Sociedade

Prêmio Abraciclo: Cultura da bicicleta se aprende na escola

Esta reportagem assinada pelo jornalista Rogério Viduedo foi publicada originalmente no dia 7 de abril de 2020. Neste 17 de novembro de 2021 recebemos a notícia de que venceu o prêmio Abraciclo de Jornalismo na categoria Bicicleta.

Para nós da Agência Envolverde é um orgulho contribuir para ampliar o diálogo sobre a mobilidade sustentável e ter entre nossos colaboradores um profissional comprometido como o Rogério Viduedo. Parabéns ao Rogério e, também, à Escola Municipal de Educação Infantil Dona Ana Rosa Araújo

Por Rogério Viduedo, jornalista e cicloativista – 

A Escola Municipal de Educação Infantil Dona Ana Rosa Araújo, localizada no bairro da Aclimação, em São Paulo, voltou às aulas com uma novidade: vai incluir definitivamente a bicicleta como parte do aprendizado das crianças de 2 a 6 anos de idade lá matriculadas. Para isso, comprou 17 bicicletas de diferentes tamanhos para serem usadas regularmente na quadra da escola que, recentemente, recebeu a pintura do traçado de uma ciclovia. A encomenda já chegou e a estreia das bicicletas deverá ocorrer quando as atividades voltarem à normalidade, interrompidas pela crise da Covid-19.

A iniciativa é um caso isolado na rede de ensino da cidade de São Paulo e partiu da coordenadora pedagógica Cristiana Teixeira Magen. Teve apoio da diretoria, de professoras, das famílias e sobretudo das crianças, que passaram a pedir pela volta das bicicletas após terem participado de um projeto piloto conduzido durante o segundo semestre do ano passado pelo Instituto Aromeiazero, ONG paulistana que promove a bicicleta como ferramenta de desenvolvimento integral a partir do projeto Rodinha Zero, ação que ensina crianças de 6 a 11 anos de idade a pedalar sem rodas auxiliares.

Crianças desenham bicicletas na EMEI Ana Rosa de Araújo: futuro sustentável

“A decisão em Inserir a bicicleta no aprendizado das crianças é fundamentada nas proposições do Currículo da Cidade de São Paulo”, diz Cristiana. É um documento publicado em 2019 que relata a experiência paulistana de traduzir as definições da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e dar suporte à implementação na rede municipal de ensino fundamental. “O currículo exalta a educação como meio da sociedade assegurar a coesão e a equidade social, a solidariedade e, num movimento complementar, o desenvolvimento pessoal de todos”, explica.

Aprendizado de pedal na quadra da escola: mobilidade mais ativa, é mais saúde e menos poluição.

Cristiane cita outra referência importante para incluir o aprendizado com bicicletas na escola. São Paulo se comprometeu a seguir os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, um plano de ação assinado por todos os países que compõem a ONU e que lista 169 metas a serem cumpridas até 2030. O objetivo está em fortalecer a paz universal e reconhecer que a erradicação da pobreza em todas as formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável.

Bicicleta e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Ao adotar a prática de ensinar o uso da bicicleta nas atividades escolares, a escola paulistana está ajudando na prática a atingir, em princípio, o ODS 3, (saúde e bem estar), o 10 (redução das desigualdades), o 11 (cidades e comunidades sustentáveis) e o 13 (combate às alterações climáticas). “Investir em ações educativas em que as crianças aprendam a pedalar, é investir em um futuro com mobilidade mais ativa, com mais saúde e menos poluição. É também favorecer crescentemente o direito das crianças à cidade e às suas formas lúdicas de deslocamento”, explica a professora. 

