Crianças e adolescentes são a ponta mais frágil de grandes eventos esportivos e aglomerações de pessoas em geral. Organizações que atuam na defesa de direitos dessa fração da sociedade estão se unindo para garantir sua segurança.
por Redação do GIFE
O Brasil será palco, mais uma vez nos próximos meses, de importantes eventos esportivos: os Jogos Olímpicos, entre 5 e 21 de agosto, e Paralímpicos, de 7 a 18 de setembro, a serem realizados no Rio de Janeiro (RJ) e região metropolitana, além dos municípios que foram sede da Copa do Mundo FIFA 2014 e receberão as partidas de futebol.
Se por um lado megaeventos como estes trazem muitas alegrias para o país – e inclusive melhorias de infraestrutura para as cidades – por outro, podem significar uma ampliação de riscos para os grupos mais vulneráveis, principalmente crianças e adolescentes.
As organizações que atuam na rede de proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes alertam para o fato de que, em contextos de megaeventos, o cenário de violação aos direitos das crianças e adolescentes tende a aumentar. Durante a Copa do Mundo FIFA, em 2014, por exemplo, houve um aumento de 17% nos casos de denúncia de violações de direitos de crianças e adolescentes – mês de junho de 2014 -, se comparado ao mesmo período em 2013 no Disque 100. Esse aumento representa um número de 1.658 denúncias a mais que no ano anterior.
Segundo o estudo “Documentando a violação de direitos de crianças e adolescentes no contexto da Copa do Mundo de 2014 no Brasil (2015)”, desenvolvido pela Universidade de Dundee, em parceria com a PUC Rio, nas cidades do Rio de Janeiro e Recife, foi possível observar não apenas durante a Copa, mas antes e depois do evento, uma série impactos na vida de crianças e adolescentes.
Foram ouvidas diversas organizações da área de direitos humanos, especialmente aquelas ligadas à defesa dos direitos de crianças (13 organizações participantes – entre elas a Childhood Brasil), e ainda grupos de crianças e adolescentes com idades entre 11 e 15 anos residentes em favelas e periferias das duas cidades. Segundo o estudo, as quatro principais violações dos direitos da criança e do adolescente encontradas foram: violência policial e do Exército; remoções; exploração sexual de crianças e adolescentes; e trabalho infantil.
“Existe ainda uma invisibilidade. A violação dos direitos das crianças e dos adolescentes é uma agenda complexa, pois envolve questões sociais e de gênero profundas, com vários tabus que não se falam. As pessoas ainda acham que essas violações acontecem apenas nos locais mais distantes no país ou nos subúrbios. E a realidade não é assim. Trata-se de uma questão de sociedade como um todo que precisamos lidar”, acredita Rodrigo Santini, diretor executivo da Childhood Brasil.
Ação
Com a proposta de ajudar a mudar esse cenário, uma série de instituições se uniram para desenvolver o Projeto Rio 2016: Olimpíadas dos Direitos da Criança e do Adolescente. A iniciativa tem a coordenação da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), com cofinanciamento da União Europeia (UE) e parceria da organização Viva Rio, da instituição italiana ISCOS Piemonte, da Rede End Child Prostitution, Pornography and Trafficking (ECPAT França), dos municípios Porto Alegre (RS) e Rio de Janeiro (RJ) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), além do apoio da Childhood Brasil, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), da ECPAT Brasil, do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, do Cedeca-RJ, do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 e da Rede Mercocidades.
Segundo Geraldo Luzia de Oliveira Júnior, vice-presidente de Esporte da FNP, a proposta do projeto é desenvolver várias ações de proteção integral da criança e do adolescente na prevenção de cinco violações: exploração sexual infantil; trabalho infantil; uso de álcool e outras drogas; crianças em situação de rua; e crianças perdidas e desaparecidas.
