Sociedade

Mogi das Cruzes planeja Plano Cicloviário para reduzir acidentes com ciclistas

Por Renan Omura* – Especial para Agência Envolverde –  

Nas principais vias onde mais acontecem sinistros com ciclistas,  prefeitura alega inviabilidade técnica para proteger quem se transporta por bicicletas. Foram 178 ocorrências desde 2019. 

A vendedora Mel Maia, 44, mora em Jundiapeba, bairro de Mogi das Cruzes, cidade de 420 mil habitantes localizada na Grande São Paulo e usa a bicicleta diariamente para chegar ao trabalho na cidade vizinha, em Suzano, distante oito quilômetros da casa dela.

Metade do trajeto ela tem que fazer pela avenida Lourenço de Souza Franco, a SP-66, via que liga as duas cidades mas que não possui qualquer sinalização ou infraestrutura para o tráfego de ciclistas.

No ano passado, dois ciclistas morreram nessa avenida e outros dois ficaram feridos e, só no primeiro semestre de 2021, mais seis sinistros não-fatais aconteceram por lá com quem pedala.

“Eu tenho muito medo, pois os caminhões e os carros passam pertinho. Falta estrutura nesse trecho. Não tem ciclovias e boa parte dos motoristas não têm respeito”, desabafa a vendedora, que prefere usar a bicicleta como modo de transporte por ser mais econômico e dar mais flexibilidade à rotina do dia a dia.

Naquela região da cidade, a única infraestrutura cicloviária existente fica na avenida das Orquídeas, via inaugurada em 2019 e que corre paralelamente à Lourenco Franco. Poderia ser uma alternativa para Mel pedalar em segurança, mas a faixa exclusiva para bicicletas além de não possuir conexão com nenhuma outra ciclovia, não chega em Suzano e não tem iluminação.

“Eu saio bem cedo pra trabalhar e volto à noite. Tenho medo de passar por lá sozinha e sofrer alguma violência. Por isso não uso a ciclovia”, explica a vendedora.

Mel Maia: medo constante – Crédito: Arquivo pessoal

 

 

 

 

 

Outro ciclista que evita pedalar na ciclovia da avenida das Orquídeas por causa da falta de segurança pública é Asael Brandão, 39, integrante dos coletivos de ciclistas Força no Pedal e Jesus no Pedal. “São várias ocorrências de roubo de bicicletas nesse trecho. As pessoas não conseguem pedalar tranquilamente por lá”, relata.

Ele sabe que Mogi das Cruzes não é segura para pedalar e acredita que o alto número de sinistros envolvendo ciclistas está relacionado à falta de respeito por parte dos motoristas. “Eles querem que os ciclistas não pedalem na rua mas, muitas vezes, invadem as ciclovias e não nos respeitam. Por outro lado, é importante lembrar que os ciclistas também não podem ser imprudentes”, pontua.

Vice-campeã em ocorrências no Alto Tietê

Segundo levantamento feito pelo Infosiga, a plataforma do governo estadual que monitora as ocorrências de trânsito em 645 municípios de São Paulo, de janeiro de 2019 a julho de 2021, as ruas e avenidas de Mogi das Cruzes causaram 16 óbitos de ciclistas. Outros 162 se envolveram em sinistros sem fatalidade.

Com tais números, a cidade é a vice-campeã em mortes e lesões de ciclistas em toda a região do Alto Tietê, perdendo apenas para Guarulhos, que possui 1,39 milhão de habitantes (quase três vezes mais que Mogi). Ambas cidades empatam em número de óbitos (16 para cada), mas em Guarulhos aconteceram 310 sinistros não-fatais com usuários de bicicleta no mesmo período.

Mogi das Cruzes tem uma das maiores taxas de uso de bicicletas para locomoção entre as cidades da Região Metropolitana de São Paulo, com 1,5% de acordo com a Pesquisa Origem-Destino da Companhia do Metropolitano de São Paulo, tabulada pela Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade). A média das outras cidades da região é de 0.9%. A pesquisa foi realizada em 2017 e traz hábitos de transporte da população.

Há outras duas avenidas problemáticas na cidade para o trânsito de ciclistas. No mesmo período, a avenida Japão apresentou um óbito e 11 sinistros não-fatais e a avenida Francisco Ferreira Lopes,  12 ocorrências não-fatais.

