Por CartaCapital –
Duas campanhas – uma pelo adiamento do Enem e outra por liberação de internet gratuita a portais de educação – visam amenizar distorções
O professor doutor Juan Colonna, que dá aulas no Instituto de Computação (IComp) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), acredita que a realidade da pandemia colocou ainda mais em evidência a desigualdade que existe no país em torno do acesso à educação. “Sabe-se que no Brasil a desigualdade não é de hoje. Além de estrutural, é histórica. O governo raramente leva em consideração as condições socioeconômicas dos brasileiros, principalmente dos grupos mais vulneráveis, que majoritariamente estão sendo os mais afetados”, comenta.
Além de ponderar que uma parcela dos alunos não consegue ter acesso aos portais educativos por não terem computador ou internet banda larga em suas casas, Colonna alerta para a estrutura psicológica dos jovens mais afetados pela pandemia. “Quem garante que a saúde mental dos estudantes não será afetada ao final de tudo isso, principalmente para quem teve familiares doentes, falecidos ou pais desempregados? Será que todos os alunos conseguirão realizar uma prova com a pressão do Enem?”, questiona o professor universitário.
Internet gratuita na pandemia
Foi pensando numa forma de promover a democratização do conhecimento neste período de pandemia, em que escolas e universidades estão fechadas, que o professor de Ciência da Computação e Engenharia de Software teve a ideia de criar uma mobilização pedindo que Governo Federal, Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e as operadoras de telefonia móvel liberem os portais educativos online sem custo na franquia de dados móveis.
A alternativa idealizada por Colonna e apoiada por outros docentes leva em consideração o fato de que, apesar de parte dos brasileiros não ter computador ou banda larga em seus lares, 93,2% dos domicílios do país possuem pelo menos um celular, de acordo com a pesquisa PNAD Contínua TIC 2017, do IBGE. “Pensamos que a utilização do celular seria mais viável para continuar promovendo o conhecimento de forma mais igualitária”, destaca o professor.
Assim como a campanha pelo adiamento do Enem, a mobilização do docente também é feita por meio de um abaixo-assinado hospedado na plataforma Change.org. A petição, que até o momento reúne mais de 24 mil assinaturas, é apoiada por mais professores da UFAM, bem como de outras instituições do país, como da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES) e do Instituto Federal Catarinense, além dos alunos.
“Como professor, acompanho diariamente as dificuldades e esforços que muitos alunos de baixa ou média renda fazem para se manter o máximo de tempo possível dentro da universidade de modo a ter acesso a recursos, como computador, internet de qualidade, livros, ou um ambiente de estudo mais adequado do que em casa”, conta. “A realidade mostra que esses recursos não estão disponíveis para todos os alunos fora da universidade”, acrescenta. A situação é a mesma para estudantes do Ensino Médio que prestarão o Enem e suas escolas.
O modelo de educação a distância, imposto pela crise da Covid-19, se não tiver um formato efetivo que alcance a todos os alunos e que conte com ferramentas para interação, discussão de dúvidas, disponibilização de material didático e acompanhamento do aprendizado, pode gerar um impacto negativo na formação dos estudantes, conforme detalha o docente.
“A pandemia pegou todos de surpresa. A maioria das instituições não estavam preparadas para operar o modelo de educação a distância, EAD. Sabemos por experiência própria que preparar um curso EAD leva muito tempo e trabalho extra”, explica Colonna. “Não podemos ser ingênuos e pensar que a educação a distância de qualidade se faz simplesmente gravando videoaulas com uma câmera web”, completa o professor da UFAM.
Na visão do docente, o acesso aberto pelas operadoras de telefonia móvel aos portais educativos corrigiria ao menos parte desse problema. “Ainda estaríamos longe de ter um cenário ideal, mas conseguiríamos uma solução de meio termo, entre o ‘ideal’ e ‘o possível’ neste momento. Lembrando que a educação é um direito assegurado pela Constituição Federal Brasileira, portanto um dever do Estado, e, no contexto atual, uma urgência!”, finaliza.
O outro lado
A Change.org entrou em contato com o Ministério da Educação (MEC), com a Anatel e com as principais operadoras de telefonia móvel do Brasil para saber se algum plano está sendo elaborado para atender a demanda dos estudantes que não têm acesso à internet na pandemia.
Em relação à realização das provas do Enem, a assessoria de imprensa do MEC informou que as datas serão mantidas. Sobre a preocupação com o ensino dos alunos sem acesso à internet e a sugestão de um acordo com a Anatel e as operadoras, a assessoria disse que “não há nenhum estudo” sobre o assunto, ressaltando a criação de um Comitê Operativo de Emergência (COE), que adotou medidas para mitigar os efeitos do coronavírus na área da educação. Nenhuma ação do COE, entretanto, contempla o problema da conectividade.
“A aplicação da prova sem adiamento possivelmente irá beneficiar somente alguns alunos que pertencem a uma classe privilegiada. Penso que a prova deve ser adiada até que todos os alunos tenham pelo menos recuperado as aulas”, opina o professor Colonna, acrescentando também que não adianta apenas postergar o exame sem que os alunos tenham tempo suficiente para se recuperarem e reporem o conteúdo que não foi ministrado. Segundo ele, o acesso gratuito aos portais educacionais contribuiria para esse preparo.
A Anatel enviou uma nota dizendo que “já há várias iniciativas, entre as prestadoras, de gratuidade de acesso para aplicações de governo, como os necessários para informações de saúde e de acesso a benefícios sociais. Embora, até o momento, não tenham sido anunciadas iniciativas de acesso a conteúdos educacionais, a Anatel entende a importância deste tipo de iniciativa, que deve ser negociada entre prestadoras e os diferentes atores envolvidos no processo nas esferas municipal, estadual e federal”, diz trecho do comunicado.
A Vivo informou que a Fundação Telefônica Vivo reforçou o acesso a suas plataformas digitais de educação de forma gratuita, com conteúdos para professores, pais e alunos interessados em complementar a grade curricular. Além disso, comunicou a realização de uma parceria entre a Vivo Empresas e a Universidade Nove de Julho (Uninove) para distribuição gratuita de internet móvel com franquia de 5GB por mês aos alunos dos cursos presenciais e professores da instituição, cujas regras de utilização fazem parte de um termo específico.
Sobre disponibilizar acesso gratuito aos portais educativos, tanto a Vivo quanto a Tim e a Oi repassaram a demanda ao Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil). A Claro não respondeu até o fechamento desta matéria.
“Para viabilizar o ensino a distância, as empresas vêm fechando parcerias com governos estaduais e municipais, oferecendo internet patrocinada a um preço de custo por mega trafegado, possibilitando que alunos acessem os conteúdos pedagógicos disponibilizados pelas instituições de ensino”, informa nota enviada pelo SindiTelebrasil.
“O setor [de telecomunicações] demanda elevados investimentos e custos operacionais para a adequada operação, manutenção e prestação dos serviços e, qualquer medida impositiva, sem análise criteriosa, técnica e alinhada, pode causar um impacto para a continuidade dos serviços. Entendemos que uma solução mais perene e abrangente deva envolver uma ação coordenada de política pública, considerando a utilização de recursos de fundos setoriais de telecomunicações”, conclui o comunicado do sindicato.
#Envolverde