Sociedade

Cresce mobilização contra abuso de antibióticos na Índia

Na Índia, uma pessoa toma, em média, 11 comprimidos de antibióticos por ano. Em 2010, o país consumiu cerca de 12,9 bilhões de unidades. Foto: Bigstock
Na Índia, uma pessoa toma, em média, 11 comprimidos de antibióticos por ano. Em 2010, o país consumiu cerca de 12,9 bilhões de unidades. Foto: Bigstock

 

Kolkata, Índia, 12/9/2014 – “Resistência aos antimicrobianos: se não agirmos hoje, não haverá cura amanhã” foi o lema com o qual a Organização Mundial da Saúde comemorou, em 2011, o Dia Mundial da Saúde, que exortava os governos a promoverem um uso responsável dos antibióticos para evitar a resistência e as superbactérias.

O alerta continua valendo em 2014, em especial na Índia, que, com 1,2 bilhão de habitantes, ganhou há pouco a duvidosa distinção de ser o pior país do mundo no abuso de antibióticos. Com ingestão média de 11 comprimidos de antibióticos por pessoa ao ano, o país consumiu cerca de 12,9 bilhões de unidades em 2010, muito acima dos oito bilhões de 2001.

Uma análise das vendas nacionais de produtos farmacêuticos, publicado pela revista médica The Lancet, em julho, revela que África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia concentraram 76% do aumento no uso de antibióticos. As nações ocidentais agora se dão conta das alarmantes consequências do consumo abusivo de antibióticos, pois gera resistência aos medicamentos. Na Europa, as cepas de bactérias resistentes causam a morte de aproximadamente 25 mil pessoas por ano.

Em países em desenvolvimento como a Índia, a mudança no estilo de vida contribui para um uso de medicamentos casual e imprudente. Ramanan Laxminarayan, pesquisador e professor da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, explicou à IPS que a causa da proliferação de antibióticos em seu país é “uma combinação de melhores rendas e disponibilidade, fácil acesso sem receita médica e disposição dos médicos em receitar antibióticos, além de uma grande quantidade de infecções que seria melhor conter com melhoria do saneamento e a vacinação”.

As pessoas se esquecem que “os antibióticos têm efeitos secundários e, se usados constantemente, diminuem as probabilidades de funcionarem quando realmente forem necessários”, afirmou Laxminarayan.

O informe da The Lancet apontou que os antibióticos registrados entre 2000 e 2010 com um consumo maior absoluto foram as cefalosporinas, penicilinas de amplo espectro e fluoroquinolonas. Segundo o médico Surajit Ghosh, da Associação de Saúde Pública da Índia, alguns pacientes renovam suas receitas sem uma consulta com um profissional para reduzir custos.

Para um país como a Índia, com limitados centros de saúde e uma proporção de um médico para cada 1.700 pessoas e com 29% de sua população em condição de extrema pobreza, o surgimento de superbactérias pode ser desastroso, alertam especialistas.

“Com nossa grande proporção de infecções, dependemos mais do que as nações ricas dos antibióticos”, explicou Laminarayan. “As consequências das superbactérias provavelmente serão muito piores para muitas pessoas nesse país, que não poderão assumir o custo dos novos antibióticos mais fortes. Pensemos como aumenta o preço do combustível. Os ricos se acertam, mas atingirá duramente os mais pobres”, acrescentou.

Laminarayan também previu que as doenças mais comuns nas quais repercutirá o abuso de antibióticos serão “as infecções hospitalares, em especial as que causam septicemia, pneumonia e as do trato urinário”.

Preocupadas, muitas pessoas optam pela medicina alternativa por meio dos Sistemas de Medicina e Homeopatia (ISM&H), que oferecem as opções ayurveda, siddha, yunani e outras, como ioga e medicina naturista. Atualmente, há cerca de 680 mil profissionais registrados pelo ISM&H no país, a maioria trabalhando no setor privado.

Swati Biswas (nome fictício) contou à IPS que seu “marido estava doente e foi recomendada uma cirurgia. Mas contraiu uma doença e a intervenção foi adiada. Nunca se recuperou depois de voltar para casa e morreu dois meses mais tarde. Gastei milhares de rúpias em remédios inutilmente. Agora consulto um médico homeopata. Já estou cansada dos médicos ocidentais e dos hospitais”.

Nesse contexto foi criada a Rede Iniciativa Indiana para a Gestão da Resistência aos Antibióticos (IIMAR), para gerar consciência sobre o problema. Seu coordenador, Ashok J. Tamhankar, justificou a necessidade desse tipo de organização ao ser consultado pela IPS: “Em uma reunião científica na cidade de Bangalore, em 2008, muitos participantes se deram conta de que a resistência aos antibióticos aumentava na Índia. Isso ocorre porque os responsáveis não dão respostas a esse problema”.

Segundo Tamhankar, “a ignorância e a insensibilidade atravessam todos os setores sociais, desde provedores de saúde, médicos e farmacêuticos, passando por legisladores e laboratórios, até consumidores. Por isso foi criada uma plataforma para conscientizar que foi colocada em um blog”. O grupo original era formado por um punhado de pessoas, mas agora tem mais de mil membros ativos e muitos outros, passivos e de diferentes profissões, afirmou, ressaltando que “só a aprovação de leis não é uma solução”.

“As pessoas têm de resolver seus problemas com ajuda das leis. Isso ganha particular importância no caso dos antibióticos. É um assunto delicado, pessoal, ético e médico. Não podemos viver sem antibióticos. Mas é preciso usá-los com prudência”, insistiu o especialista. Algumas pessoas também afirmam que há um acordo entre os fabricantes e os médicos, que leva a um excesso de receitas para problemas que poderiam ser facilmente resolvidos sem antibióticos.

Em 2012, o IIMAR informou que o Conselho Médico da Índia (MCI) havia recebido 702 queixas por excesso de receitas para antibióticos entre 2011 e aquele ano, das quais 343 foram enviadas aos conselhos médicos estaduais. “Entre 2010 e 2011, o MCI recebeu 824 denúncias, que o levou a suspender o registro de dez médicos e advertir outros quatro”, segundo o IIMAR.

“As associações químicas e farmacêuticas não se interessam em reduzir seu negócio, e a indústria farmacêutica também permanece calada em beneficio próprio”, destacou Ghosh. Segundo a consultoria Deloitte, as vendas da indústria farmacêutica na Índia foram de US$ 22,6 bilhões em 2012, com previsão de aumentar para US$ 23,6 bilhões em 2013. Além disso, prevê que em 2016 poderão chegar a US$ 27 bilhões.

Ghosh enfatizou que deveria haver “protocolos sobre antibióticos em todos os hospitais, clínicas e dispensários de medicamentos, e todos os centros e instituições de saúde. Além disso, deveria haver disposições legais em cada pacote destacando os perigos do uso indevido. “É hora de levantar a voz contra o uso irracional dos antibióticos”, concluiu. Envolverde/IPS