ODS 16

Garimpo ilegal ameaça a floresta e os povos indígenas na Amazônia

Garimpo na terra indígena Sawré Muybu. Foto: ©Greenpeace/Fábio Nascimento
Garimpo na terra indígena Sawré Muybu. Foto: ©Greenpeace/Fábio Nascimento

Por Mario Osava – da IPS

RIO DE JANEIRO (IPS) – O garimpo artesanal, ou “garimpo”, como é conhecido no Brasil, voltou às manchetes como fator de morte do povo indígena Yanomami, cujo território no extremo norte do Brasil sofre invasão constante dos mineradores, que se intensificou nos últimos anos.

Nos primeiros dias do ano, porta-vozes Yanomami denunciaram novas invasões às suas terras e a suspensão dos serviços de saúde, além da violência cometida por garimpeiros ou “garimpeiros”, que coincidiu com a retirada dos militares das áreas onde estavam. protegendo.

Além disso, a mídia publicou novas fotos de crianças extremamente desnutridas. Em resposta, o governo prometeu estabelecer postos permanentes de assistência e proteção à saúde no território indígena.

Marabá/PA. A Polícia Federal e o ICMBio realizaram, na última quarta-feira (17/1), uma operação conjunta para combater o garimpo ilegal que ameaçava as linhas de transmissão de energia elétrica nos municípios de Parauapebas e Curionópolis. Durante a ação, que contou com o apoio do Batalhão de Polícia Ambiental e do 23º Batalhão de Polícia Militar de Parauapebas, foram apreendidos e inutilizados equipamentos utilizados na atividade ilícita, além de sete pessoas serem presas em flagrante por crimes ambientais. foto Policia Federal

“Mas o que eles fazem lá não é o garimpo, mas sim práticas de mineração ilegais e desumanas”, disse Gilson Camboim, presidente da Cooperativa de Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto (Coogavepe) , que defende a atividade como ambiental e socialmente sustentável quando bem realizada.

“Garimpo é uma mineração reconhecida pela constituição brasileira, com legislação própria, que paga impostos, é praticada com licença ambiental e respeita as leis, emprega muitos trabalhadores, fortalece a economia e distribui renda”, disse à IPS por telefone da sede. de sua cooperativa em Peixoto de Azevedo, uma cidade de 33 mil habitantes no norte do estado de Mato Grosso.

A Coogavepe foi fundada em 2008 com 23 associados. Hoje conta com 7 mil associados e busca promover o garimpo legal e práticas ambientais, como a restauração de áreas degradadas pela mineração.

Mas é difícil salvar a reputação desta parte legal de uma actividade cujos danos são demonstrados por fotos de crianças emaciadas e de famílias dizimadas pela fome e pela malária, porque a invasão dos mineiros polui rios, mata peixes e introduz doenças que atingem os povos indígenas. vulneráveis ​​porque não desenvolveram defesas imunológicas.

Garimpeiros e mortes indígenas

A tragédia humanitária entre o povo Yanomami virou notícia em janeiro de 2023, quando o Sumaúma , meio de comunicação online amazônico, denunciou a morte de 570 crianças menores de cinco anos, por desnutrição e doenças evitáveis, durante o governo de extrema direita do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).

Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse em 1º de janeiro de 2023, visitou o território Yanomami e mobilizou seu governo para cuidar dos doentes e expulsar os garimpeiros ilegais, destruindo seus equipamentos e acampamentos. Mas, um ano depois, foram relatados o reinício da actividade mineira e o ressurgimento da fome e das mortes.

Além disso, todo o sector extrativista tem uma péssima reputação devido às tragédias causadas pela mineração industrial. Duas barragens de rejeitos romperam no sudeste do estado de Minas Gerais em 2015 e 2019, matando 289 pessoas e turvando um rio de 853 quilômetros de extensão e um rio de 510 quilômetros de extensão.

O Brasil é o segundo maior produtor mundial de minério de ferro, depois da Austrália. O minério de ferro é o principal foco da mineração industrial no país.

A Garimpo dedica-se principalmente ao ouro e é responsável por 86 por cento da sua produção. Os garimpeiros também produzem cassiterita (mineral de onde é extraído o minério de estanho) e pedras preciosas, como esmeraldas e diamantes. Sua maior expansão, há muitas décadas, ocorreu ao longo dos rios da selva amazônica, em detrimento dos povos indígenas e das florestas tropicais.

Os povos indígenas protestam no estado de Roraima, no norte do Brasil, contra a invasão do território Yanomami por garimpeiros ou garimpeiros artesanais, que muitas vezes praticam ilegalmente. CRÉDITO: Alberto César Araújo/Amazônia Real

Ameaça ao meio ambiente e à saúde

Atualmente, 97,7% da área ocupada no Brasil pela mineração artesanal está na floresta amazônica, onde chega a 101,1 mil hectares, segundo o MapBiomas , projeto lançado por organizações não governamentais, universidades e empresas de tecnologia para monitorar os biomas brasileiros por meio de imagens de satélite e outras fontes de dados.

