por Washington Novaes*
Tem estado farto nas últimas semanas o noticiário de jornais e da televisão sobre dramas brasileiros em matéria de saúde, especialmente sobre as carências que enfrentam 75% das pessoas (mais de 150 milhões) que dependem dos serviços públicos na área. Segundo o Conselho Federal de Medicina, nada menos que 23.565 leitos exclusivos do Sistema Único de Saúde (SUS) deixaram de existir entre dezembro de 2010 e dezembro de 2015 – média de 13 leitos por dia. No mesmo período, a rede privada de leitos aumentou 2.210 (O Popular, 18/5). E as maiores reduções ocorreram em alguns dos setores em que a demanda é maior: redes de obstetrícia, psiquiatria, pediatria cirúrgica e cirurgia em geral.
Na rede de 335,5 mil leitos, as maiores perdas aconteceram no Nordeste, onde são maiores as carências – lembrando que apenas 505 municípios brasileiros entre os 5.570 dispõem de UTIs. O novo ministro da Saúde chegou a dizer (Folha de S.Paulo, 17/5) que em algum momento o País não conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante – como o acesso universal à saúde – e que será preciso repensá-los. Teríamos de “repactuar, como aconteceu na Grécia, que cortou as aposentadorias, e em outros países que tiveram de redefinir as obrigações”, porque não há capacidade suficiente que permita suprir todas as garantias constitucionais. Já há até um grupo de trabalho que estuda mudanças na legislação sobre idade mínima para aposentadoria (que passaria para 65 anos).
Felizmente, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, garantiu poucos dias depois (Estado, 21/5) que o governo não estuda modificações em direitos dos trabalhadores. Mas o ministro da Fazenda admitiu que 65 anos seriam uma boa idade mínima para aposentadorias. E o Superior Tribunal de Justiça informou que vai decidir (Migalhas, 23/5) se é válido um aumento da mensalidade do plano de saúde por faixa etária do usuário.
Adversários de mudanças que atinjam os usuários argumentam que a União tem reduzido os recursos para o sistema de saúde. Em 1992, o governo federal entrou com 72% do total, os Estados com 12% e os municípios com 16%. Em 2013 já foi para 43% a parcela da União, 25% a dos Estados e 32% a dos municípios. O País gasta na área apenas 4,5% do seu Produto Interno Bruto (PIB), apesar das fortes carências, enquanto a Noruega, com muito menos problemas, usa 9,7% e a Grã-Bretanha, 9,1%. A saúde gastou R$ 1,2 bilhão na Justiça em 2015, provavelmente por não atender a toda a demanda. Agora, fala-se em limitar as despesas na área aos índices inflacionários máximos (FP, 25/5).
Há outros números sobre a mesa. O Sudeste e o Sul do País dispõem de 154 especialistas em várias áreas por 1 mil habitantes; o Norte, três vezes menos. No conjunto do País, são 119 por 1 mil; no Norte, 50; no Sul, 145; no Centro-Oeste, 134; no Nordeste, 68; no Distrito Federal, 275 (saúde.gov.br, 29/4). São números que evidenciam a desigualdade de atendimento por habitante, da mesma forma que os números nacionais por especialidade: 7 anestesiologistas por 1 mil; 6 obstetras por 1 mil; e 4,5 psiquiatras por 1 mil.
Em algumas áreas, continuam a ser altos os números de doentes por área – embora a incidência de tuberculose no País tenha caído 20,2% em uma década, de 38,7 casos para cada 100 mil habitantes, em 2006, para 30,9, em 2015, e em 2015 ainda tenham ocorrido 63.189 casos novos (foram 72.213 em 2006).
Com frequência, especialistas no setor argumentam que o governo federal tem critérios muito diferentes – e injustos – quando se comparam os gastos na saúde em geral com os benefícios destinados ao setor empresarial, que estão em R$ 270 bilhões/ano – quase 10 vezes os gastos com o Bolsa Família e mais que o dobro do déficit primário da União (Estado), de R$ 120 bilhões. Os benefícios ao setor empresarial incluem subsídios, desonerações e regimes tributários diferenciados para portos, indústrias químicas, setor do petróleo, fabricantes de equipamentos, agronegócio e agricultura em geral, entre outros. Os benefícios em geral para todos os setores, públicos e privados, equivalem a R$ 385 bilhões (Fundação Getúlio Vargas, maio).
Merece um capítulo à parte a questão de mortes prematuras por causa da degradação ambiental, que, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma, 23/5), é uma “grave ameaça para a saúde pública global”. A contaminação do ar, o clima, resíduos de produtos químicos, microplásticos, enfermidades transmitidas por animais e outras “são um perigo para a saúde humana”. Provocam 230 vezes mais mortes prematuras que os conflitos armados a cada ano. E o impacto ambiental pode levar à morte um quarto das crianças que falecem antes dos 5 anos de idade.
Diz Achim Steiner, do Pnuma, que em 2012 foram 12,6 milhões de mortes por causas ambientais – 23% do total, das quais 28% no Sudeste da Ásia, 23% na África Subsaariana, 22% no Mediterrâneo Oriental, 11% entre os membros da OCDE e 15% nas Américas. Os dados sobre as causas de morte são muito fortes: contaminação do ar, 7 milhões de pessoas por ano; falta de água potável e de saneamento, 842 mil mortes anuais; diarreias, terceira maior causa de morte entre crianças de até 5 anos; 4,1 milhões de feridos em desastres climáticos; 107 mil mortes por ano pela exposição ao amianto e 645 mil, ao chumbo.
O relatório informa, ainda, que a retirada de circulação de quase 100 substâncias que afetam a camada de ozônio pode evitar 2 milhões de casos de câncer de pele e muitos milhões de cataratas oculares até 2030. A eliminação do chumbo da gasolina pode trazer benefícios de US$ 2,45 bilhões por ano (4% do PIB) e evitar 1 milhão de mortes prematuras por ano. A redução do metano e do carbono na atmosfera pode significar 2,4 milhões de vidas poupadas até 2030.
São dados impressionantes. Mostram o quanto ainda precisamos a avançar – e quão pouco fazemos em tantas áreas.
*Washington Novaes é jornalista
E-mail: [email protected]
Originalmente publicado em O Estado de S.Paulo