Sociedade

Inovação depende de ambientes catalisadores

Foto: Shutterstock
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Líder do Uno Internacional defende que escola tem potencial para se transformar em atmosfera sustentável que impulsione criatividade.

Por Pablo Doberti*

Costumamos localizar a inovação nas pessoas. Gostamos de pensar que existem pessoas geniais e distintas e nós vamos atrás das conhecidas listas de celebridades. Temos essa sorte de tese implícita do talento. Nossas estruturas mentais nos levam com facilidade à individualização dos criativos, estejam onde estejam e provenham de onde provenham. Eu também costumo fazer o mesmo. Parecem-nos milagres ocasionais de milhares de possibilidades combinatórias genéticas.

Neste artigo, irei atrás de uma hipótese que rompe com essa inércia cultural. Coloquemos quem quer que seja nas condições de tempo e espaço do Mark Zuckerberg e digamos que também teria se tornado o genial criador e desenvolvedor do Facebook. Não foi ele, foram suas circunstâncias. Talvez poderíamos moderar a hipótese, reduzindo o “quem quer que seja” da primeira enunciação a uma quantidade de outros candidatos que não acabaram nem acabarão sendo Mark. Em qualquer caso, o que importa é deslocar o peso do assunto até o entorno, o ambiente, o contexto geral de desenvolvimento disso e de tudo aquilo.

O Vale do Silício é o lugar em que acabam vivendo os gênios ou é o lugar onde se criam os gênios? Hoje, aqui, opto pela segunda opção. Inclusive nos casos menos óbvios em que surgem personagens criativos como, de repente, em lugares sem antecedentes, provavelmente possamos também encontrar microentornos que os justificam e os tornam consequência, mais do que causa. Necessita-se de um ambiente catalisador para o surgimento do diferente. E, em geral, não surge um, senão vários talentos, se o ambiente é eficiente e persistente. E o contrário também é verdade: em ambientes de clausura é impossível que surja sequer um inovador. A secura acaba inexoravelmente com todos os frutos.

A tese é extrema: com ambientes catalisadores, garantimos a emergência do criativo e, com ambientes de clausura, garantimos também a ausência do criativo.

Como se vê, tudo isso devolve à nossa discussão escolar um peso de expectativa social que nos custa dar e do qual costumamos nos esquivar com uma falsa humildade. Não digo que a escola tenha sido a causa do – por exemplo – sucesso de Steve Jobs, porque naquele caso o que chamo de “ambiente” se definiu por outras variáveis e em outras circunstâncias da vida social de Steve (inclusive, como ele mesmo disse, nessa relação interrompida e falida com a universidade e com o acadêmico em geral), mas, sim, digo que a escola tem uma grande oportunidade de ser o que não foi para Zuckerberg, nem para Albert Einstein, nem para Octávio Paz, nem para muitos outros. Não são as escolas do Vale do Silício que constituem a atmosfera Vale do Silício, mas poderiam ter sido e poderiam vir a ser em muitas novas histórias a serem contadas.

Não há uma única maneira de construir uma atmosfera social, nem uma só instância social que a constitua; o jogo é múltiplo e tem enormes variáveis combinatórias. A cada um de nós se configuram seus ares em função de seus marcos e suas circunstâncias. Para o escritor Jorge Luís Borges foi sua mãe, uma biblioteca; para Venus Williams, um pai tenaz; para Gandhi, talvez o cárcere; para Napoleão, o dele, e para Barack Obama, o dele. Mas há algumas instâncias sociais que têm um potencial mais geral; uma delas, sem dúvidas, é a escola.

Não parece difícil. Let it be. Só que, para a cultura de massas (para o sentido comum dominante) deixar ser é muito difícil. O difícil é o difícil que é para nós o fácil. Se o empreendedorismo precisa dos neurônios bem oxigenados, já sei por que não conseguimos: porque somos especialistas em criar atmosferas asfixiantes. Nunca há tempo; sempre há dúvidas; as culpas nos dominam; a todo o momento, as hierarquias se impõem; o risco não tem espaço e a especulação paga bem; nos regula uma ética da desconfiança e o que confia é ingênuo e os ingênuos nos seduzem; somos elitistas e oligarcas, no social e no acadêmico e também no cultural; estratificamos sempre tudo; fechamos, categorizamos, estigmatizamos, estereotipamos, estratificamos, isolamos; somos cínicos e gozamos dos instantes de poder de submissão; amedrontamos; costumamos ser sádicos; deixamos tudo difícil e traçamos caminhos impossíveis. Não se reconhece? Não digo você, em particular, mas pergunto se não se reconhece nessa cultura que nos envolve completamente.