A produção de ouro utiliza mercúrio, que tem contaminado muitos rios amazônicos e grande parte de sua população ribeirinha, incluindo grupos indígenas, como o povo Munduruku, que vive na bacia do rio Tapajós, um dos grandes afluentes do Amazonas com extensão de 2.700 quilômetros.

A Garimpo despeja cerca de 150 toneladas de mercúrio na floresta amazônica brasileira todos os anos, estima o World Wildlife Fund (WWF). O temor é que a tragédia de Minamata, a cidade japonesa onde o mercúrio despejado por uma indústria química em meados do século XX matou cerca de 900 pessoas e causou danos neurológicos a dezenas de milhares, se repita aqui.

O Brasil produziu 94,6 toneladas de ouro em 2022, segundo a Agência Nacional de Mineração. Mas a forma como é extraído varia muito, baseada principalmente na mineração informal, da qual a mineração ilegal representa uma percentagem desconhecida.

Três preços regem essa produção, segundo Armin Mathis, professor do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará, que mora em Belém, capital deste estado amazônico, com 1,3 milhão de habitantes.

O preço do ouro no Brasil; o preço do diesel, que representa um terço do custo da mineração de ouro; e o custo da mão-de-obra são os três elementos que determinam se o negócio do garimpo é rentável, explicou à IPS desde Belém o alemão doutor em ciências políticas, que estuda esta actividade desde que chegou ao Brasil em 1987.

Essa mineração era de fato artesanal, mas começou a utilizar máquinas, principalmente a retroescavadeira, na década de 1980, razão pela qual o diesel aumentou seus custos. E o desemprego e os períodos de recessão económica, na década de 1980 e em 2015-2016, tornaram o garimpo mais atraente.

Nesses períodos e nos anos seguintes, as invasões do território Yanomami, que também se estende pelo estado do Amazonas, no sudoeste da Venezuela, tornaram-se mais massivas e agressivas. Mas as consequências para os povos nativos que vivem em vastas áreas da floresta tropical só se tornam notícia em algumas ocasiões, como agora.

Pequenos aviões apreendidos pela polícia e autoridades ambientais estavam a serviço de garimpeiros ilegais em Roraima, estado amazônico no extremo norte do Brasil. É aqui que vive a maior parte dos índios Yanomami, atualmente as principais vítimas da mineração ilegal e mecanizada. CRÉDITO: Polícia Federal

Do artesanal à mecanização

A mecanização reestruturou a atividade. As máquinas são caras e exigem financiadores. Surgiram empresários para gerir as operações hoje mais complexas, assim como outros que apenas possuem e alugam os equipamentos.

Além disso, os proprietários de pequenos aviões que abastecem as áreas de mineração e facilitam o comércio do ouro extraído tornaram-se mais poderosos. A hierarquia do negócio se expandiu.

“Temos que diferenciar o garimpo dos garimpeiros. Esta não é uma distinção retórica. O garimpeiro, que atua diretamente na extração de ouro, é mais vítima do que autor de garimpo ilegal, predatório e criminoso. O responsável mora longe e enriquece explorando trabalhadores em relações de trabalho análogas à escravidão”, observou Mauricio Torres, geógrafo e professor da Universidade Federal do Pará .

“O garimpeiro, retratado como criminoso pela mídia, paga pelos danos”, disse à IPS por telefone, de Belém.

Os trabalhadores reconhecem que são explorados, mas sentem-se parceiros do dono do garimpo, pois ganham uma porcentagem do ouro obtido. Eles trabalham duro porque quanto mais trabalham, mais ganham.

Grande parte dos garimpeiros do rio Tapajós, onde esse tipo de mineração é praticado desde meados do século passado, são na verdade camponeses sem terra que complementam sua renda no negócio do garimpo, quando a agricultura ou a pesca não fornecem o que eles precisam sustentar suas famílias, explicou Torres.

Portanto, a reforma agrária e outras iniciativas governamentais que ofereçam renda suficiente a esta população poderiam reduzir a pressão do garimpo sobre o meio ambiente na floresta amazônica, que afeta os povos indígenas e tradicionais da região, disse ele.

A situação dos garimpeiros também difere de acordo com as áreas onde atuam na selva amazônica, destacou Mathis. No rio Tapajós, onde a atividade ocorre há mais tempo e já é em grande parte legalizada, a convivência é melhor com os indígenas Munduruku, alguns dos quais também se tornaram garimpeiros.

Em Roraima, estado do extremo norte, na fronteira com a Venezuela e a Guiana, onde grande parte do território é composto por reservas indígenas, o garimpo ilegal é generalizado e inclui a invasão mais ou menos violenta das terras Yanomami.

Por outro lado, como a economia local depende do ouro, o apoio da população ao garimpo, mesmo às práticas ilegais e mais invasivas, é mais amplo do que em outros lugares. Lá, o ex-presidente Bolsonaro, apoiador do garimpo, obteve 76% dos votos no segundo turno das eleições de 2022, no qual foi derrotado por Lula.

Outro componente que agrava a violência em torno do garimpo e, portanto, a repressão à atividade, é a expansão do tráfico de drogas na floresta amazônica. A informalidade da indústria mineira tem facilitado a sua relação com o crime organizado, seja no tráfico de drogas ou na lavagem de dinheiro, disse Mathis, de Belém.