Abdijã, Costa do Marfim, 27/8/2010 – O enfermeiro coloca o cadáver com cuidado em um saco plástico, deixa a barraca de campanha de isolamento e coloca os pés em um recipiente com água e hipoclorito de sódio. Tira os óculos de segurança, as luvas e a máscara e os queima em um tambor. É observado por centenas de pessoas atrás de um cordão de isolamento, incluindo a ministra da Saúde da Costa do Marfim, Raymonde Goudou Coffie, e representantes dos meios de comunicação, entre eles a IPS.
Não há risco para essas pessoas, já que não há casos de ebola na Costa do Marfim, apesar de o vírus já ter matado 60% dos infectados no atual foco na África Ocidental. E o cadáver é um manequim. Trata-se de uma simulação realizada no hospital distrital de Biankouma, no oeste do país. “Queremos testar os equipamentos médicos. E ver o que podemos fazer para melhorar nossa reação”, afirmou a ministra, farmacêutica de profissão.
A professora Edinie Veh Gale é uma das observadoras. A explicação para a simulação “não está traduzida para o yacuba, o idioma local, por isso muita gente não entende. Mas pelo menos despertou a curiosidade das pessoas que foram atrás da informação”, disse à IPS em francês.
A epidemia atual, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou “fora de controle”, se concentra em Guiné, Libéria, Nigéria e Serra Leoa, mas outros países da região, como a Costa do Marfim, lutam para permanecer sãos. A Costa do Marfim aplicou rígidas medidas de controle epidemiológico, como o fechamento de fronteiras e a proibição da entrada de pessoas vindas dos países com casos de ebola. Mas alguns neste país de 22 milhões de habitantes, se negam a se submeter às medidas restritivas.
O ebola foi detectado pela primeira vez em 1976 e os focos posteriores ocorreram em povoados da África central, onde a distância e o isolamento ajudaram a conter a enfermidade. Porém, o foco atual, o pior de todos, com mais de 1.135 mortos, se estendeu para várias cidades, onde as medidas sanitárias têm um êxito reduzido.
Susan Shepler, professora da Universidade Americana, com sede em Washington, passou seis semanas em Serra Leoa e na Libéria. A especialista em educação e conflitos armados notou que, embora existam alguns avanços na sensibilização com relação à doença, a maioria da população desses países tem uma profunda desconfiança da ajuda estatal.
“Não é simplesmente desconfiança do Estado, é desconfiança do sistema”, afirmou Shepler à IPS. Os habitantes acreditam que os políticos entram no governo para enriquecer e, portanto, não consideram que o Estado possa ajudá-los, acrescentou. Muitos, especialmente os que vivem em redutos da oposição, consideram que o ebola é um complô do governo ou uma maldição religiosa, explicou.
Nas áreas infectadas na Guiné, Libéria e Serra Leoa quase não há serviços públicos de saúde nem trabalhadores da saúde capacitados, destacou a professora. Por isso, é difícil as populações locais confiarem instantaneamente quando nas áreas afetadas aparecem equipes médicas com muitos recursos e frequentemente com apoio de especialistas estrangeiros
A Costa do Marfim não tem casos de ebola, mas ignora-se se isso se deve ao fato de o país adotar uma estratégia adequada ou se é simplesmente uma questão de sorte. O governo reforçou a prevenção em todo o país. Em março proibiu a carne de animais silvestres e desde então adotou várias medidas para conter a epidemia, como controles para detectar a doença nas fronteiras e a proibição de voos diretos para as áreas afetadas.
Agora o governo recomendou que as pessoas não se abracem nem se deem as mãos e que cumpram rigorosamente as normas de higiene. Também pretende gerar a confiança das pessoas com a incorporação às campanhas de educação de autoridades locais e pessoal médico conhecido pelas comunidades locais.
Em um banco no distrito comercial de Abdijã, um guarda de segurança oferece desinfetante de mãos aos clientes que utilizam o caixa automático. “É para sua saúde”, explica. Em frente a esse banco, os vendedores ambulantes que ajudam os motoristas a estacionarem seus carros se negam a dar a mãos.
No povoado de Pekanhouebli, oeste do país e perto da fronteira com a Libéria, não há eletricidade nem acesso à internet. Mas esta localidade, com forte apoio popular para a oposição, criou um comitê civil para mobilizar as comunidade contra o ebola.
“Não acreditávamos que o ebola fosse verdadeiro. Pensávamos que fosse uma doença do homem branco nas cidades, quando as autoridades vieram falar com a gente”, contou à IPS Serge Tian. “Mas, quando ouvimos no rádio, nos demos conta de que era verdade. E começamos a ouvir a enfermeira que visitava o povoado”, acrescentou.
Tian não dá a mão ao repórter da IPS quando deixa o povoado. Agora entende um pouco mais sobre como a doença se espalha e sabe o motivo de precisar cumprir as medidas restritivas.
Prevenção do ebola
As mensagens de saúde pública que educam a população africana sobre a redução do risco de contrair a doença devem estar centrados em:
– redução de risco de transmissão por animais silvestres a humanos pelo contato com morcegos ou macacos infectados e pelo consumo de sua carne crua,
– lidar com os animais com luvas e roupa protetora adequada, e os produtos de origem animal, como sangue e carne, devem estar bem cozidos para serem consumidos,
– redução do risco de transmissão entre humanos que surge do contato direto ou próximo com os pacientes infectados, sobretudo com seus fluidos corporais,
– evitar o contato físico próximo com os pacientes de ebola,
– usar luvas e equipamento de proteção pessoal adequado para cuidar dos doentes em casa.
As comunidades afetadas devem informar à população sobre a natureza da enfermidade e as medidas de contenção, incluindo o sepultamento dos mortos. As pessoas que morrem de ebola devem ser enterradas rapidamente e com medidas de segurança.
Fonte: Organização Mundial da Saúde. Envolverde/IPS