No ano passado, a escola inscreveu o projeto no Prêmio Educação em Direitos Humanos e Cidadania promovido pela Secretaria da Educação do município e recebeu a menção honrosa. Com o nome de Roda no Território – aprendendo a pedalar, ele foi aplicado em etapas ao longo de quatro meses ao longo do segundo semestre do ano passado. A metodologia é focada em dois objetivos: desenvolver nas crianças as habilidades que as capacitem andar de bicicleta sem rodinhas bem como promover ações dentro e fora da escola. A ideia é que a bicicleta seja uma ferramenta que proporcione às crianças a exploração do território no entorno da escola, viabilize maior interação social com a vizinhança e proporcione a chance delas ocuparem melhor os espaços públicos.

Cristiane Magen recebe prêmio Educação em Direitos Humanos: menção honrosa

Resultados inspiradores

Para medir o impacto das ações e apontar caminhos, a ONG realizou uma pesquisa anterior ao início das atividades. Primeiro, identificou os hábitos de uso da bicicleta pela comunidade escolar e entrevistou 246 alunas e alunos com idade entre quatro e seis anos. Descobriu que 54% possuíam uma bicicleta em casa, mas apenas 5,8% sabiam pedalar sem rodas auxiliares. Ouviu também as famílias e das 200 responsáveis que responderam ao questionário, 24% disseram ter desejo de usar a bicicleta para vencer o trajeto da escola para casa mas que não o faziam pelos motivos: insegurança em pedalar nas ruas (30%), não ter bicicleta (40%) e morar muito longe da escola (32%). 

Para chegar na parte prática, o Aromeiazero promoveu um diálogo coletivo com professoras para que elas pudessem conhecer melhor o que é a mobilidade urbana por bicicleta. Depois, durante três dias, as turmas da escola se dividiram entre participar de bate-papos sobre andar de bicicleta, fazer pinturas com essa temática e pedalar sem rodinhas. Todas as atividades foram realizadas com suporte de instrutoras e instrutores do Aromeiazero. Ao final da jornada, todas as 249 crianças, inclusive aquelas com necessidades especiais, tiveram contato com bicicletas e 62 delas conseguiram pedalar sem rodas auxiliares. 

Carlen Bischainm, uma das professoras que participaram do projeto, se emociona ao falar do projeto. “Que alegria é ver essa crianças andando de bicicleta. Eu, como professora, nunca tinha vivido essa experiência. Ela traz a mesma sensação de felicidade vista quando aprendem a ler”, disse.

Cintia Naomi, mãe de um dos alunos da escola que aprenderam a pedalar após a passagem do projeto, adotou desde o ano passado a bicicleta como forma de transportar o Benício, hoje com cinco anos de idade. Para vencer o trajeto de dois quilômetros entre casa e colégio, que antes percorriam a pé, ela comprou uma bicicleta para ele e, enquanto o menino ainda vai ganhando confiança para pedalar na ciclovia da Domingos de Moraes, ela diz que para a escola tem preferido ir caminhando ao lado dele pela calçada, para evitar usar a estrutura cicloviária nas hora mais movimentadas.

Cíntia e Benício pedalam na ciclovia: de bike para a escola

“Isso tem proporcionado muitos aprendizados e o maior deles é a conscientização de que o pedestre é vulnerável, que ele precisa protegê-los”, explica Cintia. A nova rotina só é interrompida quando chove e trouxe ganho de tempo para ela, que dirige uma empresa de cosméticos, e para ele, que não chega mais cansado das caminhadas. “Quando íamos andando, o Benício muitas vezes queria que o pegasse no colo, pois se cansava fácil. Agora, ele entra na escola mais disposto e nosso deslocamento é mais rápido”.  

