Os riscos para os jornalistas locais é maior do que para os estrangeiros, apesar de os primeiros não atraírem a mesma atenção nos meios de comunicação, como reflete o assassinato de três profissionais, no dia 5 deste mês, a repórter de televisão somaliana Sagal Salad Osman, o afegão Zabihullah Tamanna e o repórter fotográfico norte-americano David Gilkey.
Por Valentina Ieri, da IPS –
Nações Unidas, 16/6/2016 – Gilkey e Tamanna, que trabalhava como intérprete e fixer, foram assassinados juntos no Afeganistão. Fixer(guia) é o termo usado para se referir a um jornalista local que ajuda correspondentes estrangeiros a encontrarem fontes e histórias para cobrir. Seu papel fica invisível quando se informa a morte de jornalistas internacionais, porque não são reconhecidos como tais.
“Motoristas, guias, tradutores são por definição, provavelmente, também jornalistas locais”, disse à IPS a diretora do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), Courtney Radsch. “Houve casos, no Afeganistão e no Iraque, em que os tradutores eram o objetivo principal por trabalharem com norte-americanos, fossem estes militares ou jornalistas. Isso revela que os guias e os repórteres locais costumam correr um risco maior”, acrescentou.
Segundo Radsch, “os jornalistas locais são os mais assediados, assassinados ou detidos porque informam sobre assuntos locais como corrupção e política, que em certos casos são ainda mais perigosos do que a guerra. É muito mais comum eles serem o alvo” de um ataque. Além disso, acrescentou, “não é tão comum um jornalista estrangeiro ser detido”.
Sagal Salad Osman, assassinada na região ocidental da capital da Somália, trabalhava para a estatal Rádio e Televisão Nacional Somaliana em Mogadíscio. Como ela, Hinda Hagi Mohamed foi assassinada nessa mesma cidade, em dezembro de 2015, por combatentes do grupo extremista Al Shabaab.
O premiado Gilkey e seu intérprete e jornalista Tamanna trabalhavam para uma cadeia de rádio e televisão norte-americana, a National Public Radio (NPR), quando foram atacados, ao que parece, em uma emboscada contra a unidade do exército afegão com a qual estavam, no distrito de Marjah, na província de Helmand, no Afeganistão.
O CPJ informou que 65 jornalistas foram mortos na Somália desde 1992, e 59 deles perderam a vida por causa de seu trabalho. Ainda não se pode confirmar a causa da morte de quatro deles, sendo que dois trabalhavam como guias. Além disso, 80% dos profissionais eram trabalhadores locais e o restante, estrangeiros.No Afeganistão, os dados do CPJ revelam que 29 jornalistas, um trabalhador da área de comunicação e seis repórteres não confirmados foram assassinados desde 1992, dos quais 34% eram profissionais locais e 66% estrangeiros.
Independente de a pessoa atacada ser profissional local ou estrangeiro, é importante garantir que se divulgue a informação sobre sua morte, destacou Radsch, pois a atenção internacional que atrai a morte de profissionais de imprensa pode contribuir para sua segurança no terreno. “Garantir a segurança dos jornalistas não é só se converter em ativista, mas cobrir o ocorrido e garantir que sejam feitas as devidas investigações”, acrescentou.
Os três jornalistas assassinados na segunda semana deste mês se somam a uma longa lista de profissionais da imprensa que perderam a vida realizando seu trabalho em países com conflitos.A diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Irina Bokova, também condenou os ataques: “Devemos reconhecer o direito de os trabalhadores da imprensa exercerem suas atividades em condições seguras, pelo bem da sociedade em seu conjunto”.
Desde a adoção da resolução 29, em 1997, a Unesco está à frente das iniciativas para proteger a liberdade de expressão e o direito de as pessoas serem informadas.A chefe da seção de liberdade de expressão da Unesco, Sylvie Coudray, afirmou à IPS, em 2012, que a organização assumiu a responsabilidade pelo Plano de Ação da Organização das Nações Unidas (ONU) Sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade, que procura criar um ambiente livre e seguro para jornalistas e trabalhadores da imprensa, e destacar a necessidade de se enfrentar a questão da segurança dos profissionais e daimpunidade dos crimes contra eles.
“É o primeiro plano sistemático da ONU que reúne cada dos atores relevantes em um esforço universal concertado, que incluiu outras agências das Nações Unidas, governos, universidades, sociedade civil, meios de comunicação e instituições”, explicou Coudray.Apesar dos significativos avanços, com a adoção da resolução 2222 pelo Conselho de Segurança, condenando todas as formas de violência contra os jornalistas, há um aumento de casos de assassinato desde 2013, em parte devido aos vários conflitos que ocorrem atualmente, apontou.
Segundo Coudray, “continuam sendo inúmeras as ameaças contra jornalistas e profissionais da imprensa. Desde ataques, detenções arbitrárias, assédios, sequestros e até assassinatos, a última forma de censura. O que piora a situação é o clima de impunidade predominante, pois nove em cada dez assassinatos de jornalistas não são resolvidos, o que também aviva o círculo de violência contra a mídia”.
Em 2016, 13 jornalistas, e outros dez que não foi possível confirmar, foram assassinados nos oito países com maior número de mortes desses profissionais, segundo o CPJ, sendo que o Afeganistão ficou em quarto lugar. Os outros são Iêmen em primeiro, Índia,segundo, Iraque, terceiro, seguidos de México, Guiné, Síria, e Turquia.No ano anterior, 73 jornalistas, mais dois trabalhadores da imprensa e 25 profissionais sem confirmar, foram assassinados nos países com maior número de mortes, entre os quais a Somália ocupou o nono lugar. Nesses dois anos, 80% dos jornalistas assassinados eram trabalhadores locais. Envolverde/IPS