Por Maria Helena Masquetti, do Instituto Alana –
Dia desses, uma pequena me deu, para guardar, uma panelinha contendo um “quitute” composto de folhas, pequenos cascalhos e flores miúdas enquanto ela brincava (mais) com outras crianças até a hora do “jantar”. Seria um jantar comunitário e ela estava plenamente convicta de que seu prato seria o mais apetitoso e bonito da mesa. A empolgação e o brilho que cintilavam em sua recomendação avisavam que, se alguém lhe oferecesse, em lugar do seu, um prato produzido por chefs renomados, colocaria por terra uma produção imaginativa que nem a mais refinada arte culinária poderia alcançar.
Onde está o brincar espontâneo, o prazer genuíno também está. Assim como estão a criatividade, a saúde mental, a poesia, a autoconfiança, a determinação, a curiosidade, a sociabilidade, a expressão corporal, as habilidades inatas e, sobretudo, a alegria e a disposição de fazer sem cansar até dar certo.
Para os que conseguem levar para a vida adulta essa liberdade de se dedicar ao que de verdade os motiva, o trabalho dito sério segue prazeroso como um brincar. Talvez tenha vindo dessa leveza do fazer infantil a perseverança de Tomas Edson ao tentar, segundo se conta, setecentos experimentos até conseguir acender a lâmpada. E ainda por cima explicar que as vezes em que não conseguiu não foram fracassos, e sim setecentas formas de como não acender a lâmpada.
Quando crianças, não pensamos em fracasso se a torre de cubos que construímos se desmorona porque tanto o tentar como o conseguir são partes do mesmo brincar. E porque o fazer melhor do que na vez anterior é a grande conquista. Só aqueles que criam e cuidam de crianças com limitações físicas ou intelectuais sabem o quanto esse modo de entender o sucesso é fundamental para o desenvolvimento e a inclusão delas em todas as áreas.
Constatar que a palavra Educação vem do latim educere que, por sua vez, significa “conduzir para fora” é constatar também que a importância do brincar para a educação das crianças já vem de um saber antigo, provavelmente sufocado pelos interesses dominantes. Isto porque, pelo brincar livre, as crianças podem vir para fora e dizer ao mundo a que vieram, cada uma com seu jeito único e não padronizável.
Por ter dedicado toda uma vida tratar e compreender a alma infantil, o famoso pediatra e psicanalista inglês, Donald Winnicott, falou com propriedade: “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)”.
É dedutível que se todas as crianças crescessem sabendo quais são suas aptidões genuínas e o que realmente querem para suas vidas, as linhas de montagem do mundo teriam que ser repensadas. Ou, melhor ainda, o estímulo ao consumo desnecessário e o consequente esgotamento dos recursos naturais do planeta seriam, enfim, estancados. Porque tanto crianças como adultos estariam mais ocupados em viver do que em buscar a felicidade nos objetos.
Se hoje nos é geralmente difícil optar por modos mais simples de ser feliz, possivelmente se deva a uma educação que nos ensinou a sentar em filas, nos treinando para competir, rivalizar e valorizar o lucro acima do prazer de fazer o que nosso coração queria. E possivelmente também porque os portões do jardim da nossa infância podem ter sido subitamente fechados logo que nos tornamos aptos a mover a máquina da produção de bens e serviços, em sua maioria descartáveis.
Devem ser muitos os argumentos para que a aprendizagem induzida e as produções em série sejam justificadas, mas talvez isso se deva ao nosso destreino em encontrar saídas com a naturalidade e o prazer que encontrávamos na infância. Vale o esforço de usar a imaginação para nos levar de volta ao ponto onde nossa alegria de ser se deparou com a crença no ter. E, se levarmos nosso coração junto nessa viagem, o diálogo entre a criança que fomos e o adulto que agora somos pode ser fácil para uns ou difícil para outros, mas há de ser certamente uma conversa reparadora. (Envolverde)
(*) Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Alana.