Projeto é selecionado em edital do Banco Itaú

Desde 2011 o Aromeiazero incentiva e promove a utilização da bicicleta enquanto ferramenta de mudança no modo de vida e humanização das relações sociais nos centros urbanos. Além do Rodinha Zero, iniciado em 2016 a partir de parcerias com as unidades Itaquera e Carmo, a ong já realizou diversos projetos com o intuito de promover hábitos de vida saudável a partir do uso da bicicleta. Entre eles o Pedala!, o Festival Bike Arte, o Viva Bairro!, o Galpão da Bike e o Bike Café

“No caso do Rodinha Zero, já pedalaram conosco mais de 4 mil crianças e nossa intenção é levar o sucesso do projeto realizado na  Ana Rosa de Araújo para outras escolas em São Paulo e no Brasil” comenta o diretor de desenvolvimento institucional, Murilo Casagrande. Para isso, a instituição tem inscrito o Rodinha Zero em editais privados e públicos para levantar dinheiro para levar as atividades para outras unidades escolares, se possível, não só na cidade de São Paulo, mas em todo o Brasil. 

A persistência já deu resultado e em março de 2020 o Rodinha Zero foi selecionado pelo Bikeeducação, um edital do Banco Itaú que atraiu propostas de projetos educativos para mobilidade urbana por meio da bicicleta. Com o dinheiro, irá levar as atividades para quatro escolas públicas: em Araraquara, no interior de São Paulo, em Embu das Artes, na região metropolitana da capital e em dois CEUs na periferia paulistana localizados em Heliópolis e Capão Redondo. 

São Paulo já teve programa similar, abandonado em 2014

A prefeitura de São Paulo já iniciou programa semelhante para incentivar uso de bicicleta por estudantes de escolas públicas. Criado em 2012 durante a gestão de Gilberto Kassab, o Escola de Bicicleta tinha a meta de alcançar 4,6 mil estudantes dos 45 Centros Educacionais Unificados (CEUs) da cidade e era gerenciado pela Secretaria Municipal de Educação. A ideia era que esses alunos fossem treinados nas escolas por uma instituição sem fins lucrativos contratadas para fazer as formaçoes e treinar monitores que serviriam de guias para grupos de estudantes. Também havia a previsão de instalação de rotas escolares de bicicleta pela Companhia de Engenharia de Tráfego. As bicicletas eram de bambu, de modo a contribuir para a sustentabilidade do projeto. 

A iniciativa no entanto não durou mais do que dois anos. O Tribunal de Contas do Município encontrou problemas no contrato com a ONG e a parceria foi encerrada durante a gestão do prefeito Fernando Haddad.

Em Bogotá, prefeitura tem programa desde 2014

Já em Bogotá, capital da Colômbia, o programa “Al colégio em bici” está em curso desde 2014. Ele foi desenhado para incentivar e proporcionar meios seguros para crianças pedalarem de casa para a escola e assim diminuir faltas em decorrência de transporte. Atualmente são 76 escolas que participam com mais de 3,3 mil crianças beneficiadas por ano. Além de receberem uma bicicleta por empréstimo, elas passam por uma oficina de capacitação em mecânica básica e de segurança do trânsito. O trajeto de casa para a escola é conduzido por até três guias, a depender do tamanho do grupo, e é feito por ciclorrotas criadas para garantir uma pedalada tranquila por vias secundárias. 

Outra iniciativa da capital colombiana para aumentar o número de pessoas usando bicicletas para locomoção e ainda incentivar a criação de empregos nesse setor foi a inauguração em dezembro de 2019 do Colégio da Bicicleta. Lá são oferecidos treinamentos em mecânica e administração de microempresas que possibilitem aos estudantes a chance de se tornarem profissionais do setor. O plano acadêmico inclui questões de mobilidade, atividade física, empreendedorismo, e desenho de roupas e o prédio conta com salas de aula de artes e dança, oficina, laboratórios de biomecânica e fisiologia, biblioteca, refeitório, estação de rádio, laboratório audiovisual e playground para crianças na primeira infância.

Rogério Viduedo é jornalista desde 1993, com atuação em com assessoria de imprensa desde 2006. atuou nas áreas de economia e finanças (repórter do Dinheiro Vivo, Assessor de Imprensa da Bovespa), e se tornou especialista em  mobilidade sustentável, principalmente o uso da bicicleta como ferramenta de transformação das cidades.

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