“O objetivo do projeto é justamente tornar visível a importância da proteção dos direitos da criança e do adolescente em grandes eventos. A ideia é comunicar à sociedade de que crianças e adolescentes têm direitos justamente por serem crianças e adolescentes Não há números oficiais que comprovem que em eventos de grande porte, como as Olimpíadas, há aumento de casos de exploração de crianças e adolescentes. Mas há um consenso da rede de proteção, formada por órgãos públicos e entidades da sociedade civil, sobre a vulnerabilidade desse público a violações durante os megaeventos. Além disso, momentos como as Olimpíadas são uma grande oportunidade de conscientizar um número maior de pessoas sobre a importância dos direitos”, explica.
O diretor executivo da Childhood Brasil – organização participante do projeto – destaca ainda que esta Olimpíada será a primeira na qual a infância será pauta de uma ação tão ampla, algo fundamental.
Iniciativas
O projeto já iniciou várias ações, como o ciclo de capacitações sobre a proteção de crianças e adolescentes durante as Olimpíadas e Paralimpíadas Rio 2016, oferecida em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A formação é destinada a 640 profissionais que trabalham com o público infanto-juvenil e aborda questões como, por exemplo, o papel de cada órgão e serviço, como o Conselho Tutelar, as Delegacias, as instituições de acolhimento, as ONGs e os serviços da Assistência Social no atendimento a vítimas de agressões e abusos. As formações começaram em maio e vão até o dia 9 de junho.
O projeto prevê ainda a capacitação dos 100 voluntários brasileiros e internacionais, prioritariamente afrodescendentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, que terão a missão de informar e orientar os turistas, durante as Olimpíadas, a respeito do tema.
Geraldo destaca que, para garantir que o resultado desse trabalho se transforme em benefícios para a sociedade, por meio de programas municipais e ações específicas realizadas localmente, um dos eixos do projeto dá ênfase ao fortalecimento e à ampliação da atuação da rede de gestores municipais envolvidos com o tema.
A meta desse grupo, atualmente formado pelas cidades de Fortaleza (CE), Natal (RN), Recife (PE), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Cuiabá (MT), São Paulo (SP), Curitiba (PR) e Manaus (AM), São Luís (MA) e Cariacica (ES), é a de fomentar políticas públicas com foco na proteção integral de crianças e adolescentes.
“O projeto visa ampliar a rede para outras cidades de grande porte que recebam grandes eventos e festas populares. O papel da rede de gestores é a união de experiências positivas e de boas práticas na construção de ferramentas para a melhoria das políticas de proteção integral à criança e ao adolescente. Além disso – e com o apoio da FNP – ampliar a interlocução com a sociedade e diferentes níveis de governo por meio de propostas e encaminhamentos que promovam o fortalecimento da atuação dos setores de promoção dos direitos de crianças e adolescentes nos municípios brasileiros”, destaca.
Uma ampla campanha institucional será veiculada, em breve, via meios de comunicação. A proposta é sensibilizar a sociedade sobre o assunto, esclarecer a população sobre as violações mais recorrentes dos direitos das crianças e adolescentes em grandes eventos, especialmente nas Olimpíadas, e informar qual o fluxo de atendimento e órgãos que deverão ser acionados em caso de violações.
Segundo o diretor da Childhood Brasil, será fundamental o envolvimento de todos os setores da sociedade na disseminação do tema da campanha e, neste contexto, os institutos e fundações que atuam no campo podem muito colaborar.
A expectativa dos parceiros do projeto é que, por meio da campanha, a mobilização e o engajamento da sociedade nacional e internacional na proteção dos direitos da criança e do adolescente em megaeventos transcendam as Olimpíadas e que as ações realizadas no projeto Rio 2016 sirvam de modelo a outras iniciativas voltadas a eventos de grande porte.
Para garantir também esse legado, a Childhooh Brasil está desenvolvendo uma pesquisa com recursos internacionais a fim levantar informações sobre como os megaeventos impactam na violação dos direitos. Um Observatório também estará atuante para compilar dados sobre a infância.
Rodrigo Santini destaca ainda a importância da continuidade destas discussões no dia-a-dia das organizações. “No caso dos investidores sociais, por exemplo, os institutos e fundações precisam levar o tema para dentro de suas mantenedoras. Elas precisam entender o impacto que seus negócios têm para a infância e mitigar os riscos de violações dos direitos das crianças e dos adolescentes”, ressalta.