Peshawar, Paquistão, 27/8/2014 – As meninas e os meninos são as vítimas invisíveis do conflito entre o governo do Paquistão e o movimento extremista Talibã, que pretende se apoderar das Áreas Tribais sob Administração Federal (Fata), no norte montanhoso do país. Muitos podem ser vistos caminhando entre os escombros de suas antigas casas ou sentados fora dos improvisados acampamentos para refugiados.
Milhares dessas crianças crescem sem educação, já que suas escolas foram destruídas pelos bombardeios dos islâmicos ou se transformaram em moradias temporárias para os refugiados. Os centros educacionais são atacados desde 2001, quando talibãs que fugiam da invasão dos Estados Unidos no Afeganistão se refugiaram no vizinho Paquistão e começaram a impor sua própria lei aos habitantes do fronteiriço norte paquistanês. Isso incluiu a proibição da educação laica, com o argumento de que é “contrária ao islã”.
Além disso, a ofensiva militar iniciada em 18 de junho contra o Talibã obrigou cerca de um milhão de civis a fugirem de suas casas no Waziristão do Norte, um dos sete distritos que formam as Fata, e interrompeu os estudos de milhares alunos.
Nos últimos dez anos, os talibãs danificaram cerca de 750 escolas na região, das quais 422 exclusivamente para meninas. Esta situação privou de educação 50% das crianças das Fata, segundo seu subdiretor de educação, Ishtiaqullah Khan. “Vamos reconstruí-las quando terminar a ação militar com a derrota do Talibã’, afirmou à IPS, embora quando isso vai ocorrer continue sendo uma pergunta sem resposta.
Inclusive, mesmo antes da última onda de refugiados, as Fata registraram uma das mais baixas taxas de matrícula no ensino primário do país, de apenas 33% das crianças em idade escolar. As matrículas de meninas foram de apenas 25%, contra 42% dos meninos.
Entre 2007 e 2013, houve uma onda de deserções escolares que em 2013 atingiu pico de 73%, na medida em que o Talibã reforçava suas atividades na região e as famílias fugiam apavoradas para áreas mais seguras. No total, cerca de 518 mil estudantes do ensino primário não foram à escola na última década, informou Khan, com base nos registros oficiais.
A situação não é melhor no distrito de Bannu, na vizinha província de Jyber Pajtunjwa, onde a maioria dos refugiados do Waziristão do Norte se refugiou em seus acampamentos. Embora o governo local se esforce para proporcionar o básico, como alimento, remédios e abrigo, a educação ficou em segundo plano, e milhares de meninas e meninos perderam a esperança de algum dia voltar à escola.
O refugiado Ahmned Ali, de 49 anos, disse à IPS que esperava que suas filhas, de cinco, seis e sete anos, se matriculassem em escolas provisórias no acampamento de Bannu, mas sua decepção foi grande quando descobriu que não seria assim. “Não tenho como garantir o ensino para elas”, lamentou.
Um informe da Organização das Nações Unidas (ONU) indica que 98,7% das meninas e 97,9% dos meninos refugiados não recebem nenhum tipo de educação nos acampamentos. Isto não só agrava os problemas dos refugiados, que também sofrem com escassez de comida, desidratação devido ao calor de até 42 graus, trauma e doenças provocadas pelo saneamento insuficiente, como também ameaça alterar o sistema escolar da população local de Bannu, segundo as autoridades.
Estas alertam que provavelmente continuará diminuindo a taxa de matrícula no ensino primário, que atualmente é de apenas 37% (31% para meninas e 43% para meninos), já que 80% dos 520 mil refugiados ocupam prédios escolares de Bannu. As escolas fecharam para as férias de verão boreal e o ano escolar começará em 1º de setembro.
Hamidullah Wazir, pai de três filhos cuja família inteira está abrigada em uma sala de aula, disse que poucos dos refugiados estão prontos para desocupar o lugar, porque não têm “nenhuma alternativa”. Reconhece que sua negativa em partir pode comprometer a educação das crianças de Bannu, mas “até o governo nos oferecer um abrigo adequado não poderemos sair daqui”, disse à IPS.
As estatísticas do Departamento de Educação indicam que há 1.430 escolas em Bannu, 48% das quais são para meninas e 1.159 são primárias. Mais de 80% destas instituições estão ocupadas por refugiados, dos quais 22.178 (43%) são crianças. Além dos refugiados que chegaram a Jyber Pajtunjwa desde meados de junho, a região também abriga 2,1 milhões de refugiados que fugiram do Talibã na última década. Estas famílias lutam há anos para educar seus filhos.
“Há toda uma geração que não recebeu educação por causa do Talibã”, disse Osama Ghazi, pai de quatro filhos. Este comerciante de profissão contou que as famílias mais ricas se mudaram para Jyber Pajtunjwa há anos em busca de melhores oportunidades, mas nem todas as encontraram. “Pedimos ao governo que tome as medidas necessárias para a educação de nossos filhos, mas a solicitação caiu em ouvidos surdos”, disse à IPS o representante dos refugiados, Malik Amanullah Khan.
O ministro de Informação de Jyber Pajtunjwa, Mushtaq Ghani, disse que o governo está em processo de buscar alternativas para as crianças refugiadas. “Não queremos ver esses meninos e meninas sem educação. Já sofreram muito nas mãos do Talibã e não podem se dar o luxo de ficar sem escola por mais tempo”, ressaltou Ghani à IPS. O governo, em colaboração com as agências da ONU, pretende proporcionar serviços educativos sem custo em Bannu, acrescentou. Envolverde/IPS