Por Reinaldo Canto*

No Rio, projeto divide responsabilidades, une os setores público e privado com a sociedade civil e busca reduzir os problemas com o lixo.

O conceito de responsabilidade compartilhada é tão essencial na gestão do lixo que está na premissa da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Nem sempre é fácil exercer essa divisão do trabalho, mas alguns exemplos servem de referência.

Um deles está no Rio de Janeiro, e surgiu a partir da união entre a Associação de Supermercados do Estado do RJ (Asserj), a ONG Viva Rio Socioambiental, a Secretaria de Estado do Ambiente e os moradores da Rocinha.

A associação entrou com o financiamento do projeto (que não recebe dinheiro público), enquanto a secretaria forneceu a infraestrutura pública de apoio e a Viva Rio ficou como a responsável por sua execução. O trabalho que vem sendo realizado desde junho e tem duração prevista de 30 meses conseguiu retirar até aqui cerca de 340 toneladas de resíduos da Rocinha.

Reduzir o descarte de lixo irregular e seus impactos para a qualidade de vida das pessoas e para o meio ambiente estão, obviamente, entre os principais objetivos do trabalho. A ideia, também, é transformar positivamente a relação das pessoas com os resíduos.

O projeto, denominado De Olho no Lixo, pretende contribuir para mudar o comportamento da comunidade em relação a todo esse material descartado diariamente. O trabalho é árduo e, certamente, se não houver uma sensibilização dos moradores, os efeitos das ações serão limitadas.

Não é uma tarefa simples alterar comportamentos arraigados há muito tempo. Lixo jogado pela janela ainda é uma realidade comum na Rocinha. Atirar objetos nas 29 canaletas de água que cortam a comunidade também. E todo esse material percorre as águas sujas do córrego até chegar à praia de São Conrado.

Com a ação dos agentes, o lixo já diminuiu muito, as águas de São Conrado estão um pouco menos sujas. O problema da gestão de resíduos no país, no entanto, é bem mais complexo e uma solução definitiva vai depender de muito mais ações e engajamentos.

Vivemos em um cenário de esgotamento dos nossos aterros sanitários (locais de descarte correto dos resíduos), com a contaminação por materiais despejados em lixões (dos 5.570 municípios brasileiros 1.569 ainda possuem lixões que são locais impróprios para o descarte), rios, córregos e terrenos baldios de maneira irregular.

E, o que agrava ainda mais a situação, a quase totalidade das 80 milhões de toneladas de resíduos geradas por ano no País é descartada e não reutilizadas, um destino que geraria um círculo virtuoso na cadeia produtiva, gerando emprego e renda.

A efetiva implantação da lei dos resíduos sólidos no Brasil caminha a passos lentos, pois a tal da responsabilidade compartilhada deveria ser norma corrente em todos os setores, mas o que se vê com frequência é uma quantidade gigantesca de materiais sendo descartados de maneira criminosa.

O projeto na Rocinha serve de exemplo. Foto: Rodrigo Anis / Viva Rio Socioambiental

 

Transformar a relação com os resíduos

Entre as atividades dos 30 agentes ambientais contratados, todos moradores da Rocinha, estão, além da complexa tarefa de coletar o lixo em locais de difícil acesso, como morros, vielas e córregos (áreas em que a Comlurb, Companhia Municipal de Limpeza Urbana, não consegue chegar), eles também têm a missão de conscientizar os moradores para o descarte correto.

Entre as muitas dificuldades enfrentadas está o grande desconhecimento e ceticismo das pessoas. Waldir José Fontoura, um dos agentes e que antes trabalhava como balconista, afirma que o boca a boca com as famílias da comunidade é muito importante. Para ele, falta muita informação. “Quando falo para as pessoas pararem de jogar lixo, recebo como resposta que se não jogarem eu vou ficar sem emprego”. Mesmo diante desse desafio, Waldir tenta manter o otimismo, “depois que a gente conversa, elas entendem e, tenho certeza, os resultados vão ser muito bons para todos”.

Segundo Marcia Rollemberg, coordenadora do Viva Rio Socioambiental, a maior parte dos resíduos retirados de pontos estratégicos, como no Lajão (encosta), vão para os pontos de coleta da Comlurb. O restante são materiais enviados para o Centro de Triagem de Resíduos (CTR).

Arte e moda a partir dos resíduos

Os resíduos coletados no CTR contribuem com insumos para duas outras iniciativas do De Olho no Lixo, que unem a questão da educação ambiental com a geração de renda e a profissionalização: o Funk Verde e a Eco Moda.

O primeiro, comandado pela percussionista, jornalista e ativista Regina Café, transforma diversos resíduos em instrumentos musicais. Os participantes, com idades que vão dos 13 aos 80 anos, aprendem sobre o reaproveitamento dos materiais, mas sem descuidar dos ensinamentos da teoria musical e rítmica. “Todas são maneiras de melhorar o ambiente em que se vive”, explica a coordenadora do Funk Verde, que em breve entrará em estúdio para gravar um disco com músicas compostas e executadas pelos integrantes do projeto.

O conhecido estilista Almir França, coordenador-geral do Eco Moda, reforça os objetivos mercadológicos do projeto. “O descarte custa caro para a indústria da moda, o nosso papel é descobrir novas possibilidades de produtos, texturas e fomentar o empreendedorismo”, diz. “É o empoderamento por meio do lixo”.

Banners utilizados e depois descartados pelas escolas de samba, por exemplo, se transformam em bolsas, retalhos viram vestidos e por aí vai, sem deixar a beleza e as tendências da moda de lado. “Aqui fazemos uma moda conceitual misturada com educação ambiental”, explica Pedro Lopes, um dos instrutores dos atuais 50 alunos.

O presidente-executivo da Asserj, Fabio de Queiroz, diz que o projeto tem se mostrado eficaz, pois incentiva o trabalho conjunto entre o poder público e a iniciativa privada. Segundo ele, a associação “ganha na divulgação e na transformação positiva da realidade local”.

Outro ponto importante é não aparecer com a solução pronta sem a efetiva participação da comunidade. Essa é a opinião do secretário de estado do Ambiente, André Corrêa. “Nosso objetivo é aprender fazendo, não há receita de bolo. Vamos construir esta realidade junto com a comunidade”.

Melhor do que buscar ações puramente filantrópicas, a união de vários setores traz benefícios sociais, melhora a qualidade de vida das pessoas e a coloca como protagonista de suas existências.

Sem continuidade, o projeto poderá ficar na conta das boas intenções, com alcance limitado e com data para se extinguir. Caso contrário, quem sabe o exemplo da Rocinha se multiplique e faça com que os resíduos se tornem ponto de partida para a construção de uma realidade mais sustentável para todos. (Carta Capital/ #Envolverde) 44

* Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, colunista de Carta Capital e assessor de imprensa e consultor da ONG Iniciativa Verde.

** Publicado originalmente no site Carta Capital.