Sociedade

Europa oriental e Ásia central com menos fundos contra o HIV/aids

Jovem sentado à frente de um abrigo que oferece, com apoio do Unicef, alimento, alojamento, ensina a ler e a escrever e informa sobre HIV/aids a meninos e meninas em situação de rua em Odessa, na Ucrânia. As relações sexuais sem proteção e o consumo de drogas injetáveis fazem dos adolescentes que estão na rua um dos maiores grupos de risco de contágio pelo vírus. Foto: G. Pirozzi/Unicef
Jovem sentado à frente de um abrigo que oferece, com apoio do Unicef, alimento, alojamento, ensina a ler e a escrever e informa sobre HIV/aids a meninos e meninas em situação de rua em Odessa, na Ucrânia. As relações sexuais sem proteção e o consumo de drogas injetáveis fazem dos adolescentes que estão na rua um dos maiores grupos de risco de contágio pelo vírus. Foto: G. Pirozzi/Unicef

 

Kiev, Ucrânia, 11/12/2014 – Organizações da sociedade civil da Europa oriental e da Ásia central alertam para a “tragédia” que a região poderia viver com a redução dos fundos internacionais para os programas de luta contra o HIV/aids e a tuberculose. Essa é a única parte do mundo onde se expande a epidemia do vírus HIV, causador da aids, e a mais afetada pela propagação da tuberculose resistente.

Durante anos, os programas para reverter a situação em muitos países tinham uma forte, ou mesmo exclusiva, dependência dos recursos do Fundo Mundial de Luta Contra a Aids, a Tuberculose e a Malária. Mas em 2014 o Fundo Mundial se baseia em um novo modelo de financiamento sujeito à renda nacional, segundo o qual já foram reduzidos os fundos em muitos países da região ou o serão em breve. Aparentemente, os mais afetados serão os serviços essenciais contra o HIV/aids e a tuberculose, com os riscos que isso implica.

“Isso poderia derivar em uma tragédia porque os governos ainda não estão preparados para assumirem a responsabilidade de enfrentar a epidemia de HIV/aids”, alertou Viktoria Lintsova, da Rede Euroasiática de Pessoas que Usam Drogas (Enpud). “Gostaria que as autoridades compreendessem que não se trata apenas de estatísticas epidemiológicas, mas que há vidas em perigo, bem como a saúde”, advertiu. Também preocupa os recursos para o tratamento dos pacientes, bem como os serviços de prevenção nas comunidades em risco e marginalizadas.

O uso de drogas injetáveis é o principal fator da epidemia de HIV/aids, embora também se propague cada vez mais entre homens que têm relações sexuais com homens e entre trabalhadoras e trabalhadores sexuais, que são setores muito marginalizados por políticas e atitudes sociais em relação às mulheres e aos homossexuais.

A tuberculose, um grave problema de saúde na região, está estreitamente relacionada com a epidemia de HIV/aids, porque a taxa de reinfecção costuma ser alta. Os serviços de prevenção e redução de dano para comunidades marginalizadas estão a cargo de organizações da sociedade civil, que praticamente dependem exclusivamente dos fundos internacionais.

Sveta McGill, responsável de saúde da organização Results UK, destacou à IPS que a retirada do Fundo Mundial poderia fazer desaparecer muitas pessoas doentes do radar do sistema de saúde. “Não costumam se sentir cômodos indo a instituições médicas estatais, e fechar esses centros significaria que menos pessoas seriam enviadas às instituições médicas”, acrescentou.

Os críticos afirmam que o aumento nas infecções por HIV/aids na Romênia nos últimos anos é um sinal do que poderia ocorrer em outros países da região. O Fundo Mundial cortou os fundos para esse país em 2010. Segundo dados oficiais, houve desde então um acentuado aumento das infecções de HIV entre consumidores de drogas. Em 2013, cerca de 30% das novas infecções se relacionavam com consumidores de drogas injetáveis, bem acima dos 3% registrados três anos antes.

No contexto do Novo Modelo de Financiamento do Fundo Mundial, o maior desafio é a redução de fundos para os países de renda média. Muitas nações da Europa oriental e Ásia central agora são consideradas de renda média.

Os críticos afirmam que embora o objetivo da organização de priorizar o uso finito de recursos seja compreensível, o indicador da renda nacional nem sempre reflete de forma adequada a capacidade das pessoas de terem acesso aos serviços de saúde, nem se o país tem os fundos necessários para oferecer uma resposta adequada às enfermidades. Também consideram ingênua a ideia de que, como o Fundo Mundial quer, os governos automaticamente cobrirão a falta de fundos deixada pelos cortes econômicos da instituição.

O Fundo Mundial reduzirá sua contribuição para a luta contra o HIV na Ucrânia em mais de 50%, entre 2014 e 2015, segundo um informe da Open Society Foundations. Isso inclui reduções de 37% para consumidores de drogas, 24% para trabalhadoras sexuais e 50% para homens que mantêm sexo com homens. E o orçamento nacional para a prevenção do HIV/aids caiu 71% em 2014 devido ao conflito que esse país vive.

Além disso, uma participação maior do governo na compra de remédios poderia levar as autoridades a tentarem economizar comprando grandes quantidades de medicamentos mais baratos e de pior qualidade contra a tuberculose. E mais: a legislação local faz com que as licitações sejam mais longas e difíceis. Na verdade, alguns especialistas anteciparam que poderia faltar medicamentos essenciais.

Não está claro como os governos vão lidar com a redução de recursos do Fundo Mundial. A transição, embora amplamente anunciada, não está isenta de problemas. Muitos, inclusive, não têm claro quando efetivamente o Fundo Mundial se retirará, porque não há um cronograma claro. E os países têm problemas particulares. Na Ucrânia, em especial, os fundos contra a tuberculose sofreram o impacto do conflito militar, de uma atribulada economia e da flutuação da moeda.

Esses temores crescentes fizeram com que 24 destacadas organizações da região enviassem, no final do mês passado, uma carta ao Fundo, expressando sua “séria preocupação” pela destinação de fundos na região e chamando-o para trabalharem junto com as instituições locais e as comunidades afetadas. Especificamente, lhe pediram para analisar cada país de forma individual, em lugar de adotar “um modelo único para todos”.

O Fundo Mundial não atendeu as consultas feitas pela IPS. Envolverde/IPS