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Se for feito “na correria”, o projeto de lei que discute as notícias falsas, conhecido como o “PL das fake news”, pode acabar fornecendo mais combustível para a polarização política no Brasil, avalia o pesquisador Francisco Brito Cruz, doutor em direito pela Universidade de São Paulo e diretor do InternetLab, um centro independente de pesquisa nas áreas de direito, tecnologia e internet.
Aprovado às pressas no Senado e agora em tramitação na Câmara, onde nesta semana tem havido um ciclo de debates sobre o projeto, o texto é alvo de críticas de pesquisadores, organizações da sociedade civil, de plataformas e também de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que o apelidaram de “PL da Censura”.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse querer um projeto “melhor” do que o aprovado pelo Senado. Já Bolsonaro disse que poderia vetar o texto.
Para Brito Cruz, o debate sobre as notícias falsas “abre espaço para controle de discurso”. “O Direito também serve a propósitos políticos. E se a gente não calibra bem, ele vai ser utilizado como mais um instrumento na luta política”, afirma o pesquisador.
“Podemos sair desse processo ainda mais polarizados, com mais problemas, inclusive de desinformação.”
Leia abaixo trechos da entrevista.
BBC News Brasil – As notícias falsas e a forma como são disseminadas viraram um problema para a democracia, inclusive atrapalhando o processo eleitoral. Criar uma lei é uma boa ideia para combatê-las?
Francisco Brito Cruz – Pode ser uma boa ideia se tivermos clareza dos problemas que a lei quer resolver, e eu acho que isso não está acontecendo. Algumas coisas são possíveis e até melhor que sejam resolvidas por lei. Mas não são todas as coisas que têm a ver com notícias falsas que conseguem ser resolvidas por lei. A causa das notícias falsas, o motor que faz com que elas se disseminem, não é uma coisa que pode ser resolvida por lei. Porque isso está na sociedade, a sociedade está polarizada, as pessoas acham que é razoável compartilhar propaganda política ou compartilhar “clickbait” como se fosse notícia, seja por questões educacionais, políticas ou diversas… E isso não é resolvível por lei.
Mas uma coisa que pode ser resolvida por lei é um ajuste de conduta do Estado, dos servidores públicos, porque eles estão submetidos à lei no exercício da sua função. Uma lei pode servir para proibir ou regular a forma como um servidor público atua nas redes sociais, por exemplo. Então, depende de que problema você está querendo resolver, isso em primeiro lugar.
E a segunda coisa: depende de como você faz essa lei. Se a lei é feita na correria, nas coxas, é mais difícil que ela funcione bem, especialmente pensando em tecnologia. Se você não calibra muito bem, a lei pode ser interpretada de jeitos errados ou problemáticos e o tiro pode sair pela culatra. Não é à toa que regulações de tecnologia buscam ter um processo multissetorial, participativo, que é não só para achar consensos e fazer negociação sobre o que deve estar no conteúdo da lei, mas também para consolidar tecnicamente quais são as melhores formas do direito atuar. Porque, por vezes, você pode estar regulando tecnologia que está velha, então é melhor você não fazer, às vezes você está usando um termo que tem outro significado, então melhor não usar.
BBC News Brasil – Por que a lei não poderá ajudar a combater a causa das notícias falsas?
Brito Cruz – Ela pode ajudar com algumas coisas, pode ajudar a combater o problema, mas a causa desse tipo de coisa, a causa do consumo de propaganda política como se fosse notícia não é resolvível por lei. Porque é um problema político, está na raiz da nossa crise política. Parte do Brasil está odiando o jornalismo profissional e está se imbuindo numa espécie de processo revolucionário para derrubar tudo que está aí, todas as instituições que foram construídas a partir da Constituição de 1988, e a imprensa livre que foi construída também a partir daí. Quase uma espécie de propaganda revolucionária. É até engraçado pensar que uma lei vai resolver isso. É um processo político profundo. Se há pessoas que estão dispostas a se colocar como presos políticos e jogar rojão no STF, que é uma coisa nitidamente ilegal, a pessoa vai deixar de publicar um ataque ao presidente do Senado? As pessoas não vão ser paradas com uma lei.
Brito Cruz – Nisso, a discussão avançou. É a discussão de não definir o que é desinformação, notícia falsa, no projeto de lei. Essa é uma reivindicação inclusive de quem está trabalhando com checagem de fatos. Existe um receio mesmo com as definições mais bem-acabadas, como uma definição no Código de Conduta europeu, por exemplo, ou definições que circulam nas universidades fora do Brasil e na academia brasileira que às vezes servem para o propósito acadêmico e de debater no âmbito das políticas públicas.
Mas a avaliação era que criar um conceito de desinformação no Brasil podia dar margem para que a lei agisse sobre conteúdo na internet, controlasse o conteúdo. Ou que esse conceito fosse utilizado para retirar coisas do ar, da internet ou para forçar que as plataformas tirassem coisas do ar.
Existe um receio justificado de que essa lei se transforme em uma lei que controle a informação, controle o discurso, seja instrumentalizada para isso. Nesse sentido, a discussão avançou. E os atores que estão discutindo o assunto, inclusive o próprio relator, concordaram que não é o caso de definir desinformação.
