Por Sucena Shkrada Resk*
Este é um dos exemplos mais cruéis de obstáculos aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs), que se multiplica em outras nações no mundo
Quando observamos atentamente as consequências dos oito anos e meio da devastadora Guerra na Síria, um dos pontos mais nevrálgicos impostos pela violência aos direitos humanos são expostos nos impactos a um universo superior a 5 milhões de crianças. Muitas tiveram suas vidas abreviadas e milhares carregarão sequelas permanentes físicas e psicológicas, além da orfandade precoce. Esta situação também se repete em outras nações em conflito e guerras, como Afeganistão, Israel-Palestina, Iêmen, Iraque, Líbia, Nigéria, República Democrática do Congo, Somália e Sudão do Sul. De acordo com a organização não governamental Save The Children, uma em cada cinco crianças no mundo vive em meio à guerra, o maior registro em duas décadas.
Este contingente de meninos e meninas é privado de todos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU), destacando a erradicação da pobreza; fome zero; boa saúde e bem-estar; educação de qualidade. Que horizonte terão até 2030?
O relatório “Eles apagaram os sonhos dos meus filhos”, da Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Síria, lançado nesta semana, traz este cenário de violações que são evidência de agressão total ao Direito Internacional e pode ser classificado de crime hediondo, dado o grau de barbárie em todos estes anos.
A comissão integra o sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), que é presidido atualmente pelo professor brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro. A expressão “infância roubada” utilizada no documento tem um simbolismo significativo e retrata uma das maiores catástrofes humanitárias do século XXI.
“…As violações na Síria são enormes. Primeiro porque muitas crianças são presas arbitrariamente, torturadas, submetidas a violações de ordem sexual, tanto os meninos quanto às meninas, mas também outros crimes, como o casamento precoce das meninas, obrigadas a casar com maridos incrivelmente mais velhos”, relata Pinheiro. O título do relatório se refere a uma citação em uma entrevista de 2012 com uma mulher narrando ataques à sua aldeia em Idlib.
O documento é resultado da apuração de cinco mil entrevistas realizadas com crianças e adultos entre o período de setembro de 2011 e outubro de 2019. Entre as inúmeras constatações, está o uso de armas químicas, munições de fragmentação e bombas por forças pró-governo.
O mini-documentário “Crianças Sírias Explicam a Guerra”, da BBC, em 2016 ainda é muito atual e expõe as falas de meninos e meninas, que revelam pelo olhar e suas memórias e perspectivas, o quanto uma guerra pode roubar a infância.
Esta gama de atrocidades tem provocado sucessivos deslocamentos internos dessas crianças. Nesta imposição da violência física e psicológica, são privadas do direito de estudar, pois milhares de escolas foram destruídas. Estima-se que pelo menos, 2,1 milhões estão fora da sala de aula; de brincar ou melhor, de ser criança, pois são utilizadas para fins militares.
De acordo com o Unicef, braço para a o direito da infância da ONU, existe um contingente próximo de 28 mil crianças de 60 nacionalidades, sendo a maior parte do Iraque, que também estão em acampamentos de deslocados em território sírio. Uma grande parte está separada de seus familiares.
No Iêmen, a situação da vulnerabilidade infantil também é gritante. O Unicef alerta que mais de 15 milhões de crianças precisam de ajuda humanitária. O país segue para o quinto ano de conflito e já registra a morte e/ou ferimento de cerca de 8 mil crianças. Um caos de perspectiva futura. Uma dessas constatações é que 2,5 milhões – metade das crianças do país com menos de 5 anos – estão com o crescimento atrofiado, o que é considerado irreversível e mais de 2 milhões de crianças estão fora da escola.
Esta crise humanitária expõe as vísceras de regimes despóticos e totalitários e um cenário geopolítico ainda baseado na detenção do poder pela força, calcado no maciço investimento bélico e no apoio de potências antagônicas, que têm interesse nessas regiões, por inúmeros fatores. Entre eles, o petróleo e interesses comerciais de commodities, além de disputas territoriais. Ao mesmo tempo, reflete, em muitos casos, conflitos históricos, que misturam questões culturais e religiosas e muitas vezes, que se acentuam com a xenofobia. Este é o presente e o futuro que queremos para as novas gerações?
*Sucena Shkrada Resk – jornalista, formada há 28 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
#Envolverde