Por Renata G. Ferreira –
A história começa com Maria Claúdia, coordenadora, e Flávia Rodrigues, diretora da EMEI Capitão Alberto Mendes Júnior. Juntas, elas iniciaram um trabalho de encantamento e acolhimento na escola, através do alinhamento dos profissionais, crianças e famílias.
Mas algo a mais precisava ser feito. O lado externo da escola não representava toda a transformação humana que elas buscavam. Uma área em particular gerava incômodo: um pedaço de terra dura, que só produzia bagunça e muita lama quando chovia. Um espaço que estava ali, parado e sem vida.
Em busca de uma solução, elas procuraram especialistas e ouviam sempre: “coloque cimento!”. Entendendo a necessidade de trazer mais vida para o espaço, tentaram fazer uma horta tradicional que não teve um bom resultado, e o desconforto continuava. Até que depois de tanto buscarem elas encontraram a permacultura.
Foi por iniciativa da Maria Claúdia e da Flávia Rodrigues que profissionais de permacultura começaram a visitar o espaço. Casando perfeitamente com o que elas buscavam, uma relação de harmonia, com o benefício de trazer soluções práticas, que podiam ser implementadas ali.
Muito além do espaço físico
Quando falamos de permacultura, estamos olhando para as relações humanas e não humanas. Portanto, o intuito não é apenas encontrar fórmulas prontas para resolver problemas. A base de tudo é partir do questionamento: porque estamos fazendo isso? Como pode ser melhorado?
Os problemas na vida escolar tradicional
Maria Claudia compartilhou que as pessoas acreditam que o trabalho com sustentabilidade é plantar e coletar o lixo corretamente, porém, vai muito além disso. Entendendo esse aspecto amplo, que envolve relações humanas da sustentabilidade, elas encontraram alguns pontos de estresse na escola que deveriam ser trabalhados:
- Relação tóxica com as crianças – baseada no adultocentrismo, repleta de julgamentos.
- Alimentação – uma dinâmica não saudável tanto pelo tempo para comer, quanto pela escolha dos alimentos, que tem como principal oferta os ultraprocessados.
- Consumo desenfreado – sem reflexão, influenciado pela mídia (o desejo de consumir marcas), usando datas comemorativas descartando a diversidade étnica. Tudo isso refletindo também na geração de resíduos.
É importante lembrar que esse não é um problema apenas daquela EMEI, nem sequer somente das EMEI ou da educação pública em geral. Nossa educação tradicional ainda se depara com esses problemas quase como via de regra.
A educação infantil muitas vezes está pautada – mesmo que inconscientemente – na extrema obediência. As crianças estão ali para serem moldadas para o mundo adulto de consumo, sendo, desde cedo, reféns de uma indústria lucrativa de alimentos e produtos.
As soluções que a permacultura pode trazer para a escola
Quando falamos de aplicação da permacultura no âmbito escolar, é possível trabalhar muito além do espaço físico. Como vimos acima, existiam muitos nós na escola que precisam ser desatados, sem isso de nada adianta ter ações pontuais, como a coleta seletiva ou ter uma horta, porque acabamos esbarrando na cultura do local.
Por isso, uma das primeiras iniciativas da Maria Cláudia e da Flávia, foi começar a trabalhar a cultura escolar com os pais e colaboradores da escola. Os eventos que acontecem ali são uma maneira de exemplificar o que está sendo feito no ambiente de forma geral.
Veja como acontece as festas colaborativas e sem lixo na escola:
- Relação de respeito com as crianças – ali a criança é responsável por ajudar a montar e desmontar a festa, mas ela não faz isso sozinha, todos os adultos (pais e colaboradores) estão fazendo a sua parte.
- Alimentação saudável e afetiva – nenhum alimento que entra na escola pode ser prejudicial para a criança. Nas festas não há salgadinho, doce ou refrigerante. As comidas são feitas de forma colaborativa, cada mãe leva um prato, sendo assim, todos podem se servir do que quiserem, sem precisar comprar nada com fichas na escola.
- Muito além do consumo – não existem prendas nas festas, incentivando a brincadeira apenas pelo prazer de brincar.
- Escola sem lixo – as festinhas que recebem mais de 1.000 pessoas não geram nenhum descartável. Todos levam suas canecas e o que for necessário para comer, caso alguém não tenha levado, a escola empresta. Cada pessoa higieniza o que usou.
- Colaboração – a ideia é que ninguém saia de uma festa sentindo-se extremamente cansado, por isso, tudo é construído coletivamente, distribuindo tarefas e possibilitando a autonomia.
As professoras garantem que as crianças e a família se divertem na festa. A coordenadora Maria Claúdia ainda destaca que é importante nos questionarmos de onde vem a ideia de que festa é apenas com doce e presente. Na volta para o simples abre-se o espaço para relações mais equilibradas e profundas.
Todas essas ações não ficam limitadas apenas a um dia, elas são o reflexo de toda a mudança que foi feita na rotina da escola: comida mais saudável, menos lixo, colaboração.
Os desafios da mudança
A mudança realmente não é simples, ela mexe em crenças profundas que às vezes carregamos por toda a vida, coisas que são parte de nós e nos fazem sentir que temos uma identidade.
Na EMEI Capitão Alberto Mendes Júnior um dos maiores desafios é com o engajamento das professoras. O currículo de uma EMEI já é pautado em vários métodos de ensino modernos e afetuosos, mas que muitas vezes não é realizado por falta de preparo da equipe.
