Dia desses, numa pequena floricultura, peço um ramalhete de flores do campo. A dona da loja se desculpa: “Estou com problemas porque os mosquitinhos ainda não chegaram”. O apelido se deve ao tamanho diminuto da flor, embora seu nome seja um tanto mais imponente: Gipsofila. Respondo que não faz mal e espero o ramalhete ficar pronto. Que diversidade de cores, quantas nuances, quantas formas, que coisa fascinante todas elas juntas! Mas, faltava mesmo alguma coisa! Nunca havia me dado conta do quanto aquelas micro florzinhas brancas compõem a beleza de um arranjo assim.
Mas estou com sorte. Uma perua estaciona à porta, chegaram, enfim, os mosquitinhos. Ficou mesmo lindo o buquê, para não dizer, perfeito. Me fez pensar, então, nas bilhões de pessoas diferentes entre si que existem no mundo. Qual delas, ou qual de nós, deve ser deixado de fora do imenso arranjo composto por tantas expressões humanas? E sob quais parâmetros a exclusão de alguém poderia ser justificada? O fato de não encontrarmos respostas justas para questões assim, já pode ser o início de uma boa reflexão.
Com uma visão mais consumista que sensível, somos levados, muitas vezes, a focar nossa atenção sobre as deficiências de alguém, em lugar de focar em suas potencialidades. Alguém só tem um desempenho deficiente se comparado a outro que não o tem. Mas, se for comparado apenas com o que ele conseguiu fazer ontem ou há uma hora, aí temos uma conquista. Neste ponto, vale reconhecer o hábito americano de desejar sucesso a alguém dizendo: “Do your best!”, balizando o melhor de uma pessoa em relação apenas ao seu propósito pessoal de desafiar suas próprias capacidades.
Nossa humanidade será tão mais evoluída quanto nossa capacidade de nos maravilhar diante do espetáculo da vida e todas as suas manifestações. Porque a vida é vida por si só. Não tem tamanho, não tem idade e muito menos deficiências, esteja ela pulsando na mais influente pessoa do mundo ou numa formiga.
E não é nada difícil ensinar sobre isso às crianças porque, na verdade, elas é que nos ensinam muito. Quando uma criança se encanta com uma formiga, ela está encantada por ver a vida acontecendo num ser quase invisível de tão pequeno, um ser que se move, respira, sente, busca, se defende e que tem conexão com outras vidas, uma criatura movida por essa substância impalpável que toda a inteligência humana somada não consegue produzir.
Pensando, além disso, nos concursos e competições, ambos têm seu mérito, principalmente quando se propõem, quando imparciais, a revelar talentos ou por estimularem pessoas a desafiar seus próprios limites. Porém, existem também as mostras, e estas talvez façam mais sentido com o respeito às diferenças por permitirem aos participantes mostrar o seu melhor, livres do peso das comparações e exclusões consequentes. Como diria a Educadora Lydia Hortélio, “Ninguém nasceu para ser isto ou aquilo, a gente nasceu para ser gente e viver a vida em plenitude e liberdade”.
Temos oceanos de tamanhos descomunais, com poderes de devastação inimagináveis e, no entanto, ao chegar à praia de uma cidade, eles sequer atravessam a avenida. Temos um sol com milhões de graus que não nos carboniza, entre tantos outros fenômenos que assistimos todos os dias tanto no planeta como além dele. No entanto, grande parte da humanidade ainda acredita ser superior à outra e reluta historicamente em tolerar as diferenças numa ausência de humildade tola e espantosa ao mesmo tempo.
Relembrando as palavras de Raffi Cavoukian no filme O Começo da Vida, de Estela Renner, “Se mudarmos o começo da história, mudamos a história toda”, o mesmo vale para a compreensão do valor e do potencial de desenvolvimento de cada pessoa, de cada criança principalmente. Ampliando nosso entendimento sobre o valor da vida e a beleza da diversidade, o sonho da acessibilidade universal se torna um compromisso efetivo em todas as esferas da sociedade, mudando a história de milhões de pessoas e o futuro da própria raça humana.
(*) Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Alana.