Por Marcus Quintella*
Não há dúvida alguma que o Rio de Janeiro se encontra positivamente transformado em termos de transporte público, em comparação a 2009, ano da indicação da cidade como anfitriã dos Jogos Olímpicos 2016. Foram realizados grandes investimentos para a melhoria da mobilidade urbana, inclusive obras não constantes do caderno de encargos do COI, mas precisamos ser honestamente críticos sobre os resultados práticos esperados e quais os benefícios que serão usufruídos pelos habitantes de toda a região metropolitana, após o término do evento, como o tão alardeado legado olímpico. A seguir, seguem as minhas análises sobre cada projeto de mobilidade urbana.
Os BRT começaram a ser implantados em 2010 e, atualmente, existem 97 quilômetros de corredores exclusivos em operação, TransOeste (Jardim Oceânico-Santa Cruz/Campo Grande) e TransCarioca (Alvorada-Galeão), e outros 58 quilômetros em fase final de construção, TransOlímpico (Barra-Deodoro) e TransBrasil (Deodoro-Centro), totalizando 155 quilômetros.
Conceitualmente, por suas características técnicas e operacionais, os BRT do Rio de Janeiro são considerados como um modo de transporte de baixa capacidade, e não de alta capacidade, como divulgado equivocadamente pelas propagandas oficiais, pois conseguem atender, no máximo, em horários de pico, 10 mil passageiros/hora/sentido. Isso caracteriza um transporte de baixa capacidade e explica as superlotações diárias nos picos matutinos e vespertinos. Portanto, em um futuro próximo, esses corredores de BRT estarão saturados, em virtude do acelerado crescimento demográfico esperado para toda a Zona Oeste. Em suma, modos de transporte de baixa capacidade não são adequados para atender corredores de médias e altas demandas por transporte. Daqui a muitos anos, não posso precisar quantos, esses corredores de BRT deverão ser desativados para dar lugar a um sistema sobre trilhos, provavelmente, metrô, assim como está sendo cogitado em Curitiba, cujo sistema de BRT, pioneiro no Brasil, existente há 42 anos, a cada dia apresenta sinais de saturação e já existe um projeto de metrô pronto para a mudança de modalidade de transporte. Vale ressaltar que o BRT é um excelente modo de transporte, mas como solução para corredores de baixa demanda e, em alguns casos, de média demanda, dado que possuem capacidade para atender até 15 mil passageiros/hora/sentido, ou como alimentador de sistemas de alta capacidade, como trens e metrôs.
A Linha 4 do Metrô, grande sonho dos cariocas das Zonas Sul e Oeste, está sendo parcialmente concluída, mas com o seu traçado significativamente modificado. O trecho original da Linha 4, inicialmente imaginado, ligaria o Centro à Barra e teria as seguintes estações: Santo Antônio/Carioca, Riachuelo, Laranjeiras, São Clemente, Morro de São João/Rio Sul, Largo dos Leões, Humaitá, Jardim Botânico, Gávea, São Conrado, Jardim Oceânico, Canal de Marapendi, Nova Ipanema e Alvorada.
Entretanto, a “nova” Linha 4 modificada, que deve ser vista como uma extensão da Linha 1, passará a fazer a ligação entre as seguintes estações: General Osório (Ipanema), Nossa Senhora da Paz, Jardim de Alah, Antero de Quental, São Conrado e Jardim Oceânico (início da Barra da Tijuca). Existe a previsão de inclusão da estação Gávea, ainda sem data definida para sua conclusão. Essa Linha 4, conectada com a Linha 1, que, por sua vez, tem ligação com a Linha 2, formará um “linhão” de metrô com cerca de 48 km de extensão.
