Iniciativa lançada pelo Cenpec traz dados com análises que facilitam a compreensão das desigualdades educacionais enfrentadas por estudantes, docentes, escolas e territórios do país.
Para ajudar a compreender o cenário da educação básica do país, o Cenpec lançou na última quinta-feira, 17/09, o Painel de desigualdades educacionais no Brasil, que permite um acesso fácil e simplificado aos dados e análises sobre o assunto.
Conforme explica Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec, a criação desse material vem ao encontro de dois objetivos: “O primeiro é facilitar o acesso às informações já disponíveis e públicas sobre a educação. Em segundo lugar, o Painel tem um papel de ser educativo, ou seja, de sensibilizar e apoiar famílias, estudantes, professores e professoras, gestores e gestoras educacionais, pesquisadores e pesquisadoras, a mídia, além de toda a sociedade, na construção de ações de enfrentamento dessas desigualdades educacionais.”
Na prática, as usuárias e os usuários poderão navegar por dados e análises a partir de duas entradas. A primeira está relacionada aos resultados de permanência escolar, que abarcam números de reprovação, distorção idade-série e abandono escolar. Nessa área, é possível visualizar esses dados atrelado às análises a partir do contexto de estudantes, das escolas ou dos territórios brasileiros. E para cada contexto, existem filtros que ajudam a pensar esses dados a partir de marcadores sociais: no caso de estudantes, é possível filtrar pelo perfil de sexo e raça/cor; para o contexto escolar, a dependência administrativa, ciclo ou etapa da educação básica e ano/série; e sobre os territórios, as regiões, estados e localizações rural ou urbana.
A segunda entrada direciona um olhar para a formação inicial docente no Brasil, fator fundamental para se pensar as condições de oferta educacional do país. A partir de então, é possível filtrar os dados por estado e município, pela etapa de ensino, pela própria escola, e ainda por zona rural ou urbana.
No lançamento do Painel, Romualdo ressaltou que a ferramenta permite visualizar um cenário em que as desigualdades educacionais se sobrepõem e potencializam. Exemplo disso é que em alguns estados onde há maior distorção de idade-série, também é possível perceber que nesses locais existe uma oferta maior de professores sem formação acadêmica adequada. “No fundo, o combate às desigualdades demanda uma ação sistêmica, atacando diversos problemas, ainda que seu fenômeno aparente esteja em uma dimensão”, conclui o especialista.
Além de dados comentados, o Painel traz ainda uma série de conteúdos temáticos que ajudam a compreender o contexto histórico das desigualdades e as políticas públicas voltadas ao enfrentamento desse cenário. De modo complementar, a plataforma pretende inaugurar, em breve, uma Comunidade de ações para a equidade, em que docentes, gestoras(es), pesquisadoras(es) e demais interessadas(os) poderão compartilhar iniciativas que fazem a diferença e ajudam a transformar a educação brasileira.
No lançamento do projeto, a presidente do Conselho de Administração do Cenpec, Anna Helena Altenfelder, enfatizou que o Painel é um material dinâmico e contará com atualizações constantes de dados, além de prever a inclusão de novos filtros e categorias de análises.
Altenfelder ainda reforçou que a iniciativa não tem a mesma pretensão dos rankings escolares, muito comum em materiais que abordam o cenário educacional do país. A principal contribuição deste Painel é promover a compreensão, de modo contextualizado e acessível, das desigualdades que permeiam a educação básica brasileira, para que tomadores de decisão e outras pessoas engajadas com a educação tenham subsídios para atuar na reversão desse cenário. “Um ponto importante do nosso Painel é entender o contexto histórico [das desigualdades]. Quando trazemos dados como o dos alunos, de sexo, raça e outros marcadores sociais, queremos olhar para essas informações de desigualdade para, assim, entender quais caminhos podemos seguir”, argumentou Anna Helena.
“O Painel é fundamental porque só vamos conseguir avançar na educação e superar o retrocesso dos últimos anos se tivermos clareza de enfrentar as desigualdades educacionais”, afirma Maria Alice Setúbal, fundadora do Cenpec, na abertura do evento de lançamento do Painel. Ao remontar o contexto dramático da educação básica do país, que tem retrocedido a patamares de 20 anos, a especialista reforça a importância da iniciativa na função de capturar o retrato das desigualdades educacionais e traduzi-lo, de maneira acessível e didática, para a sociedade.
O encontro on-line reuniu ao vivo o ex-ministro da educação e atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine, e a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em educação e relações étnico-raciais, Petronilha B. Gonçalves e Silva.
Em sua fala, Renato Janine lançou luz sobre a questão histórica das desigualdades e iniquidades que, em sua visão, constituem o próprio projeto de país, datado há 500 anos. Nesse sentido, o atual presidente da SBPC reflete que a igualdade é uma questão ética-moral, mas também de ordem econômica, e é justamente essa visão que o Brasil ainda persiste em refutar, reproduzindo desigualdades e impedindo o país de avançar como um todo.
“Uma boa parte da população está excluída por questões de educação, de saúde, de renda, de moradia e de transporte. Há um leque grande de fatores que acarretam a desigualdade e, portanto, fazem com que as pessoas mais pobres tenham, às vezes, dificuldade de identificar sua vocação, quanto mais terem espaços para realizá-las. Quantos médicos não perdemos, quantos engenheiros, cientistas, artistas, empresários, porque nasceram no CEP errado, em lugares pobres. Então além do imperativo ético e moral, há uma visão prática, pragmática. O Brasil já foi a sexta economia do mundo e hoje caímos para a 12ª”, analisa Janine.
Em sinergia com a perspectiva histórica das desigualdades, Petronilha B. Gonçalves e Silva trouxe em sua fala a importância da representatividade na educação e como isso reflete na promoção da qualidade e equidade na educação. A especialista foi a primeira mulher negra do país a integrar o Conselho Nacional de Educação e analisou os desafios que as escolas, as(os) docentes, os conselhos e as secretarias têm pela frente na luta contra o racismo, fator que incide diretamente na vida escolar de milhares de crianças, adolescentes e jovens do país.
“A grande pergunta que devemos nos fazer é: que país nós queremos? Qual é o nosso projeto? Como é que o meu povo – seja eu pertencente ao grupo de afro brasileiros – como é que cada um de nós, com a contribuição que os nossos povos nos dão e continuam trazendo ao país, vamos juntos construir um projeto de nação? É que ainda não aprendemos a fazer isso. Parece que o projeto de país ainda é uma disputa, de quem que pode mais”, reflete Petronilha.
Mais especialistas também somaram vozes para refletir sobre as desigualdades e as oportunidades de promover equidade na educação. O evento contou com depoimentos gravados de André Lázaro, diretor de políticas públicas da Fundação Santillana; Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE); Ivan Siqueira, conselheiro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação; Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime); Ricardo Henriques, economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco; Rozana Barroso, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e Sueli Carneiro, coordenadora executiva do Geledés.
A transmissão completa da apresentação do Painel com os depoimentos de especialistas estará disponível em breve no canal do Cenpec no Youtube.
Sobre o Cenpec
O Cenpec é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que constrói equidade e qualidade na educação pública brasileira. Fundado em 1987, o Cenpec contribui no desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens, na formação de profissionais de educação, na ampliação e diversificação do letramento e no fortalecimento da gestão educacional e escolar. Em parceria com redes de ensino, espaços educativos e outras instituições de caráter público e privado, atua dentro e fora das escolas públicas para diminuir as desigualdades e garantir uma educação de qualidade a todos e todas.
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