Por isso, quando falamos de inovação, devemos falar antes – logicamente antes – de condições de possibilidade dessa inovação, de atmosfera de cultivo dessa criatividade. Não tem visto que, em geral, os focos criativos têm um tronco comum? Como se fossem provenientes da mesma estufa. Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa, Julio Cortázar, Carlos Fuentes e os demais… Borges e Adolfo Bioy Casares, com Victoria Ocampo e suas estrelas. Pelé, Garrincha e os outros. São caldos de cultivo. O talento só germina nas atmosferas propícias e – o que é a mesma coisa, mas ao contrário – em atmosferas propícias sempre germina o talento.

Essa atmosfera de que falo é uma cultura, uma maneira de fazer as coisas em uma determinada comunidade. E essa maneira de fazer as coisas provém e transpira de uma matriz de valores que lhe confere consistência e sentido. Se não há isso, nem que nos entoem canções… Digo que nem que nos entoem canções, porque nas escolas sempre cantamos as mesmas canções sobre a inovação. Não situamos o problema no ar e na cultura institucional, nem na trama social complexa, senão em uma prática específica, em um espaço específico, em uma hora específica, com um professor específico, em uma matéria específica, para um tema específico; e o fotografamos mil vezes. E isso não serve para nada.

Logo vem o jornalista que vai atrás das “inovações” e tira suas outras fotos do inarredável puff, reporta a aluna exemplar, se deslumbra com uma parede colorida e faz uma arejada celebração jornalística do detalhe do detalhe. Chamam-se de “casos de inovação”. Isso não é um caso; isso é uma anedota inovadora, apenas, e sem nenhuma permanência, nem consequência. O único desafio que realmente tem relevância em nossas escolas é o da criação de uma atmosfera sustentável que impulsione à inovação.

E essa atmosfera não se vê, se respira; não é fotografável, ainda que seja constatável. O jornalismo educacional deve buscar esses casos, ainda que nessas escolas não haja vidros nas paredes, nem grafites por todas as partes, porque acabará havendo, como consequência e não como causa inútil ou – o que é ainda pior – como estereótipo. Precisamos ver a expansão dos escassos mas enormes casos em que, de verdade, se sistematiza uma cultura na qual o aluno ventila, respira, se equivoca à vontade, decola sem culpa, se vê obrigado sempre a dizer o que pensa, se vê inundado de ansiedade por realizar, se encontra compelido a propor, se sabe imbricado nos outros, se vê necessitado de defender sua posição, se põe face a face com sua própria ética, se sabe treinado para poder fazer uma aproximação crítica, se sente liberado de ter que repetir ou – ainda pior – fazer que crê no que, na realidade, apenas repete para satisfazer.

Esse é o trabalho da gestão inovadora. Não importa que tenha passado em cada passo, senão que o ambiente envolve todos os casos, todos. A inovação é um ar novo que desenvolve pulmões novos que levam energias novas a neurônios novos que acabam fazendo sinapses novas para que emerjam visões novas que acabam nos trazendo coisas novas de homens e mulheres novas. Falo dessas pessoas pelas quais ansiamos tanto e que veneramos como se tivéssemos a desgraça estatística de não as ter por perto.

É simples, mas exige coragem e muita sistematização. Não é coisa de laboratórios; deve ser sempre a escala de tudo e de cada instituição, porque estamos falando de seu ar geral, não de sua situação tal ou de seu contrário ou de seu objetivo “x”.

O mesmo – certamente – se aplica em casa com seus filhos, no clube com as comunidades, nas igrejas ou em qualquer outra organização social que sirva de marco, quer dizer, de atmosfera de referência. Todas, como a escola, enfrentam o mesmo desafio e se encontram diante da mesma oportunidade. Só que mudar de cultura, que parece fácil – já sabemos –, acaba sendo mais difícil que montar esses obscenos e efêmeros circos de modernidade e inovação de que costumamos padecer. (Porvir/ #Envolverde)

* Pablo Doberti licenciou-se em Psicologia e atendeu uma única paciente, que não voltou depois do primeiro encontro. Desde então, traça os caminhos da educação. Nasceu com a literatura, se por literatura entendemos, simplesmente, a escrita. Sente que morrerá com ela. Anda inquieto há pelo menos 20 anos. Inquieto por nossas escolas. Sabe que não servem e quer ser útil e construtivo na discussão de como desmontá-las e substituí-las. Lidera o UNO Internacional, atuação que acredita ser uma boa maneira de provocar a mudança educativa que defende.

** Publicado originalmente no site Porvir.