Começa no próximo dia 21 na cidade de Cali, na Colômbia, a 16ª COP de Biodiversidade, com a missão de avaliar se o progresso feito até aqui é suficiente para o alcance das metas do Marco Global de Biodiversidade (GBF, na sigla em inglês). O GBF prevê 23 metas a serem alcançadas até 2030, o que torna os próximos seis anos cruciais para o futuro do nosso planeta, além de quatro objetivos gerais para 2050. Depois de anos negociando um acordo global que permita reverter a tendência acentuada de perda da biodiversidade em todo o planeta, esta é a primeira vez que os países se reúnem para falar de ação: a implementação do GBF é o objetivo central desta conferência.
Na semana passada, o WWF lançou a mais recente atualização do Relatório Planeta Vivo, que mostra que o tamanho médio das populações de vida selvagem monitoradas sofreu uma catastrófica redução de 73% em apenas 50 anos (1970-2020). O documento alerta que a Terra se aproxima de pontos de não retorno perigosos, que representam graves ameaças para a humanidade. De acordo com os autores, um grande esforço coletivo será necessário nos próximos cinco anos para enfrentar as crises climática e de biodiversidade.
Para o WWF-Brasil, enfrentar essa crise exige o reforço das metas estabelecidas e a aprovação de um plano de monitoramento robusto com indicadores coerentes, claros, mensuráveis e eficazes para medir os esforços de conservação para alcançar a missão de impedir e reverter a perda de biodiversidade. Nesse contexto, a organização recomenda que o Brasil – um dos países com a mais rica e diversa biodiversidade do planeta – reafirme seu apoio às metas do Marco Global, atuando de maneira a liderar uma visão balanceada dos objetivos da Convenção de Biodiversidade (conservação, uso sustentável e repartição dos benefícios associados aos conhecimentos tradicionais e financiamento), e alinhados com a proteção e recuperação de ecossistemas críticos e a conservação da biodiversidade.
O WWF-Brasil espera também um comprometimento dos países, incluindo o Brasil, em integrar as metas globais de biodiversidade nas políticas e estratégias nacionais propostas e já existentes. Espera-se garantir, assim, uma abordagem coerente e efetiva de forma a também contribuir com a integração entre as agendas de clima e biodiversidade a partir, por exemplo, de sua incorporação nos novos compromissos voluntariamente determinados (NDC, na sigla em inglês) que o país deverá apresentar na Convenção do Clima da ONU.
A restauração de ecossistemas desempenha um papel crucial na reversão da perda de biodiversidade, na melhoria dos serviços ecossistêmicos, no apoio a meios de subsistência sustentáveis e na contribuição para a mitigação das mudanças climáticas. Por isso, o WWF-Brasil incentiva que a restauração seja promovida como agenda prioritária para implementação do GBF para além da Meta 2 (Restaurar 30% de todos os ecossistemas degradados), sendo promovida como uma agenda integradora de compromissos globais de biodiversidade, clima e desertificação.
Para vários países do mundo, no entanto, assumir e implementar compromissos de reversão da perda de biodiversidade exige rapidez, clareza e robustez no financiamento. A falta de compromisso efetivo dos países desenvolvidos com a transferência de recursos financeiros e técnicos (GBFF) trava o avanço de outros pontos da agenda, já que a maioria dos países depende de recursos externos para implementar suas ações.
“A COP16 é a primeira conferência na qual os negociadores não estarão mais negociando um acordo, mas sim tratando de sua implementação. Ora, não existe implementação sem os recursos necessários – financeiros, técnicos e humanos. Essa questão, portanto, é prioritária e fundamental para o avanço das ações necessárias nos próximos cinco anos, que são cruciais para revertermos a queda generalizada de biodiversidade no planeta”, alerta Mauricio Voivodic, diretor – executivo do WWF-Brasil.
“Outro ponto importante na COP16 é que não há como falar de biodiversidade sem o fortalecimento e o reconhecimento da importância dos povos indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade. Por isso, é essencial que os Estados busquem mecanismos que facilitem o acesso dessas populações a recursos financeiros e técnicos para projetos e iniciativas locais que promovam a conservação e a gestão sustentável da biodiversidade”, destaca Voivodic.
