ODS4

ENEM registra queda de mais de 50% nas inscrições de estudantes negros e indígenas em 2021

Por Marta Mamédio, do Cimi Regional Leste – 

O dado foi levantado pelo Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (SEMESP), conforme matéria divulgada pela Globo News

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que acontece nos dois últimos domingos deste mês – 21 e 28 de novembro – registrou uma queda de mais de 50% nas inscrições de estudantes negros e indígenas em 2021, com a menor proporção de participação desse público na última década, segundo a pesquisa do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (SEMESP), divulgada pela Globo News.

O Enem 2021 teve uma queda significativa nas inscrições e, desta vez, contará também com uma menor participação de estudantes com isenção de taxas. Esse dado é o retrato da restrição do pedido de isenção a candidatos que não compareceram à prova na última edição, ignorando o fato do Exame ter acontecido ainda em pandemia, momento que muitos estudantes ficaram limitados por deslocamento ou não-acesso a meios digitais, além de toda a apreensão frente à Covid-19.

Segundo os dados, com quase 2,8 milhões de pessoas sem direito à inserção em 2021, este será o Enem com menor número de participações nos últimos 14 anos. Houveram quedas de -51,70% de candidatos pardos, -53,10% de participantes negros e -54,80% de indígenas. Esses dados revelam uma redução significativa, sendo as inscrições indígenas as mais afetadas, com mais de vinte mil estudantes indígenas que não concorrerão a uma vaga na universidade em 2022.

Fabrício Titiah, jovem indígena do povo Pataxó Hahahãe, estudante universitário da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), diz que “com base na minha perspectiva, enquanto jovem indígena, eu já cresci querendo entrar na universidade, mas os jovens da minha geração não tinham essa perspectiva para eles”.

 

“Com base na minha perspectiva, enquanto jovem indígena, eu já cresci querendo entrar na universidade, mas os jovens da minha geração não tinham essa perspectiva para eles”

 


Fabrício Titiah durante Encontro da Juventude Indígena de povos da Bahia. Foto: Marta Mamédio, estagiária do Cimi Regional Leste

 

“Não era uma realidade palpável. Pra mim sempre foi, porque tive contato com outras comunidades que o ensino superior já era mais discutido, na minha família já tinha alguns graduados, então era uma coisa possível, enquanto para a maioria dos jovens aqui não era. Mas nos últimos anos intensificou aqui na aldeia dos jovens falarem ‘eu posso entrar na universidade, eu posso e quero’. Mas agora estamos vivendo o contrário, estamos vivendo a elitização do ensino superior e isso já era um projeto do Bolsonaro, ele sempre falou que universidade não era espaço para todos, pra ele quem merece estar na universidade é elite brasileira, a galera rica e branca”, disse Fabrício.

 

“Agora estamos vivendo o contrário, estamos vivendo a elitização do ensino superior e isso já era um projeto do Bolsonaro, ele sempre falou que universidade não era espaço para todos”

 


I Fórum Nacional de Educação Superior Indígena e Quilombola, em outubro de 2021. Foto: @cimanfredini (instagram)

 

A entrada de indígenas na universidade é um processo recente no Brasil, que teve um avanço com o direito conquistado através da Lei de Cotas (Lei 12.711) em 2012, que prevê a reserva de vagas para indígenas nas instituições de ensino superior. No entanto, muitos ainda são os desafios para a entrada na universidade, bem como para a permanência estudantil indígena, que encontram limites nas políticas públicas de assistência ao estudante, no método de ensino padronizado, como em todo o racismo que os mesmos enfrentam na academia.

Em 2017, o Censo de Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) comemorava o aumento de nove vezes mais ingressos universitários indígenas dos últimos sete anos, o que corresponde a 0,68% do total de graduandos daquele ano. Com vários anos consecutivos de avanços nessa temática, nos deparamos com essa queda assustadora de inscrições em 2021, fruto, possivelmente, dos limites nas inserções de taxa, dos impactos da Covid-19, do não acesso à internet e instrumentos de comunicação, na intensa falta de investimento na educação indígena durante a pandemia e do aumento dos conflitos nos territórios indígenas.

Esses números retratam a intensificação das desigualdades sociais no Brasil e a tentativa de dar seguimento a elitização do ensino superior. Quando o governo Bolsonaro afirma, durante sua viagem em Dubai, sobre o Enem que “agora começa ter cara do Governo”, não é só as questões do Exame que terá a cara do governo, mas a tentativa é que a entrada na universidade também tenha essa cara, que é branca, elitista e racista.

 

*Estagiária do Cimi Regional Leste, sob supervisão de Marina Oliveira da ASCOM/Cimi

 

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