Apesar da alta taxa de ocorrências, nenhuma das três avenidas tem algum projeto ou iniciativa da prefeitura para diminuir a sinistralidade envolvendo ciclistas. Em nota enviada para a reportagem, a assessoria de imprensa do governo municipal do prefeito Caio Cunha (Podemos) explicou, inclusive, que as avenidas Francisco Ferreira Lopes e Lourenço de Souza Franco, por conta das características, não possuem viabilidade técnica, no momento, para implantação segura de estruturas cicláveis.

Subida íngreme, rotas alternativas

Para o engenheiro civil e mestre em transporte pela Universidade de São Paulo (USP), Creso de Franco Peixoto, 64, a construção de ciclovias e ciclofaixas  nem sempre são suficientes para garantir a segurança dos ciclistas. Na avenida Japão, por exemplo, o engenheiro descartaria uma ciclovia por conta do terreno íngreme.

Avenida Japão: Foto – Renan Omura

 

 

 

“Nesse trecho, o ciclista tem uma tendência de aumentar a velocidade por conta da descida. Esse fator, junto com a falta de atenção dos motoristas, torna os acidentes quase inevitáveis”, explica.

Na opinião do engenheiro, a solução para diminuir as mortes e lesões de ciclistas nas avenidas de Mogi está nas mãos da prefeitura. Cabe ao governo municipal indicar vias alternativas aos ciclistas e estudar a instalação de ciclovias segregadas, com restrição de circulação viária em trechos perigosos.

Fonte: Infosiga

Plano Cicloviário em estudo

Mogi das Cruzes possui uma rede cicloviária de 32 quilômetros de extensão e é uma das poucas da região a possuir um Plano de Mobilidade (PlanMob), obrigação para municípios acima de 20 mil habitantes instituída pela a Lei Federal nº 12.587/2012. Como desdobramento da lei, a gestão municipal está elaborando um Plano Cicloviário para implantar outros 30 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas. O documento conta com a colaboração de cicloativistas.

Jair Pedrosa, 62, um dos fundadores do coletivo BiciMogi, é um deles. Recentemente, enviou uma carta aberta à Secretaria de Transporte sugerindo melhorias para o trânsito de bicicletas. No texto, sugere a instalação de ciclofaixas emergenciais leste-oeste, ligando o bairro Cézar de Souza, em Mogi, com o município de Suzano.

“Criamos esse texto de acordo com as necessidades dos ciclistas, por isso são apontamentos fundamentais”, afirma Jair. A carta também propõe a construção de bicicletários nos terminais rodoviários e  campanhas educativas no trânsito regulares e eficientes e solicita melhorias na ciclofaixa da avenida Gov. Adhemar de Barros e na ciclorrota da avenida João XXIII, onde ciclistas também são vítimas de violência do trânsito.

Mulheres ensinam a pedalar em segurança

A professora de educação física e ciclista Patrícia Maria da Silva, 42, fundou o Projeto Pedalar em outubro de 2020. A iniciativa busca incentivar o uso seguro da bicicleta como meio de transporte em Mogi das Cruzes e promove encontros às quartas-feiras, a partir das 18h30 na avenida Cívica.

Projeto Pedalar – Divulgação

 

“A ideia do projeto é ensinar o uso seguro da bike.  Falar sobre como usar os equipamentos de segurança, as leis de trânsito e também incentivar as pessoas a pedalarem”, explica.

Para Patrícia, além de um meio de transporte, a bicicleta é uma ferramenta que contribui com inclusão social e na iniciação esportiva dos jovens.

“O ciclismo não é um esporte barato e não é algo acessível na realidade de todos, mas no projeto mostramos à pessoa os benefícios do pedal. Com isso, ela pode criar um interesse pelo esporte”, relata.

Patrícia faz parte da equipe de pesquisadores que estão colhendo dados em campo para a elaboração do Perfil Ciclista 2021. O documento é uma iniciativa da Parceria Nacional Pela Mobilidade em Bicicleta e tem como objetivo compreender quem são as pessoas que usam a bicicleta no Brasil.

Ela é uma das responsáveis pelo mapeamento da cidade de Mogi, e explica que tem notado um aumento significativo no número de ciclistas nas ruas, por isso é fundamental os programas de educação no trânsito.

* Esta reportagem sobre jornalismo de soluções em segurança viária foi incentivada pelo ICFJ – Centro Internacional para Jornalistas e pela Organização Mundial da Saúde.  Mentoria e edição de Rogério Viduedo.