Para Michel Santos, Gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil que tem acompanhado as conferências da ONU para biodiversidade, “o Brasil será observado com lupa pelos demais países, dada a relevância deste acordo para nosso país, já que na extensão continental de nosso território estão biomas com representatividade considerável na biodiversidade mundial. O Cerrado, por exemplo, abriga 5% da biodiversidade do planeta. Na Amazônia, que também é um bioma crítico para a estabilidade climática da Terra, temos outros 10%. Então é natural que exista uma expectativa muito grande em relação à NBSAP brasileira, que ainda não foi apresentada, e em relação à postura da nossa diplomacia. Por outro lado, não podemos esquecer que o Brasil é uma forte voz do Sul global, onde a maioria dos países depende de financiamento externo para viabilizar seus planos. Nesse sentido, uma postura forte em defesa das nações menos desenvolvidas é necessária para ajudar a destravar um ponto crítico desta conferência: o financiamento”, completa.
A COP15 de Biodiversidade adotou uma Estrutura de Monitoramento Global parcialmente completa, definindo indicadores para medir o progresso em direção à realização do GBF. Infelizmente, o documento que segue para a COP16, após um extenso trabalho entre as sessões, ainda contém lacunas importantes, em particular nos indicadores principais, sobre os quais todos os países devem relatar. Por isso, o WWF-Brasil incentiva as partes a adotarem indicadores principais para todas as metas que atualmente não têm como ser avaliadas, já que algumas das 23 metas do GBF ainda não possuem indicadores estabelecidos.
Também durante a COP15, foi iniciada negociação sobre o Programa de Trabalho sobre Uso Sustentável da Biodiversidade Marinha e Costeira da CDB para que ela seja integralmente incorporada ao GBF, e foi continuada a descrição e/ou modificação das Áreas Marinhas Ecologicamente ou Biologicamente Significativas (EBSAs, em inglês). O WWF-Brasil incentiva que ambos os documentos sejam finalizados e adotados na COP16 e que sejam incorporados indicadores adequados à biodiversidade marinha e costeira no quadro de monitoramento da implementação.
Planos nacionais: o primeiro passo para a ação em prol da biodiversidade
O encontro em Cali será o primeiro momento de observação e análise sobre as Estratégias e Planos de Ação Nacionais de Biodiversidade – EPANB, em português, ou NBSAP, na sigla em inglês. Uma análise importante será entender se as NBSAPs apresentadas pelos países respondem, com o nível de ambição necessária, aos desafios globais de conservação da biodiversidade e se garantem, de forma coletiva, o alcance das metas do GBF. Até o momento, esse não parece ser o caso.
Uma revisão feita pelo WWF revelou que a maioria dos países não está cumprindo totalmente seus compromissos de interromper e reverter a perda da natureza até 2030. A poucas semanas do início da conferência, o saldo é de pouco mais de 20 NBSAPs (ou 10% dos países) revisados e cerca de 60 metas nacionais revisadas publicadas. O Brasil está entre os países que não apresentaram sua estratégia e plano de ação nacional de biodiversidade.
“Sabemos que a mudança não é fácil e os países estão enfrentando desafios como falta de financiamento, dados insuficientes e instabilidade política, mas há uma lacuna preocupante entre o que foi comprometido em Montreal e os planos colocados em prática até agora para reverter a perda da natureza até 2030”, alerta a chefe de advocacy global do WWF, Bernadette Fischler Hooper. “Há várias razões para esses resultados ruins”, explica Fischler Hooper. “A falta de ambição para fazer as revisões é uma delas, mas alguns países simplesmente não têm os recursos.”, acrescenta Hooper.
O mapeamento do WWF também avalia as metas nacionais publicadas por 33% dos países. Muitos parecem omitir maneiras claras e consistentes de medir o progresso. Sem isso, poderíamos ver uma falta de responsabilização durante a implementação dos planos — o que foi uma das principais falhas das Metas de Aichi de 2011 a 2020.
Outro problema generalizado é o engajamento ineficaz em todos os órgãos governamentais. Os ministérios do meio ambiente sozinhos não podem promulgar as mudanças transformacionais em toda a sociedade das quais precisamos. Isso exige que todas as partes do governo e setores econômicos se envolvam. O risco é que os planos não tenham a influência política necessária nos próximos cinco anos, especialmente quando se trata de redirecionar os US$ 500 bilhões anuais em subsídios prejudiciais à natureza que os países se comprometeram a reduzir.