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A luta por recursos para realizar suas pesquisas faz parte da rotina da grande maioria dos cientistas brasileiros.
Boa parte do tempo é gasto na corrida atrás de financiamento, muitas vezes sem sucesso. Nem por isso eles desistem de realizar seus estudos e de formar novos pesquisadores. Não são raros os que arregaçam as mangas e lançam mão do próprio bolso. Não é a solução ideal, pois limita suas pesquisas — além de causar um rombo no orçamento pessoal —, mas é uma maneira de seguir em frente e progredir na carreira.
Um exemplo é a geóloga Ariadne Marra de Souza, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). “Usei dinheiro próprio em todos os projetos de extensão na área de geodiversidade que coordenei”, conta.
“Todo material impresso e de coleta de amostras, além do deslocamento, foram financiados por mim. Também comprei um projetor multimídia, que utilizo nas minhas aulas e para realizar as palestras nas escolas.”
Ela também teve que fazer isso em dois projetos de pesquisa. Em um, relacionado a prospecção mineral, Ariadne custeou diversos deslocamentos, algumas análises químicas e material de coleta.
Em algumas situações, os alunos também se deslocaram por conta própria, para que pudessem utilizar uma parte do estudo no trabalho de conclusão de curso. “Em outro, sobre paleoambiente, o material para coleta e viagens foram financiados por mim”, diz. “Nesse caso, a universidade concedeu a bolsa de extensão do aluno de graduação.”
Caso parecido é o da bióloga e microbiologista Fabienne Ferreira, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que diz financiar praticamente 100% dos seus projetos de pesquisa e extensão com seu próprio salário.
“Não tenho nenhum tipo de auxílio financeiro governamental ou institucional no momento.”
“Uma parcela do custeio dos projetos vem também de colaborações com outros docentes ou pesquisadores. Isso significa que eles permitem que os estudantes sob minha supervisão, e que estão vinculados aos respectivos projetos de pesquisa, utilizem reagentes e equipamentos de seus laboratórios sem cobrar por isso.”
Até fevereiro, Fabienne estava com seis estudantes sob sua supervisão, cada um com um projeto de pesquisa individual. Eram dois de mestrado (pós-graduação) e quatro estudantes de iniciação científica (graduação).
“Cinco desses trabalhos foram financiados pelo meu salário”, diz.
“Para o outro, conto com auxílio financeiro de uma empresa privada brasileira (start up), mas apenas para compra de reagentes.”
O geólogo Alexandre Raphael Cabral, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também faz parte do time dos cientistas que pagam para trabalhar. “Custeio do meu próprio bolso o transporte, a alimentação e a acomodação dos trabalhos de campo.”
“Os custos analíticos têm sido pagos por colegas europeus, que, em troca, entram nas publicações como coautores.”
Para diminuir custos, Cabral tem escolhido áreas de estudo próximas a Belo Horizonte, onde se localiza a universidade. Ele tem realizado pequenos projetos para estudantes de graduação, que necessitam fazer uma dissertação para obter o diploma de bacharelado em Geologia.
“O último, sobre mineralização de manganês na Serra da Moeda, teve a parte de campo integralmente paga com dinheiro próprio por mim e três estudantes.”
O farmacêutico, mestre em Química e doutor em Biologia Celular e Molecular Hugo Verli, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é outro pesquisador que se enquadra na categoria. Ele já usou seu próprio dinheiro para comprar peças e pagar a manutenção de computadores e aparelhos de ar condicionado, além de viagens dele e de estudantes a congressos.
Assim como para seus colegas, são gastos que pesam no bolso.“É um investimento financeiro que não está dentro do orçamento pessoal, feito unicamente pela crença de que nosso trabalho é importante e que devemos nos sacrificar por ele, e que esse dispêndio se justificará no final”, explica.
“Mas isso gera um rombo nas finanças pessoais e, por vezes, limita os gastos familiares.”
Para Fabienne, a prática também é um peso. “Perco parte do meu salário pessoal para financiar pesquisa.”
“Além disso, como não posso gastar muito do meu dinheiro com isso, acabo limitando muito os tipos de experimentos e projetos que posso realizar, prejudicando o desenvolvimento de estudos mais abrangentes e completos. Acabam sendo pesquisas mais simples, que não são competitivos na escala da ciência mundial.”
O problema é que para os cientistas que fazem isso parece não haver alternativa. “Se eu não tivesse usado meu próprio dinheiro, minhas pesquisas teriam sofrido sérias limitações ou sido paralisadas”, justifica.
“Usamos computadores e, se eles não funcionam, todo o trabalho é interrompido.”
De acordo com Fabienne, é uma situação que, além de prejudicar o desenvolvimento da ciência brasileira e de estudantes da área, cria obstáculos na progressão da carreira nas universidades.
“Trabalhamos em um sistema de pontos para avançar, que é dependente do desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão e da orientação de estudantes”, explica.
O que se pergunta é por que, afinal, os pesquisados brasileiros têm que pagar para trabalhar? “É um assunto amplo, que passa desde o óbvio, que é a falta de recurso, até a definição do que ‘merece’ ou não ser financiado”, pondera Ariadne.
“Os valores disponibilizados pelos órgãos de fomento são limitados e os cientistas que apresentam maior produção acadêmica têm mais probabilidade de consegui-los.”
Segundo ela, o mesmo ocorre nas universidades, cujos recursos para pesquisa são ainda mais restritos, havendo maior investimento no ensino.
“Temas de impacto menos visível que, muitas vezes, servem de base para outros estudos, ou que não estão em voga no momento, podem não ser elegíveis para uma proposta de financiamento, ainda que o pesquisador que o propõe saiba da relevância do trabalho”, pontua.
Para Fabienne, parte da explicação passa pelo fato de que há uma enorme limitação de recursos públicos para o custeio de pesquisa no país.
“Não há interesse em desenvolver ciência no Brasil”, diz.
“Os investimentos são praticamente inexistentes, mas a cobrança por publicações científicas continua a mesma. A universidade quer que a gente publique e oriente estudantes, mas praticamente sem nenhuma ajuda financeira. A conta não fecha. Por isso, muitos financiamentos têm que vir de órgãos estrangeiros, do nosso bolso e de colaborações com outros pesquisadores. Sem isso não sobrevivemos.”
A engenheira de alimentos Simone Hickmann Flôres, diretora do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA), da UFRGS, pensa de maneira semelhante.
“A ciência não é valorizada no Brasil”, critica. “Nossas universidades, os professores e pesquisadores têm sido atacados e menosprezados perante a sociedade. Atualmente, não temos editais de fomento abertos e as pesquisas estão sendo sucateadas.”
Hoje, acrescenta, há poucas bolsas de pesquisa, o que impede o início de novos projetos.
“Não temos dinheiro para a manutenção de equipamentos caros e estamos tendo que propor alternativas para os estudos”, explica. “Os pesquisadores estão desanimados, e isto vai causar um baque na pesquisa brasileira. Se nada mudar, dificilmente conseguiremos competir com outros países em relação à inovação.”
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