Por Sucena Shkrada Resk* –
Cenário exige campanhas permanentes para combater criadouros do vetor Aedes aegypti
Quando a pauta é saúde ambiental, o Brasil tem trilhado uma linha tênue e perigosa, nos quesitos precaução, prevenção e efetividade, desde a esfera municipal à federal, quando se trata da dengue. A situação crítica da doença no país tem exposto esta lacuna de parte da gestão pública e da sociedade, nas responsabilidades compartilhadas. É uma doença que deveria se enquadrar na prioridade permanente da vigilância em saúde, com dotação orçamentária compatível, que envolve outras áreas dos governos, desde gestão de resíduos sólidos a saneamento.
Em 2019, foram registrados cerca de 2.242 milhões de casos da doença por aqui, visto a dimensão continental do país, que representam 70% das mais de 3 mi ocorrências nas Américas, no período, de acordo com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS). É como se toda população de Brasília, no DF, tivesse sido atingida. Desse total, ocorreram 754 óbitos (sendo que em 2018, foram 155). O que preocupa as autoridades médicas é a existência de um novo subtipo do vírus – tipo 2, que ocasiona a dengue hemorrágica, que é letal. A situação atual supera a de 2015, quando ocorreu 2,4 mi casos na região.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem alertado, nos últimos anos, que a dengue é a doença do século e alerta: está sendo negligenciada. Historicamente, os primeiros registros da doença no continente latino-americano ocorreram há 400 anos, de acordo com o assessor regional da OPAS, José Luís San Martín. Com intermitências de registros com picos de surtos e epidemias, já houve tempo suficiente para que houvesse maior dedicação ao combate de seus vetores.
Com o avanço das mudanças climáticas, que refletem em chuvas e temporais com mais frequência, o cenário é perfeito para a eclosão dos ovos do mosquito fêmea do Aedes aegypti, quando infectado, transmissor não só desta doença, como da Chikungunya, do zika vírus e da febre amarela, chamada de arboviroses urbanas. Além do vetor transmissor Aedes albopictus. E 2020 chegou, e os registros continuam a preocupar! O período de chuvas regular deve ser presente, pelo menos, até abril.
Segundo o boletim epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde – 7/2020, do Ministério da Saúde mais recente de fevereiro, já são 94.149 casos prováveis de dengue até agora e a confirmação de 14 mortes (AC, MG, SP, PR, DF, MS) com prevalência em idosos e mais de 60 óbitos estão sob investigação. Entre os estados com maior número de casos, estão São Paulo, Paraná, Acre e Mato Grosso do Sul. Regionalmente, o Centro-Oeste, o Sul e Sudeste têm uma ascendência em registros. Em relação à chikungunya, foram notificados 3.439 casos prováveis, com maior incidência no Sudeste e Nordeste do país e destaque para o Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Mas por que foi aberta esta janela epidêmica? Primeiro, é importante lembrar que os ovos do mosquito podem ficar até por um ano, “quietinhos”, latentes em ambiente seco, até o contato com a água. E criadouros urbanos – tanto com água limpa, como suja parada, de responsabilidade do próprio ser humano, ou seja, qualquer um de nós, não faltam por aí, não é? São pneus velhos, pratinhos de vasos, calhas, caixas d`água, piscinas e latões destampados, entre outros recipientes. Por isso, falar em precaução e prevenção não é banalidade. A vacina (com finalidade de utilização pública) contra a dengue, após muitos anos de pesquisa pelo Instituto Butantan, ainda está na última fase de testes em humanos. Hoje já existe uma outra vacina – a Dengvaxia (produzida por um laboratório particular francês), no mercado, e oferecida no sistema privado de saúde, que tem o objetivo de atender quem já foi infectado pelo vírus da doença anteriormente.
A utilização de repelentes e telas de proteção nas janelas também são mais alguns meios de proteção adicionais neste cerco à contaminação de alta complexidade.
Um ponto que não pode ser descartado, neste conjunto de ações, é que apesar de haver registros de picos de casos no país em diferentes períodos, nas últimas décadas, as campanhas mais assertivas ficaram sazonais, ao longo dos anos, e o tema se perdeu na burocracia das prioridades da área da saúde, que inclui saneamento e limpeza urbana, desde o nível municipal ao federal. Cada cidadão, por sua vez, tem a responsabilidade de combater focos em seus domicílios, locais de trabalho e da comunidade ou denunciar grandes focos onde não têm acesso para remediação.
Algumas ações do poder público com o envolvimento da sociedade têm sido noticiadas. Cidadãos (ãs) “arregaçam as mangas” em mutirões em suas comunidades. Uma destas iniciativas ocorreu no município de Concórdia/SC, no dia 15. Por sua vez, na corrida contra o tempo, vários municípios brasileiros estão realizando ações para eliminar criadouros. Ações que devem ser constantes o ano inteiro.
Nas Américas, depois do Brasil, o maior número de casos de dengue foi registrado no México (268.458); na Nicarágua (186.173); na Colômbia (127.553) e em Honduras (112.708). Com todos estes dados e fatos, o alerta permanente a ser reforçado é que a dengue é uma das doenças tropicais mais complexas de controle na atualidade, que depende do envolvimento e conscientização da população no combate aos vetores. Não é uma preocupação só no verão.
*Sucena Shkrada Resk – jornalista, formada há 28 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
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