Sociedade

A defasagem ecológica das universidades

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Se a ciência nos revela concretamente o risco crescente de um colapso em escala global, importa reconhecer em sala de aula os eixos de sustentação da vida e ajustar a nossa cultura á resiliência do planeta. Foto: http://www.shutterstock.com/

No post anterior, denunciei o analfabetismo ambiental presente na formação da maioria dos jovens nas escolas e universidades do Brasil, e o evidente despreparo das novas gerações para enfrentar os gigantescos desafios diante da maior crise ambiental da História da Humanidade. Compartilhei preocupações pontuais e sugestões para que que fosse possível erradicar esse analfabetismo ambiental nas escolas.

Hoje falaremos da situação nas universidades.

É flagrante o desconhecimento de novos engenheiros, economistas, advogados, jornalistas, agrônomos, professores e outros profissionais recém-chegados ao mercado sobre o senso de urgência que todos deveríamos ter para corrigir o rumo, reinventar protocolos em favor de um modelo de civilização mais consciente e responsável. Além de eventuais ajustes nos conteúdos pedagógicos dos respectivos cursos, é preciso estimular a mudança de hábitos, comportamentos, estilos de vida e padrões de consumo – não seria exagero dizer “mudar quase tudo” – para que evitemos, no mínimo, os piores cenários que já se vislumbram pela frente.

Se causamos (ou agravamos) o aquecimento global, a escassez de água doce e limpa, a desertificação do solo, a destruição da biodiversidade, o consumismo desvairado, a produção monumental de lixo, dentre outras tragédias em curso – conforme inúmeras evidências acachapantes para nossa espécie, a única dotada de razão – não é possível admitir que se faça mais do mesmo. Uma das áreas estratégicas para operar essa mudança em escala global é justamente as universidades.

Manter as atuais grades curriculares (em boa parte dos casos remanescentes do século passado com quase ou nenhum ajuste nos conteúdos disponibilizados) significa perpetuar o atraso.

Vejamos o que acontece, por exemplo, no ensino de economia, talvez a área do conhecimento mais refratária à esses ajustes, apesar do belo trabalho realizado pelos professores José Eli da Veiga e Ricardo Abramovay (Universidade de São Paulo), Ladislau Dowbor (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP), Sérgio Besserman Vianna (PUC-RJ), Carlos Eduardo Frickmann Young (Universidade Federal do Rio de Janeiro), entre outros poucos.

Como é possível imaginar que na maioria das escolas de economia do Brasil, segundo tenho apurado com gente da área, os estudantes sejam privados do conhecimento de certos conceitos importantíssimos e referenciais para a compreensão do nosso tempo, como os relacionados abaixo?

Desenvolvimento Sustentável: importantíssimo divisor de águas na História do pensamento econômico, que vem inspirando uma ampla revisão das chamadas “externalidades”, em benefício das pessoas, do ambiente onde elas estão inseridas, e da resiliência do próprio negócio.

Economia Verde: conceito que abrange de forma objetiva outras variáveis do “Desenvolvimento Sustentável” e vem norteando os debates internacionais da ONU sobre economia.

TEEB (do inglês “The Economics of Ecosystems and Biodiversity”, metodologia desenvolvida com a ajuda da equipe do economista indiano Pavan Sukdev e adotada pelas Nações Unidas como modelo para estabelecer valores monetários aos chamados “serviços ambientais” prestados pelas florestas, manguezais, bacias hidrográficas etc.)

Economia de Baixo Carbono: conjunto de políticas e iniciativas que estimulam as fontes limpas e renováveis de energia em detrimento dos combustíveis fósseis. Empresta sentido ao questionamento dos subsídios que ainda irrigam generosamente a s indústrias do petróleo, do carvão e do gás.

São alguns dentre tantos exemplos de inovação do pensamento econômico solenemente ignorado por boa parte das universidades brasileiras. Não é exclusividade das escolas de economia. Essa crítica construtiva alcança indistintamente todas as áreas do conhecimento, que se movem vagarosamente (quando se movem) na direção que importa, que é a da formação responsável de novos profissionais mais qualificados para compreender a dimensão da crise e enfrentá-la com propriedade.

Somos cúmplices de um sistema falido que não enxerga – ou não quer enxergar – saídas, outras possibilidades, outras profissões e especializações. Se não abrimos espaço para o novo com a agilidade necessária – e o novo neste caso tem evidentemente um componente “subversivo”, “ameaçador” para as velhas estruturas, inclusive dentro da Academia – como desconstruir o atual modelo em favor de outro, mais justo e sustentável?

Se a ciência nos revela concretamente o risco crescente de um colapso em escala global, importa reconhecer em sala de aula os eixos de sustentação da vida e ajustar a nossa cultura á resiliência do planeta. Isso só será possível onde sejam lançadas as sementes de uma nova civilização. A universidade é uma sementeira por excelência. Reduzir a função do ensino superior à mero provedor de mão de obra para as demandas do mercado, tal qual uma olaria que despeja tijolos sob medida de acordo com as urgências imediatistas da construção, é mediocrizar o ensino superior.

A universidade deve ser também o espaço da livre formulação de ideias, do pensamento crítico, do questionamento dos modelos e das convenções. Assim nascem os gênios, aliás, quanto maior a capacidade de surpreender e inovar, maior a genialidade.

Para acelerar o passo na direção de uma nova universidade mais sensível aos limites do planeta e à formação de novos profissionais, é preciso redesenhar as rotinas acadêmicas. Sem afrontar a autonomia de cada Departamento, a UNB e a PUC-RJ inovaram.

A Universidade de Brasília criou em 1995 o Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), um “espaço acadêmico cuja missão é promover a ética da sustentabilidade, por meio do diálogo entre saberes, da construção do conhecimento e da formação de competências”.

A PUC do RJ lançou em 1999 o Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (Nima), que elegeu como missão tornar a instituição “referência nacional e internacional em meio ambiente, contribuindo através da ciência e da educação para o desenvolvimento sustentável, visando estabelecer a interação entre a universidade e o meio, e entre sociedade e natureza”.

Conheço as duas experiências. Sou professor da PUC-RJ há 10 anos onde acompanho sempre que possível as atividades do Nima, e já estive mais de uma vez participando de eventos do CDS da Universidade de Brasília. São iniciativas muito interessantes que merecem visibilidade.

Uma ligeira visita aos sites desses núcleos universitários revela a contundência com que ambos os projetos promovem outra visão de mundo, outras ferramentas metodológicas para a compreensão da realidade que nos cerca e, assim, posicionar a universidade no nível onde ela precisa estar, especialmente em tempos de crise: a de farol que ilumina a civilização na busca de respostas efetivas para problemas complexos.

A universidade não tem o poder de salvar o mundo. Mas sem ela, tudo fica mais difícil.

* André Trigueiro é jornalista com pós-graduação em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a disciplina geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ, autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um dos autores dos livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e Ecologia, lançado na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, pela Editora FEB, em 2009. É apresentador do Jornal das Dez e editor chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News. É também comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro.

** Publicado originalmente no site Mundo Sustentável.