Profissionais avaliam o uso terapêutico da maconha e não veem evidências para indicá-la no tratamento de problemas neurológicos
Sempre que alguém quer dar um tapinha dentro da lei, surge uma notícia de que maconha melhora algum sintoma ou doença e inicia-se uma onda de discussões sobre o uso terapêutico do produto. A humanidade já deveria estar evoluída o suficiente para abandonar essa cínica estratégia. Principalmente pelo perigo de criar falsas esperanças em pessoas que realmente têm um problema que afeta a qualidade ou até a duração de sua vida e que são ludibriadas pelo falso benefício da droga, como, por exemplo, pacientes com esclerose múltipla, doença de Parkinson e câncer.
Existem estudos que comprovam o uso de componentes da maconha para melhorar náusea em pacientes sob quimioterapia, perda de apetite em aidéticos e, recentemente, foi liberado nos Estados Unidos um spray oral para melhorar a rigidez muscular em pacientes com esclerose múltipla. A Academia Americana de Neurologia recentemente criou um comitê para avaliar o que é verdadeiro sobre o uso médico de terapias alternativas, incluindo a maconha, em problemas neurológicos, e publicou as conclusões.
O comitê revisou todos os estudos científicos publicados em revistas médicas nos últimos 55 anos, encontrando 1.729 que à maconha ou a seus subprodutos, e apenas 63 estudos que se referiam à neurologia puderam ser aproveitados, dos quais 33 deles se referiam ao uso terapêutico da droga – apenas oito preenchiam todos os quesitos para um estudo de ótima qualidade técnica. Cinco mostraram algum efeito terapêutico da droga, mas não conseguiram provar eficácia melhor ou menos efeitos colaterais do que as medicações já existentes.
A maconha possui pelo menos 60 princípios ativos, sendo os mais importantes o tetraidrocanabinol (THC), o componente psicoativo, o canabidiol (CBD) e o nabiximol, sem ação psicoativa (CBD), todos atuam em receptores canabinoides em vários sistemas cerebrais e, de acordo com a concentração de um ou de outro, o efeito psíquico podem predominar ou não. Se o medicamento possuir maior concentração de THC pode ocorrer desde uma breve sensação de bem estar, raciocínio lento, sonolência, relaxamento muscular ou prejuízo cognitivo, de memória, até um surto psicótico. O CBD em proporções iguais nas fórmulas de THC reduz os efeitos psicoativos.
Dos oito bons estudos que avaliaram a eficácia da maconha, um usou o extrato da planta em pacientes com esclerose múltipla e houve leve redução da contratura muscular constante, que dificulta o caminhar desses pacientes. Em outro estudo houve redução também de espasmos musculares dolorosos e, em um terceiro estudo, pacientes com perda do controle urinário, reduziram a frequência de irem ao banheiro. Um quarto estudo, também feito em pacientes com esclerose múltipla, falhou em demonstrar melhora no tremor que pode ocorrer nesses indivíduos. Os outros estudos avaliados não conseguiram demonstrar qualquer utilidade da maconha nos sintomas de Parkinson e outras doenças que provocam movimentos involuntários, como tremor, espasmos, contraturas e torcicolo. Também não houve redução no número de crises convulsivas em pacientes epilépticos que utilizaram maconha.
Em todos os estudos, o índice de pacientes que interromperam o uso de maconha por efeito colaterais foi 7%, três vezes maior do que no grupo que usou placebo. Efeitos: fraqueza, náusea, tontura, alucinações e pensamento suicida.
Terapias alternativas deveriam ser testadas como são os medicamentos, isto é, várias fases de testes para avaliar segurança, eficácia, dose necessária e toxicidade. Sob a máscara de naturais, muita coisa nociva está sendo ofertada para pacientes em desespero, prejudicando a imagem das terapias alternativas que realmente funcionam.
* Rogério Tuma é médico neurologista, escreve sobre Saúde na CartaCapital.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.