Finanças sustentáveis e precificação de carbono: o que o coronavírus pode ensinar aos mercados de carbono?
Por Luan Santos1 e Laura Albuquerque2 , ClimaInfo – A pandemia do coronavírus (COVID-19) reavivou desagradáveis lembranças da crise financeira global de 2008, trazendo projeções de recessão, queda nos mercados financeiros, desaquecimento da demanda e dificuldades nas cadeias de suprimento globais.
Por Luan Santos
1
e Laura Albuquerque
2
, ClimaInfo –
A pandemia do coronavírus (COVID-19) reavivou desagradáveis lembranças da crise financeira global de 2008, trazendo projeções de recessão, queda nos mercados financeiros, desaquecimento da demanda e dificuldades nas cadeias de suprimento globais. Tal cenário econômico gera o aumento da incerteza e leva as empresas a postergarem decisões de investimentos, o que, por sua vez, tem impacto sobre o emprego e a renda
Visando mitigar os impactos econômicos, diversos governos estão realizando maciços investimentos em suas economias. Por exemplo, o Banco Central dos EUA, o Federal Reserve (Fed), aprovou um pacote de estímulo de US$ 2 trilhões, incluindo um fundo de US$ 500 bilhões em ajuda a indústrias afetadas com empréstimos 3 . A França lançou um pacote de € 45 bilhões com garantias de empréstimos de € 300 bilhões 4 . O Banco Popular da China liberou ¥ 550 bilhões, equivalente a US$ 79 bilhões de dólares. Além disso, o Banco Central Europeu está disponibilizando até € 3 trilhões, o Banco Mundial aumentou sua resposta para US$ 12 bilhões, enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem US$ 50 bilhões disponíveis para os países mais pobres 5 .
Verifica-se, no entanto, que a redução das atividades produtivas e do comércio, bem como o fechamento de diversas usinas de combustíveis fósseis, pode sugerir benefícios em termos de emissões de gases de efeito estufa (GEE). O Observatório Earth da NASA 6 divulgou recentemente imagens de satélite da China destacando a dramática redução na poluição, em particular no dióxido de nitrogênio (NO 2 ), nos meses de janeiro e fevereiro deste ano em comparação ao ano passado. Relatório publicado pelo Carbon Brief 7 mostrou que as emissões na China caíram pelo menos 25% em fevereiro, em comparação com o mesmo período de 2019. Os satélites da NASA e da Agência Espacial Europeia detectaram grandes quedas nas concentrações de poluição do ar, não apenas na China, mas também na Itália 8 e em outros países da Europa, já que milhões de pessoas se encontram em quarentena com o objetivo de retardar a disseminação do vírus.
No contexto da redução das atividades econômicas e das demandas por diversos bens e serviços, verifica-se também uma significativa queda nos preços do carbono em muitos mercados pelo mundo. De acordo com dados do Banco Mundial, atualmente existem 27 iniciativas de mercado de carbono implementadas, cobrindo 5 GtCO 2 e, o que representa 9,8% das emissões globais de GEE 9 . Esta queda nos preços do carbono vem impactando mercados voluntários também, como o da Califórnia, que fechou o mês US$ 16 10 , queda de aproximada de 8,3% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Além disso, vem gerando um excesso de oferta de certificados de redução de emissões (EUA, European Union Allowance), o que impacta diretamente a eficiência do mecanismo de mercado, que deixa de cumprir seu papel de reduzir as emissões ao menor custo para a sociedade. A Figura 1 a seguir traz a variação dos preços dos certificados transacionáveis (EUA) no mercado europeu de carbono (EU ETS, European Union Emission Trading System), ao longo do período de março de 2019 a março de 2020 (a), bem como a variação dos preços apenas no mês de março de 2020 (b).
Figura 1. Preço dos EUA, em euros, no EU ETS
Fonte: Elaboração própria com base em Quandl
(a)
(b)
Conforme Figura 1b, a redução do preço nos EUA no início de março até o dia 23 daquele mês foi de 34,23%. As incertezas e a instabilidade deste mercado podem ainda minar os planos de eliminação gradual do consumo de energias fósseis, particularmente do carvão na Europa, um risco que a crise climática não permite. Além disso, é possível que ocorra uma redução das receitas provenientes dos leilões deste mercado, podendo ainda desacelerar os investimentos de baixo carbono. Por exemplo, em um sinal de queda na demanda, a bolsa europeia de energia (EEX, European Energy Exchange ) cancelou um leilão de 3,1 milhões de licenças de carbono europeias. Ainda, alguns traders temiam que um leilão no Reino Unido de 5,7 milhões de licenças pudesse fracassar, mas o acordo foi de 16,11 euros por tonelada 11 . Isso foi menor do que outros resultados recentes de leilões acima de 20 euros.
Portanto, para evitar o atraso da descarbonização é fundamental que haja propostas para a estabilização do sistema de preços do carbono nos países e regiões que têm mercados de carbono em funcionamento. Particularmente olhando para EU ETS, cuja eficiência e sobrevivência foi colocada em xeque durante a crise financeira de 2008, é fundamental que esta preocupação esteja no topo da agenda da Comissão Europeia no durante e pós-COVID-19. Assim, como forma de conter a volatilidade dos preços, propõe-se que sejam consideradas faixas de preços, particularmente limites inferiores de preço de carbono, que garantirão a sobrevivência do EU ETS à fase IV (2021-2030). Propõe-se também o cancelamento do aumento da oferta de certificados em face da recente queda nos preços das EUA, conforme já realizado pela EEX. Além disso, propõe-se uma ação urgente da Comissão Europeia para antecipar a revisão da diretiva do EU ETS, prevista para junho de 2021, de forma a garantir o alcance das metas climáticas e o Acordo de Paris diante da crise econômica.
Há sérias preocupações quanto a crise econômica instaurada pela pandemia ter tirado os olhos dos políticos e dos governos da crise climática, bem como dos diversos instrumentos das finanças sustentáveis desenhados para enfrentá-la, tais como precificação de carbono e títulos verdes ( green bonds ). Ao se analisar os momentos de crise econômica na história, pode-se verificar que a queda nas emissões são temporárias, já que elas se recuperam previsivelmente quando as economias começam a se reaquecer, com o ressurgimento da atividade industrial, viagens e consumo mais do que compensando quaisquer benefícios de curta duração para o clima.
Dessa forma, propõe-se ainda que os pacotes de resgate econômico para lidar com o impacto do coronavírus também devem ter um viés ecológico. Os governos precisam e estão investindo muitos recursos na tentativa de sustentar a economia, a renda e os empregos. Decisões estão sendo tomadas sobre a possibilidade de gastar trilhões resgatando companhias aéreas, a indústria de petróleo e gás, entre outros setores fortemente impactos pela crise. Entretanto, embora a saúde das pessoas e o bem-estar imediato dos trabalhadores envolvidos na crise sejam de suma importância, se os pacotes de longo prazo não forem cuidadosamente projetados considerando os atuais riscos globais – como a mudança do clima –, pode-se reforçar a dependência de combustíveis fósseis na economia mundial, e a oportunidade do aprendizado terá sido nula. Propõe-se, logo, que os pacotes de recuperação econômica devam ser desenvolvidos com uma forte ênfase e preocupação com a agenda climática, exigindo dos beneficiários compromissos quantitativos com a redução das emissões, o que fortalece tanto a recuperação dos mercados de carbono regulados quanto os voluntários. A ameaça das mudanças climáticas é tão real quanto a do COVID-19, mostra a ciência, embora para muitos pareça distante ou mesmo inexistente.
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