Sociedade

Governadores eleitos enfrentarão sérios entraves no saneamento com a MP 844

ABES alerta que a universalização dos serviços ficará cada vez mais distante. No Amazonas, cenário semelhante já ocorre, segundo estudo da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental.

Com o avanço da MP 844 no Congresso (a Medida Provisória de 06 de julho de 2018 que altera o Marco Legal do Saneamento teve seu relatório aprovado nesta quarta-feira pela Comissão Mista da Câmara), os governadores eleitos ou reeleitos no pleito de 2018 iniciarão seus mandatos em 2019 com um enorme problema: levar saneamento básico a centenas de municípios deficitários, tendo que aumentar a tarifa de água e esgoto. Isto é o que a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES, contrária à MP, vem alertando, desde o final de 2017, quando se iniciaram as conversações para a alteração do Marco Legal, e que agora se tornará uma dura realidade: “o sonho da universalização do saneamento no Brasil poderá ficar cada vez mais distante. E novamente os mais prejudicados serão os brasileiros mais pobres, que vivem sem acesso a água potável e esgoto tratado e sujeitos a contrair todo tipo de doenças”, adverte o presidente nacional da ABES, o engenheiro Roberval Tavares de Souza.

A ABES adverte que a proposta de revisão do Marco Legal do Saneamento do Ministério das Cidades pode desestruturar totalmente o setor no Brasil. A entidade vem colocando o tema em pauta desde novembro de 2017, quando participou de reunião com o Ministério das Cidades para discutir a revisão. A entidade já havia enviado ao então ministro das Cidades, Bruno Araújo, carta em que sugeria duas ações imediatas ao Ministério (leia aqui a íntegra da carta). E defendeu, no encontro em Brasília as propostas contidas no documento CONTRIBUIÇÕES DA ABES A MINUTA APRESENTADA PARA ALTERAÇÃO DA LEI 9.984/00 E LEI 11.445/07 (leia aqui).

Além do governo utilizar medida provisória para a revisão, em detrimento do projeto de lei, o que significa fazer uso de instrumento pouco democrático, a mesma impactará diretamente no subsídio cruzado (que possibilita que municípios com menos recursos tenham acesso aos serviços).

“A utilização de medida provisória só cabe em dois critérios fundamentais, que são relevância e urgência. Apesar de assunto relevante, o mesmo não é caracterizado pelo fundamento da urgência, mesmo porque os atores envolvidos não tiveram prazo para elaborar o texto da medida proposta. As mudanças são relevantes e estruturais, portanto, deveriam acontecer após intenso debate com todo o setor de saneamento e com o Congresso Nacional”, frisa Roberval. “Quanto ao Artigo 10-A, os resultados serão catastróficos, pois este artigo busca benefícios locais em detrimento da política pública já considerada na Lei 11.445/07.”

O artigo 10-A ocasiona que os municípios rentáveis fiquem com as empresas privadas e, como essas empresas não terão interesse pelos municípios deficitários, eles acabarão com o as Companhias Estaduais de Saneamento, que, por sua vez, perderão competitividade ao ter encerrados os contratos com os municípios rentáveis. E isso afetará diretamente o preço das tarifas para os mais necessitados.

Para os municípios superavitários, após o chamamento público, haverá invariavelmente interessados e, desta forma, haverá licitação pública. Como há concorrência, o resultado é a otimização do contrato programa local. Todo o superávit que seria gerado na hipótese de contrato de programa tende a ser consumido pelo processo concorrencial da licitação, e desta maneira não subsidiarão os municípios deficitários.  Com a aplicação desse processo nos municípios que atualmente são doadores, extingue-se todo o subsídios entre os municípios.

Para os municípios deficitários, por sua vez, não haverá interessados dos agentes, podendo inclusive não haver nem mesmo interesse por contrato programa. O município fica nas mãos do poder público. A fonte de financiamento, nesse caso, deverá ser fiscal.

Dos mais de 5.500 municípios brasileiros, apenas cerca de 500 apresentam condições de superávit nas operações de saneamento. Como ficarão os 5 mil municípios que dependem dos subsídios cruzados?  Vamos a um exemplo real: no final da década de 1990 o governo do Estado do Amazonas e do município de Manaus, aprovaram que o saneamento de Manaus sairia do controle da empresa estadual de saneamento, o município de Manaus era o único município superavitário do Estado, e o que aconteceu com o saneamento neste Estado? (veja o caso do Amazonas abaixo)

Como frisa o presidente da ABES, os governadores têm um papel crucial neste momento. “Os governadores eleitos têm que exigir que se retire o Artigo 10-A. Eles perderão os municípios mais rentáveis, que ficarão com as empresas privadas, o que desestruturará totalmente o saneamento em seus Estados.”

O caso do Amazonas
O cenário que aguarda os novos governantes em 2019 já é uma realidade no Amazonas.

Estudo da ABES analisou os indicadores de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto dos estados do Amazonas e de Roraima com o objetivo de comparar seus modelos de operação. No Amazonas, a operação realizada pelos municípios é fragmentada entre operadores privados, municipais e estadual e em Roraima a operação é regionalizada. Outro corte adotado foi a classificação dos municípios segundo o porte. Também foi levantada a taxa média de internação por Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI). E, por último, foi avaliada a situação fiscal dos municípios em 2016. Os dados são provenientes do SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, do DATASUS do Ministério da Saúde e, para avaliação da situação fiscal, do Sistema FIRJAN.

Em Manaus, de 2002 a 2016, o índice de atendimento de água subiu de 81% para 88%. Já no bloco de municípios que ficou sobre o comando do Estado caiu de 83% para 58% o atendimento de água neste mesmo período, demonstrando que os municípios pequenos e mais pobres estão piorando o atendimento à população. Quando comparamos Amazonas com Roraima, nos três principais indicadores de saneamento, identificamos que o estado de Roraima está muito melhor, o que comprova a tese de que a operação regionalizada é melhor que uma operação fragmentada. “Nos três indicadores de saneamento, Roraima leva vantagem em relação ao Amazonas, a distância é acentuada quando se confronta o grupo de municípios cujo prestadores não são privados”, ressalta Roberval Tavares de Souza.

Veja o estudo neste link http://abes-dn.org.br/pdf/12.09_AM_RR_versaofinal.pdf

Sobre a ABES

Com 52 anos de atuação pelo saneamento e meio ambiente no Brasil, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental –ABES reúne em seu corpo associativo cerca de 10.000 profissionais do setor. A ABES tem como missão ser propulsora de atividades técnico-científicas, político-institucionais e de gestão que contribuam para o desenvolvimento do saneamento ambiental, visando à melhoria da saúde, do meio ambiente e da qualidade de vida das pessoas.
www.abes-dn.org.br

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