Por Sandra Greco*
Entre os dias 5 e 21 de agosto, os olhos do mundo se voltam para o Rio de Janeiro, cidade que sedia os Jogos Rio 2016. Se para muitas pessoas o momento é de celebração e união, com exemplos de superação entre os competidores, para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, os riscos de violações de direitos aumentam exponencialmente.
A história mostra e os dados comprovam que, apesar de movimentar a economia, a realização de grandes eventos no país amplia os casos de violência contra crianças e jovens. O estudo “Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro (2015)”, produzido pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, é um dos mais bem documentados exemplos. Entre as principais violações dos direitos da criança e do adolescente identificadas no levantamento estão: exploração sexual, trabalho infantil e o risco de crianças perdidas e desaparecidas.
No período de 2011 a 2014, o principal canal de denúncias da população disponibilizado pelo Governo Federal, o Disque 100, registrou 428.050 casos de violação de direitos de crianças e adolescentes. Só no ano de 2015, foram 80.437, cujas principais vítimas foram meninas (54%) e na faixa etária de quatro a 11 anos (40%).
Durante a realização da Copa do Mundo, em 2014, a Secretaria de Direitos Humanos divulgou balanço no qual apontou um aumento de 17% nos casos de denúncias a violações dos direitos de crianças e adolescentes, se comparado ao mesmo período do ano anterior. Porém, as estatísticas apresentadas são apenas a ponta do iceberg, pois referem-se apenas a casos registrados, uma fração do que realmente ocorre. O preconceito e a falta de consciência sobre a configuração de uma violação fazem com que muitos casos sejam ignorados.
O risco de exploração sexual é uma das situações em que as violações são cobertas pelo manto da invisibilidade. Segundo o estudo “Documentando a violação de direitos de crianças e adolescentes no contexto da Copa do Mundo de 2014 no Brasil (2015)”, desenvolvido pela Universidade de Dundee, em parceria com a PUC Rio, e publicado no dossiê, meninas pobres em situação de vulnerabilidade, entre 9 a 17 anos, se encontram particularmente em risco de exploração sexual e assédio. Um agravante, que dificulta as denúncias, é o fato de meninas e meninos explorados sexualmente não serem sequer percebidos como vítimas – pelo contrário, em alguns casos, a culpa pelo abuso recai sobre as próprias vítimas.
Diante do cenário desafiador, as soluções são tão complexas quanto as suas causas. Porém, a prática social mostra que o fortalecimento familiar e comunitário é uma das soluções para prevenir o aumento da violência em localidades mais vulneráveis. Ao estreitar vínculos familiares, promove-se junto a pais, mães, organizações de base – o rico capital humano comunitário, enfim – o cuidado e a segurança de crianças que poderiam ser vítimas de abusos durante a movimentação que ocorre em cidades como o Rio de Janeiro, na ocasião de megaeventos esportivos.
O caso do trabalho infantil é o mais explícito e, mesmo assim, o mais invisível. No imaginário comum, até é aceito que crianças ajudem adultos a vender bebidas e produtos para torcedores, que muitas vezes ignoram que lugar de criança é na infância. Mas, não se trata de culpabilizar os pais ou quem compra, mas oferecer processos e programas que ampliem a empregabilidade de quem cuida e promover, por meio de ações educativas, esportivas e culturais o pleno desenvolvimento da criança, para um futuro autônomo e socialmente saudável.
* Sandra Greco é gestora nacional da Aldeias Infantis SOS Brasil.