Cabe reconhecer que a obra dessa Linha 4 atual foi um grande esforço do governo estadual, mas não resolverá os graves problemas de transporte público de massa entre Centro, Zona Sul, Barra da Tijuca e Recreio, uma vez que causará uma importante penalização aos seus usuários com a imposição de transferência modal na estação Jardim Oceânico, entre o BRT TransOeste e a própria Linha 4 do Metrô, e vice-versa. Além disso, haverá sérios transtornos operacionais na Linha 1, especialmente nas estações da Zona Sul, em horários de pico, dado que dificilmente as composições terão capacidade para limpar as plataformas, mesmo com intervalos entre trens mais curtos que os praticados atualmente. Certamente, serão necessárias as indesejáveis e difíceis injeções de trens vazios no meio do trajeto para esvaziar as plataformas, entre outras medidas para a melhoria operacional da Linha 1, que experimentará uma complexidade ainda maior com a convivência entre trens de três linhas ao mesmo tempo, ou seja, os da própria Linha 1 e os das Linhas 2 e 4.
No caso dos trens suburbanos, o nível de serviço de transporte melhorou muito com os investimentos realizados no sistema, tanto pelo governo estadual, que realizou a compra de 90 trens novos climatizados, como pela concessionária, que adquiriu mais 20 trens novos, implantou um novo sistema de sinalização e vem melhorando as estações, via permanente, telecomunicações e rede aérea.
O veículo leve sobre trilhos, popularmente chamado de VLT, é a grande estrela da magnífica revitalização da zona portuária da cidade e modernização da Zona Centro, e conectará o Aeroporto Santos Dumont à Rodoviária Novo Rio, passando pela Cinelândia, Avenida Rio Branco, Praça XV, Praça Mauá, Central do Brasil e Santo Cristo, com integração aos outros meios de transporte, como metrô, trens, barcas, BRT, redes de ônibus convencionais e teleférico. O advento do VLT promoveu uma ampla reorganização do sistema de ônibus no centro da cidade e restringirá a circulação de veículos na região. Por enquanto, o VLT circulará somente ligando o Santos Dumont à Rodoviária, numa extensão de 18 km, ficando os 10 km de trechos restantes para o final deste ano ou início do ano que vem.
Em termos viários, houve a ampliação do Elevado do Joá, para a melhoria do acesso entre a Zona Sul e a Barra da Tijuca, com a construção de duas novas pistas que aumentaram a capacidade desse trecho em cerca de 35% da capacidade viária. Todavia, isso não garantirá ainda o alívio para os congestionamentos diários entre a Barra e a Zona Sul, e vice-versa, praticamente em todos os horários do dia, pois ainda existirão os gargalos das duas pistas do Túnel Zuzu Angel e do trecho de São Conrado. Devemos considerar também a requalificação urbana e a duplicação das avenidas Abelardo Bueno e Salvador Allende, na região do Parque Olímpico, com melhorias nas calçadas e ruas, adoção de padrões de acessibilidade, uso de iluminação eficiente e construção de ciclovia.
Por falar em ciclovia, a prefeitura investiu no aumento da malha cicloviária da cidade, hoje com quase 450 km de extensão, mas que apresenta muitos problemas como buracos, ondulações, postes e lixeiras no meio das vias, sujeira, invasões de veículos, insegurança e descontinuidade de pistas. Há também carência de mais pontos de integração com os outros modos de transporte, como trens, metrô e ônibus, além de bicicletários e vestiários públicos.
Por fim, segundo a Autoridade Pública Olímpica, legado é um conjunto de obras de infraestrutura e políticas públicas nas áreas de mobilidade, meio ambiente, urbanização, educação e cultura que foram aceleradas e viabilizadas pelo fato de a cidade do Rio de Janeiro sediar os Jogos Olímpicos. Para o Dicionário Online de Português, legado pode ser definido como aquilo que é passado às gerações que se seguem. Com esse entendimento de legado e com base nas informações passadas neste artigo, espero ter contribuído para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões, pesquisar mais sobre o tema e responder à questão formulada no título deste artigo. (Plurale/ #Envolverde)
* Marcus Quintella ([email protected]) é Colunista de Plurale, colaborando com artigos sobre Mobilidade. É Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, mestre em Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia, considerado um dos principais especialistas em transportes urbanos. Professor da FGV e do IME.
** Publicado originalmente na edição 52 de Plurale em Revista.