Mas, mesmo assim, a lei vai atuar sobre isso. Porque não é só o conteúdo desinformativo em si que faz mal, mas é toda a lógica de circulação e distribuição de conteúdo. Nesse sentido, a pressão da sociedade para que o projeto não fosse instrumentalizado para fazer controle de discurso ajudou a dar alguns passos para trás nessa ideia de definir o que é desinformação. Para mim, é uma boa ideia não definir e focar mais em comportamentos do que no controle de conteúdo. Sabemos que se tivéssemos os conceitos de desinformação na lei brasileira, é bem possível que os juízes no Brasil ou as pessoas que vão ao Judiciário no Brasil utilizassem esse conceito para controlar o discurso a partir de suas vontades políticas.
Direito de
BBC News Brasil – O projeto de lei traz riscos de censura?
Brito Cruz – Há dois tipos de risco de censura atual.
A primeira coisa, que eu acho a mais delicada, é a história de identificação, de coleta de dados massiva. É claro que é um problema para a privacidade, mas também é para a liberdade de expressão na medida em que, se você expande assim a coleta de dados das pessoas, sem uma suspeita fundada, seja pedindo documento a partir de denúncia, ou seja, a partir da coleta massiva de dados de mensagens que viralizam por WhatsApp, você está criando a possibilidade de ir atrás, de investigar aqueles que não são suspeitos porque seus dados estarão sendo coletados. Por consequência, você tem, no médio prazo, um efeito colateral. Será que as pessoas estarão dizendo as mesmas coisas que gostariam? Na hora que você cria esse tipo de mecanismo de vigilância, você tem efeitos na liberdade de expressão. Uma sociedade mais controlada e mais vigiada não se expressa da mesma forma.
A outra coisa que também está no projeto é que as plataformas devem garantir alguns direitos aos usuários quando vão retirar seu conteúdo deles. Isso é interessante, mas precisa de mais aperfeiçoamento. O projeto diz que a plataforma deve garantir um direito de resposta ao ofendido. É algo que está muito mal acabado, porque essa figura do ofendido sequer existe na lei. As plataformas não teriam parâmetro de aplicar essa regra. O problema dessas disposições é que não resolvem bem o problema da moderação de conteúdo. E se não resolverem bem esse problema, se criarem regras que não são exequíveis, ou se criarem um super direito de resposta para quem ficar cutucando a plataforma, por exemplo, você eventualmente vai ter um problema de que a pessoa que criticou legitimamente vai ter a sua expressão prejudicada e as plataformas vão servir de instrumento para quem quer controlar discurso. A ideia não é ruim, mas precisa aperfeiçoar para garantir o direito dos usuários.
Mas eu tenho mais medo das coisas que pairam do que das coisas que estão no projeto. O medo de criminalizar o discurso e o medo de fazer com que as plataformas comecem a filtrar conteúdo estão pairando muito porque estavam presentes em versões anteriores desse mesmo projeto.
BBC News Brasil – Há mais de 50 projetos de lei no Congresso contra notícias falsas. Esse termo virou símbolo de quê?
Brito Cruz – Esse virou um assunto que abre espaço para controle de discurso, essa é a verdade. A gente não pode esquecer que o direito não vem só para resolver o problema que ele enuncia. Mas também vem a partir de um interesse político por trás.
O ponto é o seguinte: a gente pode estar assistindo às pessoas quererem mudar regras do jogo para regras que as favoreçam, ou que acham que as favoreçam. São coisas tão esdrúxulas: guardar os registros de mensagens virais. É um negócio tão esdrúxulo, nunca foi testado, não há garantia nenhuma que funcione para alguma coisa, além de vigiar as pessoas.
O Direito também serve a propósitos políticos. E se a gente não calibra bem, ele vai ser utilizado como mais um instrumento na luta política. Esse é um dos grandes problemas nesse projeto. O tema dele e as boas intenções de quem o propõe ou quem o defende não estão em discussão. Óbvio que temos que resolver esse problema. Mas se a gente não faz isso direitinho, a gente fornece o combustível para a polarização política, e não uma proteção à democracia. Podemos sair desse processo ainda mais polarizados, com mais problemas, inclusive de desinformação.
Alguns exercícios são necessários na hora em que estamos fazendo uma lei sobre isso. O primeiro é esse: pensar como que essa lei pode ser instrumentalizada. E o segundo vai um pouco mais além, que é: como que essa lei pode ser instrumentalizada pelo meu pior inimigo? Eu não acho que isso está passando pela cabeça de muitos que estão defendendo essa lei.
Por exemplo, o PT no Senado apoiou a medida de guarda de dados das mensagens virais. O efeito que isso tem no ativismo político, nos movimentos sociais, é um efeito potencialmente muito problemático. Falhou no teste de pensar como isso pode ser utilizado pelo pior inimigo.
BBC News Brasil – Esse projeto sendo debatido agora reúne oposição do governo, de especialistas e de plataformas. Apesar disso, ganhou tração no Congresso. Por quê?
