Sociedade

Entrevista com a presidente do Comitê do Rio Doce, Lucinha Teixeira

Por Olga Bardawil – Repórter da Agência Brasil

Agência Brasil: O que o CBH-Doce vai trazer para o Fórum Mundial da Água?

Lucinha Teixeira: Vamos apresentar um relato sobre a situação da Bacia do Rio Doce, antes do rompimento da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, além dos resultados já alcançados com os programas e projetos executados pelos Comitês, para melhoria da qualidade e da quantidade de água. Entre as nossas ações, destacamos a elaboração de Planos Municipais de Saneamento Básico para 165 municípios da bacia, por meio do Programa de Universalização do Saneamento, desenvolvido pelos CBHs do Rio Doce, com o apoio da agência de água da Bacia do Rio Doce, o Ibio [Instituto BioAtlântica]. Investimos mais de R$ 20 milhões na contratação de empresas especializadas na construção dos PMSBs [Planos Municipais de Saneamento Básico] e, com isso, auxiliamos municípios – que não possuíam recursos e nem corpo técnico para elaboração dos planos – a avançar no que diz respeito ao saneamento básico, um dos principais problemas ambientais da bacia.

Agência Brasil: Na prática, quais são os resultados?

Lucinha Teixeira: No Espírito Santo, em uma junção de esforços com o estado, o Ibio e a iniciativa privada, está em fase de finalização a elaboração de projetos de adequação ambiental e do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de 600 propriedades rurais. Os produtores participantes, a partir da doação de insumos, ficam responsáveis pelas intervenções, como cercamento de olhos d’água [locais onde o lençol freático aflora e a água aparece na superfície] e reflorestamento de áreas de recarga [onde a água se infiltra no solo para reabastecer o lençol freático] e, depois, recebem pelo Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).

Além disso, está em fase inicial de implementação o Rio Vivo, conjunto de ações ambientais com foco no incremento da disponibilidade hídrica, promoção do saneamento rural e diminuição da geração de sedimentos. O Rio Vivo já em execução nas bacias dos rios Piranga, Piracicaba/MG, Santo Antônio e Suaçuí e será estendido a toda a Bacia do Rio Doce, com previsão de investimentos de R$ 100 milhões até 2020.

Agência Brasil: O desastre ambiental de Mariana teve um impacto muito grande. Como tem sido a recuperação e em que medida esse trabalho terá repercussões em outros locais que passaram ou correm o risco de passar pelo mesmo problema? Qual é o papel do CBH-Doce nesse contexto?

Lucinha Teixeira: Os Comitês de Bacias Hidrográficas – entre eles o CBH-Doce – são órgãos de Estado, criados por decreto federal do presidente da República, nos quais estão inseridos a sociedade civil, o poder público e os usuários que têm atuação e/ou moram na bacia.

Os CBHs fazem parte do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, ao qual também pertencem o Ministério do Meio Ambiente, a Agência Nacional de Águas, etc. Temos buscado fortalecer a participação do CBH-Doce e dos demais comitês de bacias hidrográficas com atuação na bacia do rio Doce no processo de recuperação, trazendo para o debate com os comitês as discussões tratadas no âmbito da governança estabelecida por acordo entre empresas e governo federal e estadual – o Comitê Interfederativo (CIF). Embora o CBH-Doce faça parte do CIF, existem outros 11 comitês de bacias de rios afluentes ao Rio Doce atuando de forma integrada na promoção de ações que melhorem a quantidade e qualidade de águas.

Agência Brasil: Em que a atuação do CBH-Doce, e especialmente os trabalhos de recuperação da área atingida perlo desastre de Mariana, podem servir para outros países e o próprio Brasil?

Lucinha Teixeira: A Bacia do Rio Doce, que antes desse desastre já apresentava situação ambiental preocupante, necessita de investimentos de bilhões de reais para resultados expressivos no que diz respeito à questão hídrica e a melhorias do meio ambiente, de maneira ampla. Apesar de insuficientes, os recursos da cobrança pelo uso da água já nos permitem fazer um trabalho com resultados cada vez melhores, focados no incremento hídrico, na promoção do saneamento rural e urbano, no incentivo ao uso racional da água, entre outros. Acredito que o trabalho dos comitês de bacia no Rio Doce pode ser mostrado como um caso de sucesso na medida em que, mesmo em um território altamente degradado, com casos de conflito pelo uso da água e com recursos limitados, bons resultados têm se apresentado, diante da aplicação eficiente dos recursos e da gestão democrática e participativa das águas.

Agência Brasil: Os esforços em prol do meio ambiente acabam esbarrando em descuidos que por sua vez vão dar em novos desastres como esse da ruptura do mineroduto da empresa britânica Anglo American, ocorrida no último dia 12. Como um Comitê de Bacia Hidrografica lida com isso?

Lucinha Teixeira: Os Comitês da Bacia Hidrográfica do Rio Doce estão cumprindo seu papel de interlocutor entre a comunidade e os entes fiscalizadores, reguladores e de gestão. Estamos em contato direto com a Copasa, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), o Ministério Público, a mineradora Anglo American e demais órgãos ambientais que estão atuando na região. E reiteramos a necessidade da junção de esforços para que as comunidades impactadas sejam devidamente atendidas, com o restabelecimento do abastecimento humano e reparação dos danos ambientais resultantes do despejo de minério.

Agência Brasil: Quais as suas expectativas para o Fórum?

Lucinha Teixeira: O Fórum nos trará a oportunidade de compartilhar experiências e conhecer soluções alternativas já em execução em outras partes do planeta, além de motivar discussões no âmbito regional, para que a comunidade se conscientize de que, apesar de possuir uma das maiores reservas de água doce do mundo, o Brasil também sofre, em diversas partes do território, com questões de disponibilidade hídrica e conflitos pelo uso da água. Fonte: AgBr (#Envolverde)