Sociedade

Cenpec faz avaliação técnica e reprova escola sem partido

Projeto de Lei Nº 7.180 coloca em risco o direito à educação de crianças, adolescentes e jovens, em especial dos mais vulneráveis

O CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, organização da sociedade civil apartidária e sem fins lucrativos que há 31 anos atua pela redução das desigualdades educacionais com escolas, secretarias de educação, redes, conselhos e fóruns de políticas públicas, torna pública análise técnica sobre o Projeto de Lei Nº 7.180 de 2014, conhecido como Escola sem Partido, com vistas a contribuir para o debate sobre o tema.

A proposta em análise em Comissão Especial da Câmara dos Deputados apresenta uma série de problemas técnicos – jurídicos e pedagógicos – que colocam em risco o direito à educação de crianças, adolescentes e jovens, em especial dos mais vulneráveis. Ainda que aparente garantir a diversidade de opiniões – o que é salutar – desampara ainda mais professores, diretores, coordenadores pedagógicos e alunos na identificação e no enfrentamento das situações de discriminação e de violência, que infelizmente têm permeado o cotidiano de muitas escolas. Além disso, enfraquece os conhecimentos escolares, descontextualizando-os e isolando-os da realidade cotidiana.

A Constituição Federal brasileira estabelece, no artigo 205, que a “educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Na escola, o conhecimento se constrói de forma colaborativa, com a inclusão de todos e com o foco na formação para o trabalho e para atuação em sociedade. Já o dever das famílias consiste em zelar pela proteção de seus filhos, com respaldo nas leis em vigor, garantindo sua integridade e promovendo sua formação de acordo com valores morais e preceitos comportamentais que lhes são próprios. Ou seja, enquanto a educação escolar ocorre no campo público e deve zelar pela boa convivência entre todos os cidadãos e cidadãs, a educação familiar ocorre no campo privado e é tão diversa quanto são diversas as formações familiares no Brasil hoje.

Embora exerçam papéis diferentes, ambos os espaços educativos precisam ser preservados, respeitados e trabalhar em diálogo, já que devem atuar de forma complementar para o pleno desenvolvimento de crianças, adolescente e jovens. Na contramão desse princípio, o referido Projeto de Lei em tramitação em Comissão Especial da Câmara do Deputados pretende promover a “precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar”, o que não pode significar o silenciamento da segunda.

Tecnicamente, é preciso ressaltar que, para equacionar o papel do Estado e das diversas famílias e promover a cooperação entre essas instituições, já existem mecanismos como conselhos e fóruns de educação, conselhos de escola, grêmios estudantis, associação de pais e mestres, projetos políticos pedagógicos participativos, reuniões de pais de mestres, entre outros. São espaços de diálogo criados para garantir a participação de todos os grupos de forma democrática e que precisam ser preservados e estimulados.

A proposta em questão não só rompe a lógica do diálogo e da colaboração entre escolas e famílias, como também ameaça princípios de igualdade previstos na Constituição e reafirmados por toda a legislação educacional construída nos últimos 30 anos: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Plano Nacional de Educação e, mais recentemente, Base Nacional Comum Curricular.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, tal qual a Constituição, prevê que o ensino será ministrado com base nos princípios de “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”; “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”; e “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino” (artigo 3º). Preocupa, portanto, que o Estado queira interditar o debate de quaisquer temas, venham eles da família, do próprio Estado, das igrejas, das mídias ou de outras instituições.

Proibir que temas do cotidiano social brasileiro integrem os currículos, como proposto no Projeto de Lei em questão, ameaça a formação de crianças, adolescentes e jovens e coloca em risco o próprio direto à educação de milhões de alunas e alunos, em especial dos que mais sofrem violência e discriminação. Coloca em risco também a liberdade de ensinar e de aprender.

Questões como religião, sexualidade e gênero, raça ou direitos humanos, só para citar alguns exemplos, são temas presentes na sociedade brasileira e, por isso, integram o cotidiano das escolas. Os professores não têm apenas o direito, como têm o dever de conhecê-los e discuti-los, de modo a manter o respeito e uma convivência harmoniosa entre os diferentes no ambiente escolar. Afinal, a escola não é uma ilha. A diversidade que compõe a nossa sociedade se reflete também na sala de aula, em especial a das escolas públicas.

Ao mesmo tempo, a sociedade contemporânea demanda cada vez mais que se estimule a curiosidade e capacidade crítica e analítica de nossas crianças, adolescente e jovens. Nesse contexto, estabelecer conexões entre os conhecimentos tradicionalmente compreendidos como escolares – Português, Matemática, Ciências Exatas e Humanas e outras disciplinas – e questões contemporâneas e cotidianas é possivelmente um dos maiores desafios de uma educação de qualidade para o nosso tempo.

Para que os professores possam desempenhar o seu papel de estimular a reflexão de forma adequada, com diálogo, respeito à diversidade de posições e aos princípios constitucionais, é preciso fortalecer o papel docente com orientações curriculares mais sólidas e boa formação. Sem isso, a escola deixa de cumprir sua função principal, que é a de contribuir para que alunos e alunas entendam melhor o mundo e sejam capazes de argumentar e de se preparar para uma participação efetiva na vida pública.

Diante do exposto, o corpo técnico do CENPEC recomenda aos congressistas que se posicionem contrariamente ao Projeto de Lei nº 7.180 de 2014 e a qualquer outra tentativa de interdição do diálogo entre as escolas, professores, alunos e as famílias sobre quaisquer temas. Conclama ainda que enderecem suas preocupações com a garantia do equilíbrio entre o papel das famílias e do Estado na formação de crianças, adolescentes e jovens, buscando fortalecer as iniciativas para a gestão democrática do ensino público, como previsto na Constituição, na LDB e na Meta 19 do Plano Nacional de Educação; e que deem atenção especial ao financiamento e à qualificação dos programas de formação inicial e continuada de docentes, para que estes possam estar preparados para lidar com as diversidades que marcam nossa sociedade, nossas escolas e nossas famílias. (#Envolverde)