Karachi, Paquistão, 23/1/2015 – Um mês depois do atentado mais letal do extremista movimento Talibã no Paquistão, alguns se cansaram das manifestações de protesto e começaram a difícil tarefa de construir alternativas comunitárias ao terrorismo. O ataque do dia 16 de dezembro em uma escola de Peshawar, capital da província de Jyber Pajtunjwa, matou 141 pessoas, entre elas 132 crianças.
Em lugar de somar-se ao coro que exige penas severas para os atacantes, a independente Fundação dos Cidadãos (TCF) reagiu de maneira muito diferente e se comprometeu a construir 141 escolas para a paz, com os nomes de cada pessoa que perdeu sua vida nesse dia.
“Dedicamos esse esforço às crianças do Paquistão, ao seu direito à educação e aos seus sonhos de um futuro de paz”, afirmou Syed Ahmad Asaad Ayub, diretor dessa organização sem fins lucrativos, em mensagem por e-mail que deu início à campanha de construção. “Com os enormes desafios que a nação enfrenta, acreditamos com fervor que só a educação tem o poder de iluminar as mentes, inculcar a cidadania e desencadear o potencial de cada paquistanês”, destacou.
Em sua guerra contra a educação ocidental e laica, que para o grupo é “anti-islâmica”, o Talibã paquistanês destruiu mais de 838 escolas entre 2009 e 2012, assumiu a responsabilidade do tiroteio quase fatal contra a ativista Malala Yousafzai, ganhadora do prêmio Nobel da Paz em 2014, e emitiu numerosos decretos contra o direito à educação de mulheres e meninas.
No atentado contra a escola em dezembro, nove homens armados lançaram granadas de mão contra o prédio e dispararam contra tudo o que se movia, durante oito horas. O Talibã reivindicou o atentado dizendo era uma resposta à operação militar em curso que busca expulsar o grupo radical do Waziristão do Norte, uma região tribal fronteiriça com o Afeganistão.
Enquanto os grupos armados e as forças militares respondem à violência com mais violência, a TCF quer afastar o foco do derramamento de sangue e se centrar em soluções de longo prazo para o futuro desse país profundamente problemático. Essa organização humanitária, fundada em 1995, construiu mil “unidades” escolares, que consistem em instituições primárias ou secundárias com capacidade máxima para 180 alunos, nas áreas mais empobrecidas de aproximadamente cem povoados e cidades em todo o Paquistão.
Os 7.700 professores empregados pela TCF, com a mesma proporção de homens e mulheres, passam por um rigoroso programa de formação e dão aulas gratuitamente para 145 mil estudantes, segundo o vice-presidente da fundação, Zia Akhter Abbas.
Nesse país de 196 milhões de habitantes, onde mais de 25 milhões de crianças em idade escolar não recebem nenhum tipo de ensino formal, e, dessas, 13,7 milhões (55%) são meninas, os especialistas dizem que a iniciativa da TCF poderia ser fundamental nos próximos anos, sobretudo considerando que o Estado só investe 2,1% de seu produto interno bruto na educação.
“Nosso trabalho é assegurar que onde quer que estejam nossas escolas não haja crianças fora das salas de aula, especialmente as meninas. Acreditamos que a mudança na sociedade virá automaticamente, uma vez que essas crianças educadas se convertam em adultos responsáveis”, destacou Abbas à IPS. “As escolas estão projetadas para “servirem como um facho de luz que limite o avanço do extremismo em nossa sociedade”, acrescentou.
O projeto recebeu apoio de um amplo espectro da sociedade paquistanesa. As Escolas para a Paz são uma “maravilhosa maneira de honrar as vítimas inocentes”, disse Usman Riaz, de 24 anos e aluno da universidade norte-americana de música Berklee College of Music, que recentemente doou os ganhos com seus concertos em Karachi à TCF.
Mas as ajudas não bastam para converter o plano em realidade. Construir e equipar cada escola custa em torno de US$ 148 mil, o que leva o custo das 141 projetadas para US$ 21 milhões. Mas construindo entre 40 e 50 escolas por ano, a TCF prevê que poderá cumprir sua promessa no prazo de três anos.
Tirar o foco do extremismo para se centrar na educação ajudará a combater o extremismo religioso, segundo especialistas. O destacado educador e ativista A. H. Nayyar pontuou à IPS que é fundamental que o país comece a educar as meninas e os meninos que, de outro modo, se converterão em “carne de canhão para os extremistas”.
De fato, parte do Plano de Ação Nacional do governo, cujos 20 pontos foram acordados por todos os partidos políticos para erradicar o terrorismo, inclui registro e regulamentação dos seminários religiosos, conhecidos no Paquistão com madrasas, a fim de combater o extremismo em sua raiz.
Como surgiram milhares dessas instituições religiosas em todo o país para preencher o vazio educacional, preocupa as autoridades políticas o fato de meninos e meninas serem doutrinados em uma idade precoce, com interpretações distorcidas de textos religiosos e o ensino da intolerância, que tem um papel importante nessas escolas. Algumas fontes dizem que há entre dois e três milhões de estudantes matriculados nas quase 20 mil madrasas espalhadas pelo Paquistão, mas outros asseguram que esse é um cálculo conservador.
Embora alguns falem em incorporar essas instituições ao sistema das escolas públicas, especialistas como Nayyar acreditam que isso não combaterá o “ensino forçado da história falsificada e distorcida, a excessiva ênfase dada nos ensinamentos islâmicos, o ensino explícito da jihad e de combate armado, os textos que fomentam o ódio contra outros países e povos de outras religiões, etc., e a glorificação excessiva dos militares e das guerras.
Nayyar e outros estudiosos independentes pedem a modificação do plano de estudos da escola pública no país. Mas até que as autoridades não se considerem parte da questão, os esforços independentes, como a obra da TCF, mostrarão o caminho. Envolverde/IPS