Sociedade

Manaus enfrenta nova ‘estação’ de queimadas

Vandré Fonseca, do Amazônia Real –

A foto (destaque) acima é de um foco de fumaça no Conjunto Prosamim, no bairro Cachoeirinha, na zona sul de Manaus (Foto: Euzivaldo Queiroz/A Crítica) 

Manaus (AM) – A incômoda névoa de fumaça que cobriu Manaus no final de setembro e nos primeiros dias de outubro foi provocada pelo grande número de queimadas no estado do Amazonas, de acordo com a avaliação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

“Não tem nada particular em Manaus, toda área aí (Amazônia) está coberta por fumaça”, afirma o coordenador do Programa de Queimadas do Inpe, Alberto Setzer.

“Os municípios mais a leste (de Manaus) tem mais focos, mas a fumaça é transportada para toda a região. E não é uma situação como nós já tivemos no passado, em que boa parte da fumaça vinha do Pará e até de Rondônia e Mato Grosso. Nesse caso, ela é produzida aí mesmo”, completa.

Queimadas na região da Ponte da Maués, no bairro Morro da Liberdade, em Manaus (Foto: Jander Robson)

Os focos de queimadas foram aumentando ao longo do ano, até atingir o pico no mês passado. Em setembro, o Inpe registrou 4.936 focos de queimadas no estado, contra 3.192 focos no mesmo período de 2017. Um aumento de 54,6%. Em 2015, ano com maior registro de queimadas em setembro no Amazonas, foram detectados 5.006 focos.

“Está praticamente igual ao que tivemos em 2015, que foi o pior ano (no mês de setembro) pra vocês”, alerta o coordenador do programa de queimadas do Inpe, Alberto Setzer.

Os dados do Inpe apontam que houve uma mudança na localização dos focos de calor nas últimas semanas. As queimadas, que atingiam principalmente o sul do Amazonas, passaram a ocorrer principalmente em municípios próximos à capital e regiões no leste do estado, contribuindo para que a fumaça chegue a capital do estado.

Em setembro, os municípios de Lábrea, Manicoré, Boca do Acre e Apuí, todos no sul do estado, concentraram mais da metade dos focos de calor detectados pelo satélite de referência no Amazonas. Em outubro, Manacapuru (7,8% dos focos), Autazes (5,4%) e Itacoatiara (5,2%) lideravam o ranking dos municípios com maior número de focos de calor.

O superintendente do Ibama no Amazonas, José Leland, acredita que essa migração das queimadas se deva ao predomínio de pequenos agricultores, que utilizam o fogo no preparo da terra para o plantio, no leste do estado. Já no sul do estado, onde estão as maiores áreas de floresta derrubada, os desmatadores estão usados tratores para limpar o terreno. “Até porque eles não querem fazer fogo para não chamar a atenção”, afirma Leland.

Queimadas urbanas contribuem

Fonte: Inpe

José Leland atribui a nuvem de fumaça em Manaus às queimadas urbanas. “Ao contrário de outros anos, não temos nada de alarmante nessa fumaça. Requer preocupação, mas não fugiu do controle”, afirma.
Só em setembro deste ano, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente Sustentabilidade de Manaus (Semmas) recebeu denúncias contra 83 focos de fogo, contra 32 no mesmo mês do ano passado. Apesar de menos denúncias terem sido feitas de janeiro a setembro deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado (278 este ano, contra 302 em 2017), os números demonstram que elas vêm aumentando no segundo semestre.
Embora o superintendente do Ibama no estado demonstre certa tranquilidade, os números do Inpe indicam que as queimadas se tornaram um problema sério, que o Amazonas não tem conseguido superar.
A série histórica que começa em 1998 mostra que o número de queimadas no Amazonas deu um salto a partir da virada do século, até atingir o recorde em 2005, com 15.733 focos registrados. Depois de diminuir durante alguns anos, voltou a aumentar até chegar a segunda maior marca, em 2015. Desde então, o número de registros tem ficado sempre acima dos 10 mil por ano.
Até esta segunda-feira, 15 de outubro, foram 806 registros, contra 3.650 focos nos 15 primeiros dias de setembro. Mas na comparação com o ano passado, outubro de 2018 está queimando mais. São 53,73 queimadas por dia, contra 38,5 de outubro do ano passado.
“O que tem acontecido é que o uso do fogo aí na região [do Amazonas] em vez de diminuir com os anos está aumentando”, avalia Setzer. “Todas essas queimadas são iniciadas por atividades humanas. Ou sem querer ou de propósito, sempre tem a mão humana. E o pessoal fica esperando o período de estiagem, com falta de chuva, para usar o fogo com mais eficiência. Com tempo seco, o uso do fogo fica mais fácil e a propagação dele acaba ficando mais fácil”.

