Por Sucena Shkrada Resk* – #midiasambientais –
Mídia ambiental está atenta ao processo de desestruturação nesta agenda, que pode ser uma porta aberta também para avanços de epidemias
A saúde ambiental brasileira está seguindo para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Nunca foi tão necessário evocar esta analogia com todas as suas implicações, como está sendo hoje no Brasil, devido ao retrocesso político em pleno curso, desde o ano passado, que está sendo capitaneado ao comando da gestão atual do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que tem justamente o papel de zelar pela gestão idônea e disciplinar da conservação socioambiental no país. A palavra da vez neste raciocínio equivocado de desenvolvimento é: “flexibilização” das legislações e das ações de comando e controle. Com isso, os princípios de prevenção e precaução estão sendo desconsiderados, o que pode inferir implicações no combate à Covid-19 e outras epidemias.
O aumento gradativo do enfraquecimento da participação social na pasta, dos órgãos de aconselhamento e de comando e controle, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – responsável pela gestão das unidades de conservação; do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA) e da execução de todas as políticas na área ao longo das últimas décadas se tornam uma porta aberta para o avanço de epidemias e pandemias como a da Covid-19. Nesta configuração, os alertas já têm se agravado com relação à Dengue, Zika-Vírus, Febre Amarela e Malária, entre outras doenças.
Isto ocorre, devido a inúmeros fatores, como o aumento do desmatamento na Amazônia e em outros biomas (dados atuais do Instituto de Pesquisas Espaciais – INPE e do Imazon), que permitem a desestabilização ecossistêmica como também prejudicam populações indígenas e tradicionais, que estão mais vulnerabilizadas. Em tempos de Covid-19, análise recente do Observatório do Clima indica que as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) no Brasil devem aumentar na escala de 10 a 20% em relação a 2018, enquanto no mundo, o processo é reverso, na ordem de redução de 6%, de acordo com o Carbon Brief. Isto quer dizer que o país vai na contramão do combate às mudanças climáticas. Mais um capítulo perverso na rede de problemas, é a precariedade do saneamento ambiental – em especial – do esgotamento sanitário no país.
Reunião ministerial
O estopim sobre a constatação da desestruturação da solidez da gestão ambiental no país se deu na última sexta-feira, 22 de maio, com a divulgação pública pela imprensa do vídeo da reunião ministerial do governo federal com o presidente Jair Bolsonaro, realizada no dia 22 de abril deste ano, com exceção de trecho que se refere a citações sobre a China e Paraguai.
A permissão da publicização do vídeo foi autorizada pelo decano Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e se deu no contexto do inquérito que corre na Polícia Federal, sobre possível interferência do presidente na PF, segundo Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça.
Boa parte da sociedade foi pega de surpresa com o conteúdo das falas de diferentes ministros – em especial do Meio Ambiente, Educação, e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, durante este encontro, que revelaram os bastidores do poder.
As colocações do atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, causaram impacto negativo em diversos segmentos inseridos na constituição do regime democrático, que tem como pilar a Constituição Federal de 1988 e repercutiram internacionalmente.
Seguem os trechos:
“Nós temos a possibilidade neste momento, que a atenção da imprensa está voltada quase que exclusivamente para covid-19… A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas as reformas que o mundo inteiro cobrou”, disse o ministro.
E continuou – “…O Meio Ambiente é o ministério que mais enfrenta dificuldades para “passar qualquer mudança infralegal em termos de instrução normativa e portaria”, porque tudo que a pasta faz “é pau no Judiciário no dia seguinte”.
“Então para isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid-19, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De Iphan, de Ministério da Agricultura, de Ministério do Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços […]. É de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos.”
Estas afirmações se deram, sem nenhum constrangimento, no mesmo dia em que o Brasil registrava a triste marca de 46.195 casos confirmados de infectados pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) no Brasil, com 2.924 mortes pela Covid-19. Hoje já são respectivamente 376.669 casos e 23.522 mortes, sem considerar as subnotificações, devido à falta de testes em massa na população. Em meio ao ápice de uma crise de saúde e humanitária sem precedentes em nível global.
No dia 26 de maio, Salles escreveu um artigo, publicado no site Poder 360, no qual diz:
“…Ao afirmar a necessidade de simplificar e racionalizar “de baciada” todo o arcabouço regulatório infralegal no Brasil, presente em praticamente todos os Ministérios da Esplanada, referia-me na reunião de 22 de abril de 2020 à premência de se revisar, com bom senso e legalidade, todo o emaranhado de regras, portarias, instruções normativas e resoluções. Esse cipoal normativo consubstancia a “boiada” de entraves chamada “custo Brasil” que se encontra presente em praticamente todos os setores do governo”.
Neste estado da arte, em que o descaso com a humanização é mais uma vez reiterado e há necessidade de maior transparência nas ações públicas como estas descritas acima, é preciso reforçar que a atenção ao setor ambiental brasileiro é permanente e que a Covid-19 faz parte desta agenda holística que chamamos de “saúde ambiental”. Qualquer tipo de indução à “flexibilização nos patamares legais” que coloque este equilíbrio em risco, integra as pautas de jornalistas, de comunicadores formais, não-formais e informais, que cobrem este segmento na Rede de Mídias Ambientais e na grande imprensa.
Confira algumas publicações a respeito na mídia ambiental:
Salles errou previsão e teve decisões questionadas por imprensa, MPF e Justiça (Blog Ambiência)
Se depender de nós, a boiada não passará (Agência Econordeste)
Nem boiada, nem canetada, Ricardo Salles! ‘Conexão Planeta’ integra movimento de jornalista contra desmonte ambiental (Conexão Planeta)
O meio ambiente à sombra da Covid-19 (Envolverde)
Ricardo Salles “passando a boiada”: ministro do Meio Ambiente muda leis ambientais na pandemia (Envolverde)
Salles, o antiministro (Amazônia Latitude/Notícia Sustentável)
Nota de repúdio às declarações de Ricardo Salles (Página 22)
Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, surpreende com discurso de desmonte ambiental em reunião ministerial (Plurale in Site)
Entre outras também na Grande Imprensa
São temas de interesse de toda sociedade, e de segmentos institucionalizados – terceiro setor, poderes legislativo e judiciário. Esta é uma premissa do estado democrático de direito. Portanto, o exercício da cidadania está atrelado a defender o bem-estar da população.
E reforçando o que o artigo 225 relacionado ao Meio Ambiente na Constituição Federal diz:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
*Sucena Shkrada Resk – jornalista, formada há 28 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
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