Por Sucena Shkrada Resk* –
Empreendimentos que por sua natureza econômica causam passivos ambientais devem obrigatoriamente, por determinação legal, antes de serem licenciados, esclarecer da forma mais transparente possível todos os cenários possíveis do comprometimento relacionado à sua atuação, que se refere a questões de ocupação e uso do solo, emissão de poluentes, interferência no planejamento urbano, comprometimento da biodiversidade, impactos de diferentes portes que afetem populações do entorno e seus modos de vida e saúde. Ao mostrar esta radiografia, vem o principal: com quais ações (factíveis) se comprometem para mitigar e adaptar o que e quem são afetados em curto a longo prazo. E aí entra o aspecto crucial: esta remediação se sobrepõe qualitativamente a todos os danos?
Esta introdução permeia os processos que envolvem o movimento de cidadania e de gestão participativa quanto a um tema que está causando polêmica atualmente sobre o futuro da região de ecoturismo e de patrimônio histórico da rústica Vila de Paranapiacaba (de característica histórica ferroviária inglesa no meio de um maciço verde de floresta atlântica, tombada da esfera municipal à federal, entre 1987 e 2003), em Santo André, – que conheço como jornalista e cidadã há 16 anos – e seu entorno que se estende até a Baixada Santista. É o projeto de construção de um Centro logístico na área do distrito de Campo Grande , também chamado de porto seco, numa área particular total de 468 ha (empreendimento Fazenda Rio Pequeno, Gleba A, Gleba C), até o ano de 2024, a 4 quilômetros da vila, onde passa a Ferrovia Santos-Jundiaí. Neste trecho, somente há transportes de cargas destino a Cubatão e Santos. E da Luz e Santo André para lá, também trem turístico aos finais de semana à vila.
No aspecto do processo na gestão pública, cabe à Prefeitura de Santo André a análise do Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), devido à zona de amortecimento do Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba, área contígua ao Parque Estadual da Serra do Mar, além da Reserva Biológica da Serra do Mar. Já o licenciamento ambiental do EIA/RIMA está sob análise da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).
Com a instalação, segundo o empreendedor, estaria prevista inicialmente a quantidade de 64 viagens diárias de caminhões pela Rodovia Antônio Adib Chammas (SP-122), que dá acesso à Vila diariamente para transporte de cargas e utilização da ferrovia local, que segue para o Porto de Santos. Esta rodovia é utilizada hoje principalmente por ônibus de transporte público, ciclistas e carros de passeio para moradores e turistas.
Em 2017, houve uma emenda à Lei de Uso de Ocupação do Solo (LUOPS) andreense, que permite a obra e está sendo questionada. A Prefeitura de Santo André chegou a apresentar à Câmara Municipal recentemente um projeto de lei que a revoga.
No decorrer de 2018, o assunto foi tema de debate na Universidade Federal do ABC (UFABC), no Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA/USP), originou uma mobilização social por meio do atuante movimento SOS Paranapiacaba e abaixo-assinado on-line. A reação parte da sociedade civil, de especialistas nas áreas socioambiental e de gestão pública. A pauta também está sendo acompanhada pelo Ministério Público Federal (MPF).
De acordo com o empreendedor Fazenda Campo Grande Empreendimentos e Participações, o investimento está estimado na ordem aproximada de R$ 780 mi, e ocupará a área de influência direta do Centro é a porção alta da Bacia do Rio Grande (que abastece a Represa Billings) e indiretamente, a Bacia do rio Grande e parte do vale do rio Mogi, até o Vale da Morte. A previsão é que sejam desmatadas 91 ha de mata nativa (equivalentes a 91 campos de futebol). A empresa alega que respeitará as características ambientais (sem entrar em detalhes maiores quanto a compensação ambiental direta ao passivo), além de promover a geração de mais de 1,2 mil empregos diretos e indiretos e arrecadação de Imposto sobre Serviços (ISS) a Santo André, na ordem de R$ 64 mi, entre construção e operação.
Preocupação socioambiental
O Movimento SOS Paranapiacaba e especialistas, como a arquiteta e urbanista Silvia Passarelli, da UFABC, a bióloga e especialista em recursos hídricos Marta Marcondes, da Universidade de São Caetano do Sul (USCS), Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM) e conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e o advogado Virgílio Alcides de Farias, do Movimento em Defesa da Vida do ABC (que já deu entrada em uma ação no Tribunal de Justiça quanto a este projeto) argumentam que a instalação do empreendimento poderá causar sérios comprometimentos socioambientais, de acordo com o que apuraram de “lacunas” de informações prestadas até agora pelo empreendedor, nos estudos inicialmente apresentados.
Segundos os especialistas, devido ao porte e abrangência do empreendimento, alguns dos problemas verificados na proposta do projeto inicialmente são a possibilidade de perda de biodiversidade devido ao desmatamento (incluindo impactos irreversíveis a espécies ameaçadas), redução de produção de água comprometendo o abastecimento da Billings, o aumento de problemas de drenagem de águas pluviais em Campo Grande, comprometimento dos serviços ecossistêmicos, como também conflito de trânsito no entroncamento da SP 31 com a SP 122, em Ribeirão Pires. Mais um aspecto apontado é que indiretamente a atração de novos empreendimentos pressionem as nascentes do rio Grande e haja incidência de problemas de saúde em população flutuante.
Também são feitos questionamentos quanto à qualidade do sistema de coleta e tratamento de esgoto que será adotado na construção para que não comprometa os mananciais, ao tipo de carga que será transportado e à questão de possibilidade de acidentes com produtos contaminantes, como também o comprometimento do corredor ecológico que há nesta região que abriga diferentes áreas de conservação ambiental e compreende o cinturão verde da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica . Aspectos importantes, como a geração de partículas finas poluentes e emissões de Gases de Efeito Estufa também são mais um ponto a ser esclarecido. Fazem parte dos componentes de saúde ambiental e de mudanças climáticas.
Primeira audiência pública programada para dezembro
A realização da primeira audiência pública sobre o EIA/RIMA do empreendimento, programada para junho deste ano, foi suspensa conforme informação do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema). Uma nova data foi anunciada, agora, para 17 de dezembro. A participação da sociedade civil é de extrema importância nesta fase, como também a leitura anterior do documento (link acima) para que possa ter o mínimo de subsídios de informações.
Em um processo de gestão participativa, todas as dúvidas quanto a passivos e ações de mitigação e adaptação devem ser esclarecidas pelo empreendedor de forma objetiva e transparente para que qualquer pessoa (leiga) compreenda. Nestes espaços, especialistas que questionam o empreendimento também têm o direito de se expressar, com suas argumentações e perguntas. Ao mesmo tempo, o poder público, representado pelos órgãos ambientais, devem ser claros quanto a estes pontos levantados neste processo. A Justiça, por sua vez, neste momento, na figura dos promotores de Justiça, também devem ser atuantes na defesa do direito público e ambiental. Ouvir gestores de unidades de conservação do entorno é fundamental, dada a importância desse maciço de mata atlântica e hídrico paulista.
*Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 26 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.
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