Sociedade

Jornalistas entre se calar ou morrer

Por Ashfaq Yusufzai, da IPS – 

Peshawar, Paquistão, 2/2/2017 – O jornalismo está no fio da navalha no Paquistão, com as Áreas Tribais sob Administração Federal (Fata) continuando a ser um dos lugares mais perigosos do mundo para exercer a profissão. As Fata, na fronteira com o Afeganistão, são o reduto de combatentes talibãs, desde que estes se refugiaram no Paquistão, quando a coalizão encabeçada pelos Estados Unidos derrubou o governo em Cabul, no fim de 2001.

A região é a base do Talibã, de onde aponta contra as forças de segurança e outros setores da população que desaprova, como é o caso dos jornalistas. Mohamad Anwar, representante da União Tribal de Jornalistas, com sede nas Fata, assegurou que a violência, as ameaças e a intimidação continuam como fatos cotidianos para eles nas Fata. “Os jornalistas têm duas opções aqui: ou ficam calados sobre o que acontece ou se arriscam a morrer”, explicou.

Hayatullah Jan foi o primeiro jornalista morto, em junho de 2006, após ter sido sequestrado em dezembro do ano anterior no Waziristão. Desde então, mais de 20 profissionais perderam a vida em sete agências das Fata, ao que parece em mãos de combatentes do grupo extremista descontentes com seu trabalho.

“Combatentes do Talibã incendiaram uma banca de jornais quando viram notícias sobre suas atividades. Também ameaçaram os jornalistas para que não cobrissem os castigos que aplicam na população local”, contou à IPS o jornalista Mohamad Shakur, do Waziristão do Norte. Atualmente morando em Peshawar, capital da vizinha província Jyber Pajtunjwa, recordou que as ameaças dos talibãs fizeram muitos jornalistas fugirem para outras partes do país.

A situação no distrito de Swat, também nesta província, se complicou para os jornalistas quando o Talibã assumiu o controle da região entre 2007 e 2009. “Os talibãs intimidaram os profissionais locais. E pelo menos três deles foram assassinados porque não eram do agrado do Talibã nem do exército paquistanês”, disse à IPS o jornalista Mohamad Rafiq.

Os jornalistas temem por suas vidas e adotam todas as precauções quando escrevem. “Estamos presos entre os insurgentes e o exército. Não sabemos nada dos assassinos de nossos colegas que caíram cumprindo seu dever”, destacou Rafiq. Pode parecer que o Talibã desapareceu graças às operações do exército, mas ainda tem capacidade para atentar contra os jornalistas, lamentou.

“A maioria dos 200 jornalistas das Fata emigrou para outros distritos e faz seu trabalho a partir de lugares mais seguros. Não temos segurança nem proteção nenhuma”, pontuou Mohamad Ghaffar, que trabalha para um diário em urdu na Agência Mohmand. Ele ressaltou que, além dos insurgentes, é preciso enfrentar também as ameaças de dirigentes políticos locais que querem controlar a imprensa. “É quase impossível realizar uma cobertura independente devido à falta de proteção. Os jornalistas estão cercados por múltiplos problemas e precisam ser cuidadosos”, acrescentou.

Os jornalistas do Paquistão são alvo por “todos os lados”, mesmo quando as condições da imprensa melhoraram ligeiramente no país. “São alvo de grupos extremistas, organizações criminosas e de organizações estatais”, diz um novo informe da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF). O documento, publicado no início de janeiro, indica que o país está na 147ª colocação no Índice de Liberdade de Imprensa 2016, tendo melhorado 12 posições em relação a 2015, quando esteve na 159ª.


Jornalistas paquistaneses em Peshawar, capital de Jyber Pajtunjwa, protestam pelo atentado contra o jornal Dawn News, perto do Clube da Imprensa, em novembro de 2016. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Esse país figura no segundo lugar do índice internacional dos locais mais perigosos para ser jornalista, porque sofrem assédio, sequestro e até morte, segundo a RSF. Nos últimos dez anos, mais de cem profissionais foram mortos no Paquistão, 98% deles nas Fata, em Jyber Pajtnjwa e no Balochistão, outra das quatro províncias paquistanesas. A União Federal de Jornalistas do Paquistão cobrou do governo que apresentasse denúncias ou reabrisse velhas investigações sobre o assassinato desses profissionais, mas até agora nada foi feito.

A Federação Internacional de Jornalistas (FIP) informou, em 2015, que o Paquistão estava entre os países mais perigosos do mundo para esses profissionais, com 102 jornalistas e funcionários dos meios de comunicação assassinados desde 2005. O informe da FIP diz que, desde 2010, 73 jornalistas e trabalhadores da mídia foram mortos, quase uma pessoa por mês. Inclusive, qualificou o Balochistão de “cemitério de jornalistas”, onde 31 deles foram assassinados desde 2007.

O documento alerta que “a insurgência armada e a violência sectária respondem por algumas dessas mortes, mas muitas delas deixam dúvidas sobre a participação de instituições estatais”.

Os assassinos costumam ficar impunes, pois o país só registra três condenações. No dia 16 de março de 2016, os jornalistas paquistaneses puderam comemorar a terceira condenação, quando um tribunal distrital de Jyber Pajtunjwa condenou Aminullah à prisão perpétua pela morte de Ayub Jattak em 11 de outubro de 2013, que publicou sobre o envolvimento do condenado com o narcotráfico. Nesse mesmo mês, o veterano repórter Hamid Mir ficou gravemente ferido ao ser agredido por desconhecidos e o responsável nunca foi encontrado.

Mir, que depois receberia o prêmio de jornalista mais resistente, outorgado em novembro pela International Free Press, na Holanda, enfatizou que se salvou da tentativa de assassinato e que não vai abandonar seu país porque as pessoas o apoiaram. E dedicou o prêmio ao povo do Paquistão por seu valor contra a insurgência e o terrorismo. “O prêmio é um reconhecimento aos meus sacrifícios em promover o jornalismo, o que me estimula”, afirmou. Envolverde/IPS