Mais de 140 organizações da sociedade civil apelam ao poder público por ações urgentes e emergenciais para colocar a vida e a dignidade humana em primeiro lugar
Demandas incluem a criação de comitês emergenciais para o combate à fome, a adequação do Pnae a situações de calamidade, a recomposição imediata do orçamento da saúde, a garantia do abastecimento alimentar e a rápida implementação da Renda Básica Emergencial
Diante do contexto da pandemia global provocada pelo novo coronavírus (Covid-19), mais de 140 entidades civis de todas as regiões do país publicaram um apelo para que o direito à saúde e à alimentação da população brasileira seja respeitado, protegido e garantido. O documento conjunto apresenta uma série de propostas de combate à fome a serem implementadas, em caráter urgente e emergencial, pelos governos nas esferas federal, estadual e municipal.
Assinadas por fóruns, redes, articulações, movimentos e organizações da sociedade civil, as proposições incluem:
- Revogação imediata da Emenda Constitucional (EC 95), que congelou gastos sociais por 20 anos, desde 2016;
- Recomposição imediata do financiamento de saúde, com base nos mínimos constitucionais definidos antes da EC 95;
- Criação de Comitês de Emergência para o Combate à Fome no âmbito dos estados e municípios;
- Interrupção de todos os despejos e reintegrações de posse, coletivos e individuais, em áreas rurais e terrenos urbanos;
- Continuidade e adequação das estratégias do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), por meio da distribuição direta de alimentos às famílias;
- Expansão de programas de transferência de renda e seguridade social, como a imediata expansão do Programa Bolsa Família (PBF) e a rápida implementação da Renda Básica Emergencial, aprovada pela Câmara dos Deputados;
- Continuidade, ampliação e adequação da distribuição de alimentos pelos Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional e Cestas, utilizando os restaurantes populares, bancos de alimentos, cozinhas comunitárias e unidades de distribuição da agricultura familiar, com todas as adaptações e cuidados necessários;
- Garantia do abastecimento alimentar, por meio da manutenção do funcionamento das Ceasas, do controle do preço dos alimentos e da retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da agricultura familiar, associada à distribuição de cestas básicas;
- Políticas de emergência para a agricultura familiar e pescadores/as artesanais, fundamentais para o abastecimento de Comida de Verdade à população brasileira, para além da geração de renda e produção para a subsistência;
- Garantia de políticas de proteção e defesa do direito à alimentação e saúde de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, por meio da suspensão de quaisquer tentativas de despejo em retomadas dos territórios de ocupação tradicional, e o fortalecimento do subsistema de saúde indígena.
Ao lado dessas prioridades, o documento repudia a Medida Provisória (MP) 927 da Presidência da República e se soma à campanha da Rede Brasileira de Renda Básica. Algumas proposições já encontram eco em medidas em andamento, como o Projeto de Lei 886/2020, que institui ações de amparo aos agricultores familiares; e a proposta de alteração na Lei 11.947/2009 para adaptar o Pnae a situações de calamidade.
“São urgentes medidas que cheguem aos mais vulneráveis à fome”, alerta a ex-presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) Elisabetta Recine, integrante do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional. “A sociedade civil brasileira vem nos últimos anos denunciando e mobilizando esforços contra medidas que paralisaram programas estratégicos de enfrentamento das desigualdades.”
“Para além da distribuição dos produtos da alimentação escolar às famílias dos alunos, há iniciativas relevantes dos governos locais”, acrescenta a relatora nacional de direitos humanos da Plataforma Dhesca, Mariana Santarelli, que também integra o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN). “Entre os exemplos estão os Restaurantes Populares do Rio de Janeiro distribuindo quentinhas à população de rua; as famílias com crianças em creches públicas do Distrito Federal que receberão um cartão para compra de alimentos; e o caso do Paraná, que está montando uma estratégia intersetorial para a distribuição de cestas a partir de compra direta da agricultura familiar e das redes de agroecologia. Mas ainda é muito pouco. O governo federal precisa transferir renda.”
As organizações atentam para a chegada do novo coronavírus em um momento de estagnação econômica, desmonte dos sistemas de saúde e proteção social e aumento acelerado da pobreza e da extrema pobreza. O texto ressalta, ainda, que a população negra e afro-brasileira, os povos indígenas, os/as que vivem em regiões favelizadas e periféricas e as mulheres de forma geral sofrerão impactos ainda mais graves.
“As consequências da pandemia por si só são graves e serão ainda piores se não houver urgência nas medidas que priorizem os mais vulnerabilizados”, comenta Elisabetta Recine.
A manifestação se insere no processo de mobilização e organização da Conferência Nacional Popular e Democrática por Direitos, Democracia, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
(#Envolverde)