Por Vivian Costa – Jornal da Ciência –
A partir de 2022, os 19 projetos em andamento precisarão de cerca de R$ 30 milhões para continuarem, mas MCTIC diz que não há nenhuma previsão para lançamento de novas chamadas. Confira a reportagem da nova edição do Jornal da Ciência
Os cortes orçamentários nos recursos para ciência no País são preocupação frequente dos pesquisadores que fazem parte do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), projeto do governo federal criado na década de 1980 para oferecer apoio a cientistas que desejam desenvolver estudos no continente, a fim de entender os fenômenos naturais locais e garantir sua influência sobre o território. E a tensão aumenta à medida que os recursos previstos no edital em vigor, que se encerra em 2022, vão chegando ao fim e até o momento não há nenhum sinal de lançamento de outro.
Segundo Jefferson Cardia Simões, vice-presidente do Comitê Científico Internacional sobre Pesquisa Antártica (Scar), é preciso entre R$ 25 a R$ 30 milhões para dar continuidade aos projetos em andamento, o que inclui também a verba para o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da Criosfera.
O edital em exercício, lançado em 2018, no valor de R$ 18 milhões, foi previsto para bancar atividades de 19 projetos por quatro anos. Desse total, R$ 7,1 milhões são oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e R$ 2,9 milhões do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Já o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) destinou R$ 1,5 milhão para o edital, enquanto a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) aportou R$ 5,7 milhões. Recursos oriundos de Emenda Parlamentar (Frente Parlamentar Mista de Apoio ao Proantar), no valor de R$ 800 mil, completam o valor previsto.
O MCTIC, junto ao CNPq, afirma que tem acompanhado o desenvolvimento dos projetos vigentes da chamada atual do Proantar, entretanto, diz que não há uma previsão imediata para o lançamento de novas chamadas do programa. Em meio à instabilidade do setor e diante dos cortes sofridos na área científica brasileira, a preocupação existe porque não se vê nenhuma movimentação para que os projetos em andamento tenham continuidade. Simões diz que o ideal é que o próximo edital seja lançado já no próximo ano. “Não estamos vendo nenhuma movimentação para um novo lançamento e tememos que aconteça igual ao penúltimo, lançado em 2013, que tinha duração para três anos e teve de ser esticado por cinco porque a chamada de edital de 2016 não foi feita. Aportes emergenciais mantiveram expedições nos dois últimos anos. A última parcela foi paga em 26 de dezembro de 2019. Do edital vigente, ainda falta 1/3 do valor que está contingenciado pelo FNDCT”, conta.
Para Paulo Câmara, professor da Universidade de Brasília (UnB), a ausência de verbas, se for aprofundada, pode afetar a qualidade e o impacto da pesquisa antártica, além de interromper projetos relevantes em áreas como saúde e meio ambiente, prejudicando a formação de pesquisadores que estão hoje nas universidades, além de comprometer a próxima geração de cientistas na região antártica.
Os cortes nas áreas científicas começaram em 2014 e as verbas para o Proantar ficaram mais instáveis e escassas. Todos os pesquisadores tiveram dificuldades para manter laboratórios, comprar equipamentos e pagar as bolsas de pesquisadores, lembra Câmara.
Ele observa que os R$ 18 milhões do edital deveriam bancar as atividades por quatro anos, o que daria cerca de R$ 4,5 milhões por ano, lembrando que deste dinheiro, o que deveria ser oriundo da Capes nunca foi aplicado. “Esse montante foi reduzido, no entanto. Com a mudança de governo, imediatamente R$ 2 milhões não foram aplicados. Seriam bolsas da Capes, que já estavam empenhadas. Até hoje não sei o que aconteceu com elas. Elas simplesmente sumiram, deixando o edital com apenas R$ 16 milhões da noite para o dia. As bolsas são fundamentais para o andamento dos projetos”, afirma.
Câmara conta que já chegou a tirar dinheiro do bolso para que pesquisas não fossem descontinuadas. “Ultimamente, o que amedronta as equipes são estes cortes realizados pela Capes. O sistema é complexo. Por exemplo, na minha área, às vezes a gente colhe amostras na Antártica e leva para a universidade onde alunos de mestrado e doutorado dão andamento às pesquisas. E se esse aluno, como aconteceu recentemente, ficar sem bolsa, não pode participar do projeto”, lamenta.
Importância científica
Mesmo em meio a tantos cortes, os especialistas acreditam que a região não será ignorada pelo governo por causa de sua relevância científica e geopolítica. O continente compreende 14 milhões de quilômetros quadrados, aproximadamente 10% da terra emersa. Exerce profunda influência no clima global e, por consequência, nos ecossistemas e na sociedade. “A Antártica é de suma importância científica e ambiental, por seus raros ecossistemas, por sua influência sobre o sistema climático, e geopolítica, por abrigar 70% da água doce do mundo, além das reservas intocadas de gás, minérios e petróleo”, descreve Simões, que é glaciólogo e também professor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Os estudos realizados no continente estão focados nas mudanças que estão ocorrendo nas regiões polares e na análise da sua importância ambiental e econômica para o Planeta. Para Simões, que já participou de inúmeras pesquisas em território antártico, o continente é tão importante para o equilíbrio ambiental da Terra quanto a Floresta Amazônica. Segundo ele, as camadas de gelo acumuladas na Antártica guardam os “testemunhos de gelo”, registros das mudanças climáticas acontecidas no planeta nos últimos 800 mil anos.
