Sociedade

A lei venezuelana contra discriminação de portadores do HIV

Parte de uma das campanhas para prevenir a aids na Venezuela. Foto: Venezuelana de Televisión
Parte de uma das campanhas para prevenir a aids na Venezuela. Foto: Venezuelana de Televisión

 

Caracas, Venezuela, 1/8/2014 – A Venezuela se prepara para sancionar uma nova lei contra a discriminação de pessoas com HIV/aids, enquanto a cada ano a epidemia deixa quase quatro mil mortos e mais de 11 mil novos infectados no país, em sua maioria jovens e, cada vez mais, mulheres. A Assembleia Nacional aprovou em primeira leitura o projeto apresentado pela Defensora do Povo, Gabriela Ramírez. E o fez por unanimidade da maioria governante e da minoria oposicionista, algo incomum neste país extremamente polarizado.

A “Lei para a promoção e proteção do direito à igualdade das pessoas com HIV ou aids e suas famílias dá oportunidade ao parlamento de promover a igualdade e reduzir a vulnerabilidade de um setor da população que é discriminada”, declarou Ramírez ao apresentar o texto no dia 8 de julho. “O estigma e a discriminação relacionadas com o HIV (vírus causador da aids) são a principal barreira na luta contra esta epidemia, em todo o mundo”, afirmou à IPS a oficial para a Venezuela do Programa das Nações Unidas sobre HIV/aids (Onusida), Alejandra Corao.

Por isso, “o mais importante é que, 30 anos depois da chegada da epidemia, o Estado reconhece que há um grave problema de discriminação”, destacou à IPS Alberto Nieves, diretor da não governamental Ação Cidadã Contra a Aids. A defensora Ramírez recordou que, entre 1982 e 2013, houve 31.512 casos oficialmente registrados de portadores do vírus. Nieves considera que o número atual de infectados está em nível mais alto que os estimados da Onusida, cerca de 160 mil pessoas.

O projeto de lei garante a pacientes com HIV, em igualdade de condições com os demais cidadãos, os direitos ao trabalho e à função pública, a educação, saúde, cultura e esportes, a gozar de benefícios de programas sociais, créditos bancários, bem como confidencialidade sobre sua situação de saúde e a respeito de sua vida privada. Também estabelece que ter aids não será causa para suspender direitos de pátrio poder sobre os filhos e incorpora, como exortação, a responsabilidade dos familiares de cuidar, acompanhar e proteger o enfermo.

Ao garantir a igualdade, a lei enfatiza esse direito para os jovens, porque 40% dos novos portadores do vírus têm entre 15 e 24 anos. Também o faz no caso das mulheres, para as quais determina atenção especial nos períodos de gravidez, parto e pós-parto, assim como às pessoas com incapacidades e os privados de liberdade.

São estabelecidas sanções penais, disciplinares e pecuniárias aos responsáveis por discriminação em todos os campos assinalados. Isso evitará que se repitam situações com a de uma professora de uma cidade do oeste venezuelano, que foi demitida após uma campanha contra ela por parte dos pais dos alunos da escola, quando descobriram que havia ido a uma unidade para aids em um hospital para fazer exames.

Porém, das disposições contra a discriminação ficam excetuadas todas as forças militares e policiais do país. “Com essa exceção não concordamos. Ninguém deveria ser excluído e esperamos progressos nesse ponto quando o projeto for examinado na Comissão de Desenvolvimento Social do parlamento e for a plenário para segunda discussão”, artigo por artigo, opinou à IPS o ativista Estevan Colina, da Rede Venezuelana de Pessoas Positivas.

Nieves acredita que na segunda discussão se emende a exceção militar-policial, “porém, mais importante é o lado positivo da lei, começando pela aceitação de um tema de direitos humanos de forma unânime por formações políticas tão contrapostas dentro da polarização que vive a Venezuela”. A Lei, cuja sanção organizações e ativistas esperam que aconteça este ano, daria um apoio às campanhas contra a discriminação, com dimensões semelhantes à sentença do Supremo Tribunal da Venezuela que, em julho de 1998, ordenou aos órgãos estatais de saúde o fornecimento gratuito do tratamento com antirretrovirais aos pacientes com aids.

Neste país, com 30 milhões de habitantes, atualmente recebem esse medicamento 43 mil pessoas, o equivalente a 73% da cobertura ou de pessoas que precisam do tratamento, explicou Corao. A média mundial é de 37% e a latino-americana de 45%, segundo a Onusida. O gasto público venezuelano frente ao HIV/aids gira em torno de US$ 100 milhões ao ano, e cerca de metade dessa quantia é gasta em medicamentos, um esforço que segundo diversas organizações não governamentais se ressente por problemas referentes à burocracia.

“Em certas ocasiões não há pessoal capacitado em todas as regiões para manejar o programa sobre HIV/aids, falha a coordenação ou os transportes entre a capital e as regiões, ou a indústria farmacêutica não participa das licitações”, pontuou Nieves. O desabastecimento de antirretrovirais gera cíclicos protestos dos pacientes afetados, em um país onde “a escassez de medicamentos está entre 35% e 50%”, detalhou à IPS o infectologista Julio Castro, da não governamental Médicos Pela Saúde.

As campanhas de prevenção e educação também exigem renovados reforços, a julgar pela alta de novos infectados: 4.553 casos em 2004 e 11.181 em 2012, segundo o Ministério da Saúde. Entre as mulheres houve 1.408 novos casos em 2004 e 2.236 em 2012. “Há uma feminização da epidemia, situação que não é exclusiva da Venezuela, pois, em 2003, a cada cinco infectados um era mulher, e em 2007 uma em cada três”, ressaltou Corao.

“As mulheres que de maneira crescente são afetadas não são apenas trabalhadoras sexuais, mas donas de casa, profissionais ou estudantes. E um dos principais problemas associados é o da violência doméstica”, acrescentou a representante do Onusida. Outro campo de avanço da doença está entre os adolescentes e jovens, na faixa entre 15 e 24 anos, “pois em toda América Latina há uma percepção de diminuição do risco e os jovens que não viveram o boom da epidemia na década de 1980 se comportam como se fosse um problema do passado, já superado”, ressaltou a especialista.

Em 2013, morreram em todo o mundo 1,5 milhão de pessoas por causas relacionadas à aids, 35% menos do que os 2,4 milhões de 2005. Mas a Onusida afirma em um informe publicado em julho que, dos 35 milhões de pessoas com HIV, cerca de 19 milhões ignoram que vivem com o vírus. Envolverde/IPS