Nairóbi, Quênia, 21/10/2014 – O HIV/aids representou um enorme desafio para a ciência ao fazer milhões de vítimas fatais na África nas três últimas décadas. Mas agora os especialistas acreditam ter encontrado a fórmula mágica para em 15 anos acabar com a epidemia como ameaça à saúde pública. Os números mágicos são 90-90-90 e se baseiam na crescente evidência clínica de que o tratamento contra o HIV (vírus da deficiência imunológica humana), causador da aids (síndrome da deficiência imunológica adquirida), é uma forma de prevenção, porque, com a prescrição de antirretrovirais aos pacientes, se reduz as novas infecções.
Os novos objetivos para o tratamento contra o HIV/aids até 2020 são: 90% de todas as pessoas com HIV estarão diagnosticadas; 90% das pessoas diagnosticadas receberão antirretrovirais; 90% das pessoas tratadas com antirretrovirais conseguirão uma supressão duradoura da carga viral no organismo.
A estratégia 90-90-90, anunciada pelo Programa Conjunto das Nações Unidas Contra a Aids (Onusida) no começo deste ano, busca frear a propagação do vírus até 2020 e pôr fim à epidemia até 2030. É o plano mais ambicioso para eliminar o HIV/aids, mas factível, segundo a especialista Lucy Matu, diretora de serviços técnicos da Fundação Elizabeth Glaser para a Aids Pediátrica, no Quênia.
Matu explicou à IPS que 72% dos portadores do HIV são diagnosticadas no Quênia, e 76% dos 880 mil adultos e crianças com o vírus recebem antirretrovirais, segundo os últimos dados de abril deste ano. O Quênia se aproximará do objetivo 90-90-90 se implantar a diretriz divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2013, que aumenta de 350 para 500 a quantidade de células do sistema imunológico CD4, abaixo da qual deve se iniciar o tratamento, acrescentou. Essas células são as encarregadas de lutar contra as infecções no organismo.
Matu explicou que, como será ampliado o direito a receber o tratamento, “aumentará o número de pessoas que recebem antirretrovirais em 250 mil a 300 mil, 90% dos que necessitam deles e, naturalmente, mais pessoas começarão a receber atenção médica”. As pautas da OMS se baseiam nos benefícios clínicos de começar o mais cedo possível a receber esse medicamento. Os pacientes têm melhor estado de saúde e evitam as infecções oportunistas, como pneumonia, meningite e tuberculose.
O Quênia não é o único país que caminha para conseguir os ambiciosos objetivos 90-90-90. Em Botswana, que tem a maior prevalência de HIV entre adultos depois da Suazilândia, mais de 70% das pessoas com o vírus da aids recebem antirretrovirais.
Todos os países da África oriental e meridional adotam as novas pautas, disse à IPS Eleanor Gouws-Williams, assessora de informação estratégica da Onusida. Malawi, Ruanda, Uganda, Suazilândia e Zâmbia estão “terminando de elaborar suas pautas nacionais, enquanto outros, como a África do Sul, pretendem implantar as normas partir do ano que vem”, acrescentou. Gouws-Williams considera que o plano 90-90-90 é alcançável.
Só metade das pessoas com HIV que residem na África subsaariana têm diagnóstico, segundo a Onusida, por isso o primeiro passo será conseguir que sejam feitos exames. Estudos no Quênia e em Uganda demonstraram que incluir o exame de HIV nas campanhas de saúde se traduziu em um aumento da cobertura em 86% e 72%, respectivamente.
Mas os especialistas alertam que os objetivos pretendem muito mais do que administrar antirretrovirais a um grande número de pessoas. A chave é alcançar a supressão da carga viral. “Em Ruanda, 83% das pessoas que recebiam esse medicamento conseguiram a supressão viral após 18 meses de tratamento”, explicou Gouws-Williams.
No Zimbábue, Agnes Mahomva, diretora no país da Fundação Elizabeth Glaser para a Aids Pediátrica, afirmou à IPS que os objetivos 90-90-90 não são muito ambiciosos para esse país da África meridional. “As grávidas ou mulheres amamentando já são universalmente beneficiárias do tratamento com antirretrovirais por toda a vida, bem como os menores de cinco anos soropositivos, sem importar a contagem de CD4”, explicou à IPS.
Embora numerosos especialistas sejam otimistas sobre alcançar as metas 90-90-90, a ativista de Uganda, Annabel Nkunda, opinou que os objetivos não necessariamente dialogam entre si. Muitos pacientes, “quando começam a receber tratamento, não o seguem pelo estigma”, explicou. Sem um objetivo específico para reduzir o estigma “nenhum tipo de intervenção nos levará a zero HIV/aids”, ressaltou.
Porém, Matu discordou e pontuou que “se uma pessoa conhece seu estado de saúde, é mais provável que receba tratamento. Se recebe antirretrovirais, é mais provável que permaneça no sistema de saúde para o acompanhamento”.
Ainda não é possível estimar quanto gastarão os países para alcançar os objetivos 90-90-90, mas parece haver coincidência quanto a necessitarem de muitos recursos. Já há alguns países africanos que exploram opções de financiamento inovadoras, como o imposto contra aids e fundos fiduciários nacionais para o HIV.
Gouws-Williams apontou que os antirretrovirais são mais acessíveis do que antes. No Malawi custam menos de US$ 100 por pessoa ao ano. Mas igualmente será necessária a assistência dos doadores, especialmente aos cinco países mais pobres, onde o tratamento contra o HIV consome mais de 5% do produto interno bruto: Burundi, Malawi, Moçambique, Lesoto e Zimbábue.
Segundo Matu, alcançar os 90-90-90 exige uma combinação de fatores, um sistema de saúde forte, bom equipamento nos laboratórios, exames clínicos mais baratos e um bom pessoal de saúde. Mahmova acrescentou que é necessário um forte componente comunitário, “porque ali é onde ocorrem gargalos como o estigma, que colocam em risco o tratamento”. Apesar da árdua tarefa que há pela frente, muitos acreditam que a estratégia 90-90-90 escreverá o capítulo final da epidemia da aids. Envolverde/IPS