De junho para cá, assistimos ao reacender dos debates sobre o retorno das aulas presenciais nas escolas, após a paralisação das atividades presenciais por conta da pandemia.
Em um país com a dimensão do Brasil, com 26 estados em fases diferentes da Covid-19 em cada cidade, abordar a volta às aulas é um desafio enorme, porque estamos falando, segundo dados da Undime, de 38,7 milhões de estudantes (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos) da rede pública de educação básica e 9,1 milhões de estudantes na rede privada, além de 2,7 milhões de docentes e cerca de 2 milhões de profissionais de apoio à atividade educacional que voltarão a circular nas ruas.
No início do período de distanciamento social, estados e municípios, em sua maioria, deram férias antecipadas para os alunos e, junto aos docentes, iniciaram uma verdadeira saga de adaptação ao ensino remoto. Diversas estratégias entraram em jogo: TVs públicas, rádios, grupos de whatsapp, cartas, entregas por correio, busca ativa pelas famílias.
Passada essa primeira fase, a pergunta que fica agora é: quando e como retomar as aulas presenciais? O que será preciso fazer? Qual a infraestrutura e quais os cuidados necessários? O que isso significa em termos de aumento no orçamento para os estados e municípios? Será que os municípios poderão contar com orçamento complementar por parte da União, se ainda não foi aprovado um novo Fundeb? Como resguardar os funcionários e estudantes, assim como seus familiares? Como estruturar o transporte escolar nesta situação?
Ansiedade e depressão
Uma pergunta que se soma a tantas outras é: como as crianças estarão quando puderem retornar para as escolas?
Muitos especialistas acreditam que ansiedade e depressão são alguns dos sintomas que podem se estender ao longo do tempo como resultado do estresse tóxico, conforme estudo que faz análise dos impactos do isolamento social e seus efeitos na saúde mental e no desenvolvimento infantil.
Mais do que nunca, é importante pensarmos que cuidado e educação devem andar juntos e compreendermos que as medidas sanitárias devem estar associadas à qualidade das propostas pedagógicas. Nesse cenário, a natureza pode ser uma importante aliada, promovendo aumento da imunidade, vitalidade e bem-estar para as crianças, que chegarão às escolas com os corpos e os espíritos ávidos por movimento e acolhimento.
Experiências ao ar livre
Considerando os benefícios que o contato com a natureza traz para a saúde das crianças, por que não pensar em aliar a volta às aulas com experiências de aprendizado ao ar livre?
Além de não sobrecarregar os espaços internos das escolas e estimular a dispersão e distribuição dos alunos, facilitando o distanciamento social, há os benefícios imediatos que essa vivência pode trazer aos estudantes: o aumento da vitamina D pela exposição ao sol, que fortalece a imunidade e é também uma forma de acolhimento de corpos confinados que carecem de movimento em áreas abertas, promovendo bem-estar, tanto dos estudantes quanto dos educadores e educadoras.
Em 1904, durante o surto de tuberculose, houve próximo a Berlim, na Alemanha, a primeira experiência de escolas ao ar livre como medida de redução do risco de transmissão da doença. Essas experiências foram ampliadas depois da Segunda Guerra Mundial em alguns países da Europa, como Inglaterra e França.
Essa referência voltou ao debate na pandemia que estamos atravessando, pois assim como na transmissão de tuberculose, o contágio do coronavírus ocorre principalmente pelas vias aéreas, e a medida de aulas ao ar livre evita a concentração de pessoas em locais fechados reduzindo, assim, o risco de transmissão.
Estudos do professor e imunologista da Faculdade da Universidade de Massachusetts Dartmouth, Erin S. Bromage, corroboram para essa estratégia. O autor do artigo aponta que a transmissibilidade do coronavírus está relacionada não só à distância em relação aos perdigotos de uma pessoa infectada, como também ao tempo de exposição ao vírus em ambientes fechados.
Ainda que se tenha muitas dúvidas em relação a transmissão do Covid-19, o estudo indica que, ao ar livre, o vírus tende a se dissipar de maneira muito rápida. Em entrevista à BBC, ele afirma que, em ambientes abertos, “quando uma pessoa doente espirra, os germes se dissipam muito rapidamente”. E acrescenta que “o vento e o espaço diluem a carga viral, e a luz solar, o calor e a umidade também podem afetar a sobrevivência viral”.
Os parques de Mário de Andrade
Alguns países têm levado em consideração a referência histórica das escolas ao ar livre para retomada das aulas pensando, literalmente, fora da caixa. Com destaque para a Escócia e a Dinamarca, na Europa, onde estão sendo tomadas medidas para que, na retomada às aulas, principalmente para as crianças menores, se leve em consideração experiências de aprendizado ao livre como medida preventiva, associada a outras medidas sanitárias, como a higienização constante das mãos.
Com recursos simples como pranchetas, quadro branco e uso de bancos e mesas para piquenique em parques da cidade ou pátios escolares, os estudantes podem fazer trabalhos e lanches em pequenos grupos, facilitando o distanciamento social. A realização de aulas ao ar livre também faz parte das recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria para esse momento.
Além dessas experiências internacionais, também temos como referência os Parques Infantis criados por Mário de Andrade quando ele atuou na prefeitura de São Paulo (1935-1938). Os Parques Infantis foram experiências de educação ao ar livre que levavam em conta o cuidado com o desenvolvimento integral da criança e contavam até com atendimento à saúde.
A educação integral da criança é uma premissa garantida na Base Nacional Comum Curricular, e esse conceito preza que o conteúdo curricular contemple as diferentes dimensões do ser humano (física, emocional, cognitiva e social). Assim, cuidar para que todos esses aspectos sejam considerados na retomada é fundamental.
Qual o momento certo de voltar às aulas?
Como apontam as recomendações elaboradas pela Undime e Consed, a decisão da retomada das aulas presenciais deve ser planejada por comissões intersetoriais que envolvam os órgãos da saúde e da assistência social. É preciso um trabalho em parceria entre diferentes órgãos e instituições.
Por que não incluir as áreas de urbanismo e meio ambiente para viabilizar o uso de espaços ao ar livre para o acolhimento das crianças durante o retorno da volta às aulas? Já que os parques estão fechados ao público, não poderiam ser utilizados pelas crianças na volta às aulas?
É preciso um trabalho intersetorial que leve a sério o que a Constituição brasileira de 1988 aponta em seu artigo 227: que o cuidado com a criança deve ser prioridade absoluta de toda sociedade. É preciso pensar, com muito cuidado, qual o momento certo de volta às aulas levando em consideração, entre outros fatores, o melhor interesse da criança, garantido também pela Convenção Internacional dos Direitos das Crianças.
Publicado no site Conexão Planeta em 17 de julho de 2020
Fotos: Acerto Itaú Cultural e Domínio Público (3)
Mestre em educação pela Universidade de São Paulo, com pesquisa sobre infância indígena. Atuou cerca de 10 anos no Parque do Xingu por meio do Instituto Socioambiental. É co-diretora do curta metragem Waapa, realizado em parceria com o Projeto Território do Brincar. É assessora pedagógica do Programa Criança e Natureza do Alana. Mãe da Nina e Luana.
#Envolverde