasil –
Mais uma proposta de ameaça ao patrimônio natural brasileiro está em tramitação na Câmara dos Deputados. Desta vez, o alvo da bancada ruralista são as Áreas de Preservação Permanente (APPs) localizadas no perímetro urbano nas regiões metropolitanas. Mesmo com as evidências sobre a importância das áreas protegidas na manutenção das fontes de água, do equilíbrio climático e da preservação dos solos, os parlamentares insistem em reduzir espaços verdes no País.
O projeto de lei 6830/2013, do deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), estabelece que, em áreas urbanas, as margens de qualquer curso d’água natural terão sua largura determinada pelos planos diretores e leis de uso do solo, ouvidos os conselhos estaduais e municipais de meio ambiente.
O PL é mais uma das propostas que pretende alterar o novo Código Florestal – Lei 12.651, de 25 maio de 2012 –, modificando o artigo 4º, que estabelece limite de no mínimo 30 metros para proteção de margens de cursos d’água, riachos e rios, inclusive dentro de cidades. Com as mudanças no dispositivo, será permitido que os planos diretores municipais e as leis de uso do solo alterem diretamente as limitações das áreas de preservação localizadas nas regiões metropolitanas e urbanas. Essa possibilidade já tinha sido vetada pela Presidente Dilma Rousseff em 2012, quando foi encaminhado à sanção a nova lei florestal.
Na última quarta-feira (26), especialistas defenderam que o novo Código Florestal seja mantido. Na audiência pública realizada pela Comissão de Desenvolvimento Urbano para discutir projeto de Colatto, expositores da área ambiental e acadêmicos alertaram que se as APPs nas cidades forem reduzidas a crise hídrica e climática será ainda mais intensa nos próximos anos.
“As APPs têm a função de um grande filtro mantenedor das águas potáveis nas cidades. E elas trazem as oportunidades de vencermos os desafios do clima”, explicou Malu Ribeiro, coordenadora do Programa Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica. Para ela, não podem ser cometidos os mesmos erros do passado, como as ocupações das margens dos rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo. “A natureza não pode ficar à mercê das questões políticas e econômicas. Hoje morremos de sede em frente a enormes reservatórios hídricos e mananciais que estão poluídos”, lamentou.
Na avaliação do Superintendente do WWF-Brasil, Jean Timmers, é importante observar as funções das APPs para a saúde da sociedade, melhorando a qualidade de vida na realidade urbana. “Elas são uma forma de garantir água potável, lazer e conforto ambiental, visto que amenizam as ilhas de calor em até 8 graus. Também são fundamentais na prevenção de desastres naturais, evitando mortes causadas por deslizamentos de terras e reduzindo enchentes”.
Segundo Timmers, é preciso que haja uma mudança de atitude com relação às APPs, no sentido de não serem mais consideradas como uma dificuldade para o desenvolvimento, e sim vistas como uma oportunidade de lazer coletivo, de bem-estar social e de saúde. “Mas o projeto não está facultando nada de novo no sentido de ampliar as áreas de proteção das cidades, mas de permitir reduzi-las”, destacou.
O professor Mário Diniz, do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB), disse que o quadro atual das APPs no Brasil é de ocupação e uso irregular. “São fatores diretamente ligados às inundações e às perdas de vida, como os casos ocorridos nas regiões Sudeste e Nordeste”, lembrou. Por essa fragilidade, Diniz entende que a manutenção das APPs precisa ser uma política de governo.
Já o autor da proposta em análise, Valdir Colatto, entende que esse assunto precisa ser discutido no Brasil porque existe uma lacuna no novo Código Florestal no que diz respeito às áreas urbanas consolidadas. “Se for cumprido o que está estabelecido na lei, o que estiver em APP – de 30 a 500 metros – teria que ser demolido. E isso é inviável”, argumentou.
Colatto defendeu ainda que o município é quem tem a competência de “resolver o seu problema”. Para ele, essa questão está engessando todo o processo de parcelamento do solo nas cidades. “Não se pode ter uma lei geral, pois cada realidade é uma. Isso é uma utopia. Se não expandirmos as moradias nas cidades vão acabar indo para a área agrícola e futuramente vamos ter que discutir aqui a segurança alimentar”.
Para o deputado Nilto Tatto (PT-SP), é a especulação imobiliária que empurra as populações carentes para as áreas sensíveis e são elas quem mais sofrem as consequências ambientais. “As prefeituras podem sim trabalhar em uma perspectiva de uma lei federal, pois é benefício do interesse da sociedade e não dos interesses particulares. Vemos absurdos em alguns municípios que acabam com rios e com a biodiversidade”, alertou Tatto.
Tramitação
O relator na comissão de Desenvolvimento Urbano, deputado Alberto Filho (PMDB-MA), informou que vai elaborar um parecer preliminar para ser analisado no grupo de trabalho. O relatório deverá ser votado em até 25 dias.
Em março deste ano, o projeto foi rejeitado na Comissão de Meio Ambiente. O relator do projeto na CMADS, deputado Sarney Filho (PV-MA), fez seu parecer pela rejeição do projeto. Uma das suas justificativas é que o texto aprovado em 2012 no Congresso Nacional apresentava dispositivos semelhantes aos novamente propostos pelo PL de Valdir Colatto e que, depois, foram vetados pela presidente da República.
“Trata-se de grave retrocesso na legislação em vigor, ao dispensar, em regra, a necessidade da observância dos critérios mínimos de proteção, que são essenciais para a prevenção de desastres naturais e proteção da infraestrutura”, defende Sarney Filho em seu relatório.
A proposta, que tramita em caráter conclusivo, depois de passar pela Comissão de Desenvolvimento Urbano, a proposta seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. (SOS Mata Atlântica/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site SOS Mata Atlântica.