Manaus é sufocada pela fumaça
Por Nicoly Ambrosio, Amazônia Real – Manaus vive nesta quarta-feira (11) um dos piores dias em relação às consequências de queimadas no Amazonas. Encoberta por uma fumaça intensa, que se alastra por todas as regiões, a cidade está sufocando.
Por Nicoly Ambrosio , Amazônia Real –
Manaus vive nesta quarta-feira (11) um dos piores dias em relação às consequências de queimadas no Amazonas. Encoberta por uma fumaça intensa, que se alastra por todas as regiões, a cidade está sufocando. As cenas de Manaus tomada pela poluição se repetem desde o começo de setembro e, agora, o problema leva a cidade a ser considerada o segundo pior lugar do mundo para respirar.
De acordo com o monitoramento do aplicativo Selva (Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental), desenvolvido pelo Programa de Educação Ambiental sobre Poluição do Ar (EducAir), da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), a qualidade do ar na atmosfera da capital é considerada péssima.
Ainda segundo o aplicativo, os pontos mais críticos de poluição foram localizados nas proximidades dos bairros Compensa, Aparecida, Colônia Oliveira Machado e Morro da Liberdade, com índices ultrapassando o 400 MP2,5 (ug/m3).
A capital amazonense perde apenas para o condado de Siskiyou, na Califórnia (EUA), que registrou níveis alarmantes de 748 µg/m³, por causa de incêndios florestais. O condado americano é, nesta quarta, o pior lugar do mundo para respirar.
“A fumaça que a gente tem em Manaus nas últimas semanas é, em grande parte, decorrente das queimadas que acontecem no entorno da cidade. Claro que de outras regiões também pode vir, mas vindo de regiões mais distantes essa camada de poluição vai estar um pouco mais em altitude na atmosfera. A fumaça que a gente respira ao nível do solo é muito provavelmente vinda da região metropolitana”, explica o professor Rodrigo Souza, coordenador do projeto Selva/EducAir da UEA.
De acordo com o pesquisador, apesar de ser difícil identificar a origem da fumaça por causa da atmosfera misturada e poluída, ela provavelmente está associada a ações criminosas de desmatamento e queimadas.
“Não sei quem está queimando e por que, mas muito provavelmente isso tem a ver com limpeza de terreno, questão cultural local de queimar o lixo doméstico e eventualmente está associado a desmatamento também. Então não vai fugir da questão do desmatamento, não vai fugir da questão da limpeza de terreno. É possível que tenha até a questão criminosa também por trás disso”, afirma.
Desde agosto o Amazonas lidera o ranking do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Até o início de setembro foram registrados 5 mil focos de calor ocasionados por queimadas. A Amazônia Real relatou que a fumaça atingiu cidades do sul do estado e a capital.
Os focos de calor (ou queimadas) no mês de outubro no estado bateram recorde em relação aos últimos 14 anos, segundo o monitoramento do Inpe. Do dia 1° a 10 de outubro, foram registrados 2.684 focos. Em outubro de 2009, até então o mais crítico de toda história do monitoramento, foram 2.409 focos de queimadas no estado.
Com relação aos dados anuais de queimadas no Amazonas, de 1° de janeiro até o dia 10 de outubro, o Inpe registrou um total de 17.486 focos, faltando quase 2 meses e meio para o final de 2023. Esse número só não é maior do que os registrados em 2022, quando foram computados 21.217 focos de calor, o maior da série histórica do monitoramento iniciado em 1998.
Em entrevista à Amazônia Real , a psicóloga Manuela Batalha, 25 anos, disse que começou a ter sintomas de doença por conta da fumaça no dia 24 de setembro.
“Percebi que passei três dias seguidos com uma enxaqueca muito forte. Como já tenho histórico de crise, sei o que fazer para melhorar os sintomas e também sei as causas, mas dessa vez não tinha nenhum motivo aparente. Tentei pensar se algo na minha rotina tinha mudado, como alimentação, algum hábito, mas tudo permanecia igual. Aí reparei que, quando estava saindo de casa, tinha contato direto com a fumaça, então provavelmente era isso. Fiquei mais atenta ao início dessas crises com o ambiente que estava inserida e constatei que realmente a fumaça era um gatilho para que eu tivesse as crises”, relata.
No fim de setembro, os sintomas da psicóloga se agravaram. “Com crise de enxaqueca, vem o enjoo, náusea, incapacidade de me alimentar durante as crises. Também notei que meu nariz sangrou durante esse período. Ontem (10/10) eu estava voltando para casa em um transporte público e senti meus olhos ardendo pela primeira vez. Tive que usar máscara dentro de casa para evitar o estopim de uma crise de enxaqueca. Ontem também pela primeira vez a minha pressão caiu pela madrugada, mesmo com tudo fechado. O quarto estava com um cheiro forte de fumaça, acredito que isso influenciou”.
Desde a semana passada, Giovanna Benchimol, universitária de 18 anos, afirma que suas crises de asma pioraram com as nuvens de fumaça. “Na sexta-feira (6/10), meus sintomas já começaram a piorar. Eu lido com a asma há muito tempo e ela sempre foi muito bem controlada com medicação. Desde que começou a fumaça eu tive que dobrar a quantidade de inalações e o uso da bombinha pra não sufocar. Fico preocupada porque a tendência é piorar e eu tenho medo de pegar outro tipo de doença respiratória”, diz.
Ela afirma que nesta quarta, acordou em crise por conta da forte fumaça e isso impacta as atividades do cotidiano, como ir para a faculdade.
O pesquisador Jesem Orellana indica que atividades comerciais, industriais ou serviços que utilizem energia não limpa, como combustível (madeira, carvão, restos de vegetais, querosene, diesel, gasolina e etc), poderiam ser suspensas visando a contenção do agravamento da qualidade do ar. “Reduzir ou até mesmo suspender a frota de transporte coletivo (público e privado) dos veículos a combustão pode minimizar a emissão de mais poluentes”, afirma.
Outras medidas apontadas pelo pesquisador são: reduzir ou suspender o ensino presencial em toda a rede, minimizando a exposição humana a ambientes insalubres e com baixa qualidade do ar, em especial ambientes mal ventilados ou com sistema de exaustão dos aparelhos de ar-condicionado, cujo funcionamento é deficiente ou inexistente; suspender eventos em massa; suspender atividades laborais extenuantes e que façam com que o trabalhador respire de maneira mais intensa, especialmente entre mulheres grávidas e indivíduos com doenças respiratórias (asma, rinite, bronquite, pneumonia, p.e.) e doenças cardiovasculares pré-existentes; toque de recolher após as 18h, de modo que evite contato direto com a fumaça.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM) não respondeu aos questionamentos sobre o impacto das queimadas na saúde da população. Também procurada, a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) não retornou os e-mails enviados.
Foto de destaque: Tomada pela poluição, a cidade é a segunda pior do mundo para respirar, segundo monitoramento do Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental da Universidade Estadual do Amazonas. População relata incômodos, prejuízo às atividades e problemas de saúde, enquanto autoridades se omitem nas responsabilidades e providências (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).
(Envolverde)