Isso é algo normal e esperado, já que a formação de professores, em grande parte, ainda é feita pelos métodos tradicionais. Mesmo que exista um incômodo com esse formato pelos profissionais, mudar nem sempre é fácil.
Por outro lado, para essa escola em particular, o trato com os pais foi muito mais fácil. Apresentar soluções práticas, simples e baratas, faz com que exista um engajamento maior destes.
Para esses desafios a escola usou como base organizações e profissionais que estão na vanguarda do estudo sobre a infância e a pedagogia. Para além da permacultura, o Instituto Alana, Cidade Escola Ayni, a educadora Ana Paula Zatta, e métodos como a sociocracia, Dragon Dreaming, mediação de conflito, Comunicação Não Violenta (CNV), foram algumas das principais fontes de inspiração e apoio nessa transição.
Trazer as informações de forma simples, atrelada com as práticas do dia a dia facilita muito nesse processo. É também essencial a escuta e o acolhimento, onde surgirão soluções realmente viáveis para aquele ambiente e pessoas, o que cria bases sólidas para a mudança.
Como crescer com os conflitos
Um dos principais passos para trazer uma cultura regenerativa e positiva para a escola foi olhar para os conflitos. Lembra do exemplo que dei da caixa de problemas? Maria Cláudia e Flávia abriram o livro de reclamação da escola e durante dois anos ficaram estudando as queixas que estavam ali.
Elas aprenderam que não adiantava buscar soluções fora, que todas as questões e problemas partiam de dentro da escola. Com essa abertura e observação intencional a escola foi aprendendo com os conflitos como tomar rotas diferentes, chegando a soluções coletivas.
As crianças também estão incluídas nessa dinâmica. É extremamente importante considerá-las como participantes da rotina escolar. Então, tudo o que acontece na escola está aberto para elas, como as reformas que são feitas no período de aula, mães voluntárias que costuram em espaço coletivo e liberdade para entrar em todos os espaços seguros e ouvir todas as conversas dos adultos.
Os conflitos, se forem vistos de maneira formativa, são um ótimo modo de sabermos onde precisamos começar as transformações.
Profissionais de permacultura precisam se profissionalizar
A coordenadora e diretora da escola revelam uma percepção que é importante para quem é profissional da permacultura. Muita mão de obra não podia ser contratada pela falta de CNPJ, emissão de Nota Fiscal e forma de pagamento. É essencial que as pessoas interessadas nessa área comecem a se regularizar, a fim de chegar em mais lugares com uma metodologia tão importante.
Outro ponto interessante é destacar que, apesar de ser um projeto lindo e que traz transformações positivas, não é livre de problemas. Discussão entre equipes, discordância de que caminhos devem ser tomados e outros conflitos surgiram na EMEI Capitão Alberto Mendes Júnior e poderão surgir em qualquer escola.
Alinhe bem os objetivos, levando em consideração as necessidades e realidade da escola. O importante não é que tudo saia perfeito, mas que possamos crescer e evoluir em todo esse processo. Se puder ser de uma forma leve, melhor ainda!
Transformando a estrutura escolar com base na permacultura
Depois de decidirem chamar profissionais da permacultura para a escola, não só a horta foi modificada, como vários espaços ganharam novas estruturas para um fluxo mais livre e ordenado das crianças.
O que foi feito na estrutura externa:
- Captação de água.
- Composteira onde as próprias crianças podem colocar os resíduos.
- Anfiteatro feito com pneus e acabamento de barro.
- Quiosque com telhado de palha.
- Ambiente para a fogueira – que as crianças adoram.
- Estrutura de barro e tinta natural no parquinho para brincar.
- Quiosque com telhado verde e captação de água.
- Área verde com plantas, telhas de barro e corrimão de bambu, que ajudam a delimitar o espaço, cuidando da segurança da criança e mantendo uma boa circulação.
O que foi feito na sala de aula com base na permacultura e disciplina positiva:
- Maior uso de brinquedos de madeira e elementos naturais.
- Saída da tradicional lousa.
- Saída de grande parte das mesas e cadeiras, deixando mais espaço livre.
- Salas que são divididas em ambientes, facilitando a livre escolha, a brincadeira e a construção de narrativa.
- Colocação de piso de madeira para as crianças brincarem mais no chão.
- Divisão de grupos para ir até o refeitório. Cada sala libera um pequeno grupo de uma vez, fazendo com que crianças de sala diferentes possam interagir.
Como reflete nas crianças:
- Elas estão mais participativas e responsáveis pelos cuidados na escola.
- São guardiãs do jardim e regam as plantas.
- Estabeleceram uma relação de respeito com os animais, protegendo-os.
- Circulam de forma mais organizada, ao mesmo tempo que estão mais livres e têm mais elementos para brincar.
- Estão mais investigativos com a Natureza, tornando o intervalo um momento de aprendizado.
- Fazem feira de troca de brinquedos, ajudando na capacidade de negociação e cooperação
A EMEI Capitão Alberto Mendes Júnior, que hoje recebe 600 crianças divididas em dois turnos (crianças de 4 e 5 anos), sonha que um dia possam estar mais abertos para as visitações e para semear sementinhas em outras escolas.
Uma coisa que me deixou um profundo ensinamento foi quando Maria Cláudia se referiu às crianças, dizendo que quer ensinar que elas têm a escolha e a liberdade, mas também a responsabilidade consigo mesma e com o outro.
Que possamos tomar este ensinamento para nós e sermos mais responsáveis e positivos neste mundo!
#Envolverde