“Graças às pesquisas antárticas, vamos melhorar a previsão do tempo no Brasil, essencial se quisermos aumentar nossa produtividade agrícola e diminuir o custo social de desastres climáticos”, disse. Simões cita ainda que com os estudos desenvolvidos na região nos últimos 30 anos foi possível ter uma avaliação da poluição global – por exemplo, os pesquisadores conseguiram detectar resíduos de urânio na Antártica vindos da Austrália e o arsênio vindo de minas de cobre do Chile.
Câmara, da UnB, reforça que os pesquisadores têm descoberto várias outras coisas na Antártica, dentre elas, plantas que vivem embaixo da neve. “Elas produzem substâncias anticongelantes e que podem ser usadas pela aeronáutica em aviões que sobem altitudes elevadas, sem congelar os equipamentos. Tem fungo e algas, que produzem substâncias que podem ser usados em novas drogas, como, por exemplo, antibióticos.”
As pesquisas na Antártica são realizadas pelos países que compõem o Tratado da Antártica, acordo internacional assinado em 1959 que permite a liberdade de exploração científica do continente, estimulando a cooperação internacional e regulando a governança local para tentar assegurar a conservação dos ecossistemas da região, por seu aspecto geopolítico.
A adesão do Brasil ao acordo criado para evitar conflitos no continente ocorreu em 1975 e as atividades científicas na Antártica se iniciaram em 1982, com a criação do Proantar. “Está no 9º artigo do Tratado que, para poder votar, os países devem realizar pesquisas contínuas e significativas na Antártica. E isso é muito importante, porque se amanhã decidirem explorar o continente, o Brasil terá seu quinhão nessa decisão”, explica Câmara.
O Brasil é membro consultivo do grupo, ou seja, o País tem o mesmo poder de voto e veto que países como EUA, Rússia e China nas deliberações sobre o futuro do continente. Se o Brasil parar de fazer pesquisa no local, corre o risco de perder esse status. Em 2048 chega ao fim uma moratória para a exploração de recursos não-renováveis (ou seja, basicamente minerais), e os especialistas acreditam que o Brasil não vai querer perder o poder de decisão que tem hoje nos assuntos do continente. “A ciência tem um papel estratégico na região em decorrência do Tratado da Antártica. Existe um aproveitamento dessa potencialidade, de pensar e responder questões pertinentes com o resto do planeta Terra”, afirma Jefferson Simões.
Dos 54 países que fazem parte do Tratado da Antártica, atualmente 29 deles têm bases no continente, como o Brasil. A Estação Antártica Comandante Ferraz é hoje a maior estrutura de pesquisas da Península e, de acordo com Câmara, certamente está entre as maiores estações de pesquisa antártica do mundo. “Ter uma base no local facilita. Além de nos proporcionar a produção de mais pesquisas e com mais qualidade, o espaço demonstra que o País tem um claro interesse geopolítico. Como cientistas, estamos lá pela pesquisa, mas sabemos que somos também ferramentas dessa estratégia”, define. Câmara ressalta que a nova estação é uma representação diplomática: a casa do Brasil na Antártica.
Reconstruída após um incêndio em 2012, a nova estação conta com dois blocos, abrigando 17 laboratórios e alojamentos onde ficarão pesquisadores de áreas como microbiologia, medicina, química e meio ambiente. A nova estrutura possui 4.500 m², quase o dobro da área da base antiga. Ela tem capacidade para 64 pessoas e representa 25% das pesquisas do Proantar.
“Além da estação, as pesquisas do Brasil na Antártica são realizadas em outras três plataformas: 40% no Navio Polar Almirante Maximiano, onde há cinco laboratórios e acomodação para mais de 100 pessoas, e 45% em acampamentos e no Criosfera 1, módulo criado em 2012 e reinaugurado em dezembro de 2019 após dois anos fechado, que transmite dados via satélite ao Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). “Por isso, enquanto a nova estação estava sendo reconstruída, as pesquisas do programa não pararam”, explica o professor da UFGRS.
Simões lembra que quando o Proantar foi lançado existia uma visão de que a Antártica era um local longe. “Desde então, essa visão mudou, porque hoje as questões da região estão interligadas diretamente com as mudanças do clima, a biodiversidade, recursos renováveis, astronomia, astrofísica, até com a estrutura física de partículas. Além disso, mais recentemente, outras questões têm despontado, na área da medicina, da bioprospecção, e até mesmo nas ciências sociais e geopolítica”, afirma. “O mundo está de olho nesta parte do mundo”, conclui.
#Envolverde