Sociedade

O que as crianças estão aprendendo sobre o amor?

Por Maria Helena Masquetti*, especial para a Envolverde – 

Ver jovens à beira de uma crise emocional, devido a decepções amorosas, é sempre preocupante. Porém, me preocupa, sobremaneira, quando alguns deles mesclam, na queixa, a perda do conforto material de que desfrutavam ao lado do ser “amado”. Obviamente, conforto é bom, porém, até onde nos contam (ou contavam?) as histórias de amor, os bens materiais do outro não computam como motivo para a desolação da pessoa preterida. O fim das viagens de férias, dos jantares glamourosos, das festas e dos presentes caros chega a ser, muitas vezes, mais lamentado do que o afastamento da pessoa em si. Isso quando, por fim, alguns não admitem que não fosse o poder aquisitivo da pessoa amada, provavelmente não teriam se “apaixonado” por ela.

Outro aspecto não menos surpreendente é o grau de naturalidade presente em tais queixas, dando a entender que o poder aquisitivo de alguém pode ser levado em conta na avaliação de sua qualidade humana. O caminho investigativo da origem de tal confusão de sentimentos geralmente leva de volta à infância da pessoa preterida em meio às suas relações parentais. Porém, pelo modo incisivo como o marketing vem atuando ano após ano, indagar também sobre os hábitos de consumo na infância de quem procura ajuda em casos assim pode encurtar o caminho da investigação até o ponto onde teria se instalado, na criança, a crença de que objetos podem substituir o amor.

Observando bem, tal distorção do sentido do amar combina com a tática comercial de se atrelar aos produtos anunciados o conceito de felicidade e legitimá-los como forma de as pessoas expressarem carinho umas pelas outras. Isto sem contar o fato do marketing falar diretamente com as crianças, ignorando-lhes a condição de incapazes perante a lei, contrariando, assim, a própria Constituição Federal que, entre tantas garantias (art. 227), assegura que as crianças devem ser colocadas a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Considerando que, por estarem em desenvolvimento, as crianças acreditam no que ouvem e veem e constroem sua identidade com base nos dados que observam e na educação que recebem, é urgente protegê-las do bombardeio comercial diário que tanto busca associar, para elas, comprar com amar.

Nem sempre atentos a isso e acreditando estar fazendo o melhor, muitos pais, cuidadores e responsáveis se ausentam por um tempo maior do contato com suas crianças, justamente em busca de mais recursos para atender aos inúmeros pedidos que elas fazem. Pedidos esses nem sempre oriundos de seus anseios infantis genuínos, mas sim implantados nelas pela avalanche de apelos comerciais presentes nas telas das TVs, sites, aplicativos, jogos e canais de entretenimento cada vez mais focados em vendas, e grande parte deles apresentados por crianças ainda bem pequenas.

E como uma armadilha geralmente leva à outra, é comum também a muitos passarem em alguma loja de conveniência na volta do trabalho a fim de levar alguma “coisinha” para os pequenos como forma de compensá-los por suas ausências. Por serem a autoridade máxima na vida de suas crianças, acabam eles próprios legitimando nelas a ideia de que os objetos têm o poder de substituir o afeto que não puderam lhes dar durante o dia.

Literalmente como quem contrai uma dívida para quitar outra, há também os que se atolam em prestações, antevendo a alegria dos filhos ao ganharem um brinquedo ou acessório de moda cujo valor, de forma alguma, seria compatível com o orçamento familiar. Levando-se em conta que viver dentro da própria realidade, seja ela qual for, é essencial para a saúde mental de qualquer pessoa ao dar aos filhos algo incompatível com suas reais possibilidades, muitos arriscam, embora com a melhor das intenções, o próprio equilíbrio emocional dos pequenos.

É compreensível que nem todos podem ficar ao lado de suas crianças o tempo que desejariam, porém, acreditar no poder de suas palavras, no calor de seu contato e aproveitar cada momento juntos é o que mais importa para a formação humana delas. Protegê-las do assédio midiático e ajudá-las, desde cedo, a valorizar o amor e respeitar os próprios sentimentos é dar-lhes a chance de construir relacionamentos saudáveis e preenchê-las com os bens mais caros do mundo, sem ter que pagar um tostão por isso.

(*) Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Alana.