Impactos na saúde

Manaus ficou encoberta por fumaça das queimadas (Foto: Carlos Durigan/Amazônia Real)

A pneumologista sanitária Joice Matsuda alerta para cuidados com a saúde. Ela lembra que o clima quente e com pouca umidade resseca as mucosas, que são uma defesa do corpo contra a invasão de vírus e bactérias. Por isso, nesse período existe maior risco de infecções, principalmente entre crianças e idosos. “Em grande parte das pessoas, pode ser um incômodo, com uma coceira no nariz, mas em pessoas mais vulneráveis para ocasionar uma infecção”, destaca.
E os dados do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) indicam que o tempo continua seco. Embora em setembro as chuvas tenham sido consideradas normais, agosto tinha sido um mês muito seco. Neste início de outubro (até o dia 11), as chuvas ainda estão bem abaixo do registrado no mesmo período do ano passado. Portanto, ainda é preciso cuidado. Desde 2015, ano de clima muito seco, não chovia tão pouco em outubro em Manaus.
A fumaça, diz a médica que atende em uma policlínica do estado no centro de Manaus, agrava essa situação. De acordo com ela, nesse período aumenta o número de crianças que precisam fazer inalação em hospitais públicos. Joice Matsuda orienta limpar o nariz, principalmente de crianças e idosos, com soro fisiológico, para manter a umidade das mucosas. “E tem gente que usa uma bacia com uma toalha molhada, para, principalmente no quarto, quando tem ar-condicionado, para manter a umidade”, conta.
Há também impactos sociais e ambientais. Setzer explica que as queimadas têm impactos negativos em três escalas diferentes. Em escala local, podem sair do controle e atingir propriedades vizinhas, destruindo barracões, veículos, queimando plantações ou até matando animais de criação.
Setzer fala também em uma escala regional, quando a fumaça é transportada para distâncias maiores. Ela causa a diminuição da visibilidade, levando inclusive ao fechamento de aeroportos e aumentando o risco da navegação. Existem riscos para a saúde, devido à concentração de poluentes.
Por fim, o coordenador do programa de queimadas o Inpe fala dos impactos em nível global. “Quando o Brasil é considerado em relação às mudanças climáticas e emissões de gases para a atmosfera, entra nessa análise por conta das queimadas. Nossas queimadas emitem muitos gases e partículas para a atmosfera e isso coloca o país aí na linha, vamos chamar de sujismunda”, lamenta.
Em 2015, a agência Amazônia Real questionou os órgãos ambientais do Município e do Estado sobre a falta de investimento em equipamento para medir a qualidade do ar de Manaus. Com o equipamento a poluição do ar da fumaça das queimadas poderia ser analisada diariamente. Com os dados, a prefeitura de Manaus ou o governo poderiam emitir alertas prevenindo à população sobre os riscos à saúde, conforme determina uma resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que estabeleceu a implantação da Rede de Monitoramento da Qualidade do Ar nos Estados. Os investimentos não foram realizados e a situação continua a mesma até os dias atuais.
Segundo o Grupo de Modelagem da Atmosfera e Interfaces (GMAI) do Inpe, as queimadas emitem gases tóxicos como o monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxidos de nitrogênio (NOx), ozônio (O3) e material particulado (MP 2,5) – esses gases prejudicam a saúde da população.

O aquecimento global

Fumaça de queimada urbana no bairro Colônia Antônio Aleixo, em Manaus (Euzivaldo Queiroz/A Crítica)

O biólogo Divino Vicente Silvério, do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), fala sobre os impactos do fogo sobre as florestas, onde existe muito mais material para queimar, e consequentemente se transformar em gás carbônico, do que as áreas abertas.

“Quando o fogo entre na floresta e você tem mortalidade de árvores, essa biomassa que estocada fica comprometida, vai virar CO2 e vai ser emitido para a atmosfera”, explica. “Isso representa aumento na concentração de CO2 e isso é uma contribuição para mudanças climáticas”, completa.

Divino Silvério ressalta que os impactos na floresta continuam mesmo após a passagem do fogo. “Você tem emissões a curto e a longo prazo”, salienta. Além do material queimado, o fogo mata árvores e afeta a composição da floresta, o que também significam aumento na emissão de gases ao longo do tempo.

Ele lembra que o fogo deixa também a floresta mais vulnerável a outros impactos, como os ventos. “Essa floresta fica mais vulnerável ao fogo, porque você tem uma abertura maior no dossel (copas das árvores), o combustível vai ficar mais seco”, destaca. “Ao longo do tempo, essa vai ser uma floresta mais vulnerável a recorrentes incêndios e a outros processos como tempestades e ventos.”

Um estudo publicado em outubro na revista científica Nature Communications por pesquisadores do Inpe afirma que incêndios florestais na Amazônia são responsáveis por emitir 1 bilhão de toneladas de gás carbônico para a atmosfera por ano. Este valor é mais da metade do estimado com o desmatamento no país.

O estudo se baseou em períodos de seca severa na Amazônia, ocorridas em 2005, 2010 e 2015, anos em que foram registrados também grandes ocorrências de queimadas na região.

O estudo confirma que as queimadas intensificam o aquecimento global e afetam compromissos assumidos pelo Brasil de zerar as emissões de Carbono até 2030. “Quando você não controla o fogo, é um fator a mais que vai contribuir para essa emissão. É um fator a mais que vai dificultar o Brasil a atingir as metas.” (#Envolverde)