Por Valentina Ieri, da IPS –
Nova York, Estados Unidos, 30/8/2016 – Os meios de comunicação recorrem cada vez mais a jornalistas autônomos, por isso têm a responsabilidade de lhes garantir um entorno de trabalho seguro, sobretudo quando atuam em zonas açoitadas pela guerra.Desde a onda de levantes populares no Oriente Médio e norte da África, conhecida como Primavera Árabe (2010-2013) e o começo da guerra civil na Síria (2011), jornalistas correm um risco cada vez maior de sequestro, prisão e, em última instância, assassinato. Esta situação afeta não somente os trabalhadores individualmente, mas também o jornalismo em termos mais gerais.
Em fevereiro de 2015, várias organizações, como a Freelance Frontline Register (FFR) e o Comitê de Proteção de Jornalistas (CPJ), junto com importantes organizações e redes de notícias, apresentaram a Aliança ACOS (uma cultura de segurança) para incorporar práticas de segurança no setor de notícias e proporcionar acesso às ferramentas que os jornalistas autônomos necessitam para informar de maneira segura.
“Vemos que a situação atual não é sustentável e não é boa para ninguém”, apontou Emma Beals, jornalista independente e membro da direção do FFR. “Quando somos autônomos tudo sempre se reduz a dinheiro. Pagam US$ 10 por foto de zonas de guerra. É preciso aguentar durante semanas e meses até as empresas pagarem, ou as empresas noticiosas se negam a pagar seu seguro”, explicou à IPS.
O pagamento dos jornalistas independentes e locais é importante, já que também afeta sua segurança, segundo Courtney Radsch do CPJ. “Há inúmeras histórias de trabalhadores independentes que precisam negociar para conseguir equipamentos de segurança, um bom tradutor ou um veículo blindado. Por isso, as empresas de notícias têm a responsabilidade moral de tratá-los da mesma maneira como tratariam seu próprio pessoal”, opinou.
“Uma remuneração justa deveria considerar os custos adicionais quando se trabalha no exterior, como segurança, formação especial e equipamentos. Mas se seu cliente não paga rapidamente, então é preciso financiar os gastos por conta própria. Isso significa que você terá menos dinheiro para gastar da próxima vez, o que nos deixa menos seguros”, detalhou Beals. Outros aspectos a serem considerados são os riscos para ter acesso a informação e assistência jurídica, ou de outro tipo, que for necessária quando as coisas complicam, acrescentou.
Em contraste com o pessoal fixo, que é enviado por seu próprio veículo de comunicação, os trabalhadores independentes não recebem a mesma assistência. “Esses casos se resolvem mais rápido com freqüência e de uma maneira menos rígida. Enquanto no caso dos independentes são a família e os amigos que precisam resolver o que fazer quando as coisas se complicam rapidamente”, destacou Beals.
Mais de 85 organizações se somaram à Aliança ACOS e deram seu apoio a 14 princípios de segurança dos jornalistas independentes.“As práticas de segurança são responsabilidade de todas as partes envolvidas. É importante garantir que as pessoas possam aplicá-las porque, para algumas empresas de notícias, trata-se de uma nova forma de trabalhar. Isso ajudará todos, não só os independentes”, observou.
Em resposta, alguns veículos de comunicação decidiram deixar de aceitar conteúdos independentes de lugares perigosos e que não foram solicitados pelas empresas. “Como os perigos do jornalismo parecem ser superiores aos benefícios do uso do conteúdo independente, muitas organização de notícias, como a AFP (Agência France Presse), passaram a não aceitar material não solicitado”, afirmou Radsch.
O objetivo da Aliança ACOS é a criação gradual de uma rede de segurança para jornalistas e empresas de notícias de todo o mundo, mas sobretudo nos países em grande perigo, como Afeganistão, Iraque, Paquistão e Síria. “Vai demorar e é necessária uma mudança cultural no setor da mídia. Porém, se conseguirmos que essas organizações comecem a fazer isso com seus próprios empregados, então se pode utilizá-las para defender esta ideia entre seus colegas”, indicou Beals
O setor de notícias sofreu grandes mudanças nos últimos 20 anos. “Não se trata só de os meios de comunicação tradicionais, que costumavam tratar bem seu pessoal, agora já não o fazerem. Desde o conflito civil na Síria, as guerras se tornaram mais sombrias e difíceis de cobrir, com fortes repercussões para a segurança dos autônomos”, enfatizou Beals.
“Antes havia menos jornais, canais de televisão e revistas, e havia mais dinheiro. Agora há tantos veículos que talvez não tenham o mesmo nível de financiamento. Portanto, pode-se produzir uma grande quantidade de material jornalístico, mas nem todos pagos bem”, queixou-se Beals. Antes, “as guerras eram menos acessíveis e só os jornalistas enviados e extremamente acreditados tinham a possibilidade de cruzar as linhas de combate. Mas a Primavera Árabe mudou tudo isso, o que faz com que as coisas sejam mais acessíveis”, acrescentou.
Além disso, as mudanças tecnológicas reconfiguraram as relações de poder tradicionais entre os jornalistas e as elites políticas e econômicas, disse Radsch. Os jornalistas já não ocupam um lugar privilegiado porque os poderosos podem dirigir sua mensagem diretamente ao público e há mais pessoas capazes de realizar atos de jornalismo, comumente sem a experiência ou a formação que alguém que trabalha para um veículo de comunicação pode ter, concluiu. Envolverde/IPS