Brito Cruz – Ganhou tração, em primeiro lugar, porque os políticos na liderança do Congresso estão sendo muito atacados nas redes sociais. Não é desprezível os ataques que sofrem as lideranças do Congresso, o Supremo e as instituições, e isso obviamente ajuda um projeto desses a ganhar tração. Em segundo lugar, tem esse terremoto na estrutura do sistema político brasileiro que foram as eleições de 2018. Todas as forças que não ganharam culpam o WhatsApp e a internet por não terem ganhado. E se soma a isso, uma coisa que sempre existiu no Congresso, que é uma visão da internet como terra sem lei, de crime.
E isso está sintetizado na própria CPMI das fake news, que fala das eleições de 2018, que fala do ataque, bullying, inclusive a vulneráveis, de grupos políticos, e da proteção das crianças e adolescentes.
A força por trás da CPMI das fake news é a mesma coisa por trás desse projeto de lei.
Então, não é uma oposição a um projeto super uniforme. É uma oposição tática, por motivos diferentes.
Mesma coisa para os apoiadores do projeto. Os nomes da sociedade civil que estão acreditando que é uma janela de oportunidade para se fazer X ou Y, passando pelo PT achando que isso é importante porque teve a eleição e todo o processo de disparos, e precisa de um projeto como esse para as próximas eleições. Você tem as instituições querendo se proteger e inclusive atores econômicos que querem prejudicar as plataformas e seus modelos de negócio. Ou seja, quem está concorrendo com elas. As emissoras de TV e rádio têm repetidamente falado que as plataformas devem ser responsabilizadas pelo conteúdo, de que tem que haver simetria regulatória. No fundo, o que esse pessoal está falando é que as plataformas de internet têm que ser reguladas tanto quanto a TV e que o Direito tem que ser utilizado como um instrumento de interferir nessa briga econômica.
Todo mundo vai querer instrumentalizar essa lei. Tem gente querendo, inclusive economicamente, de um lado e de outro.
BBC News Brasil – Se o projeto for aprovado, é possível que as plataformas queiram deixar o Brasil?
Brito Cruz – Há algum tempo, o Mark [Zuckerberg, fundador do Facebook] falou: “Eu quero ser regulado”. Isso quer dizer que existe um convite que essas plataformas estão fazendo para a regulação. O ponto que elas fazem, que é um ponto razoável, é: essa regulação está sendo feita sem pensar. Está sendo uma coisa meio com o fígado. Nisso estão certas.
Agora, a gente está no meio de uma crise, com o dólar muito alto, ou seja, ficou menos rentável ganhar dinheiro no Brasil, você perde com o câmbio cada vez mais. E a legislação vai dar um bom peso nas mudanças de produto. Essas coisas geram um custo. Não é mentira que essas empresas vão pagar um preço num período de crise.
Mas também é verdade que essas empresas não ganham pouco dinheiro. Elas são bastante rentáveis, e têm efeitos na democracia.
O problema é o seguinte: a gente faz uma legislação dessas. Quem tem dinheiro, quem é grande suficiente, consegue se ajustar. Quem é pequeno e não sabe direito se a legislação se aplica ou não, pode ficar pelo caminho. E aí não vão ser as grandes empresas. O projeto fala no começo: essa lei se aplica a programas com mais 2 milhões de usuários. Não fala sequer se são usuários no Brasil. Dois milhões de usuários. O que é um usuário? No Facebook é mais fácil saber o que é um usuário. Mas na Wikipedia, o que é usuário? No Flickr? No Reclame Aqui? Estamos fazendo uma ação muito acelerada focando nas grandes plataformas, sem pensar nas pequenas. Esse custo será transferido para esse pessoal.
É verdade que tem custo, é verdade que essas empresas vão pagar o pato e é verdade que estamos em um momento de crise, mas as grandes, acho que aguentam. Porque a gente está falando de empresas que passaram por processos regulatórios super importantes na Europa e até em termos de dados pessoais, que está na base do seu modelo de negócio. As grandes empresas passarão por isso. O problema é que… o que nos espera do outro lado? Isso vai resolver o problema? Esse custo vai valer a pena?
E número dois: quem vai ficar pelo caminho?
A gente não está pegando o tempo necessário para visualizar e colocar todos os atores que de fato têm que estar nessa mesa para conversa. Espero que na Câmara se faça isso.
BBC News Brasil – O projeto autoriza as redes a pedirem a identificação dos usuários em caso de denúncia, indícios de conta inautêntica (como robôs) ou por ordem judicial. Mas não delimita que tipo de denúncia é exigida. Isso pode acabar afetando alguém que crie um pseudônimo para criticar uma figura poderosa?
Brito Cruz – As pessoas confundem um pouco o anonimato com o pseudonimato. Anonimato é quando alguém fala alguma coisa e você não tem nenhum meio de responsabilizá-la. Pseudonimato é quando a pessoa não quer mostrar o nome real para fazer alguma crítica, mas mesmo assim você tem meios de, se ela realizar algum ilícito, ir atrás e identificar a pessoa.
Isso já acontece no Brasil. O Marco Civil já manda guardar todos os registros de acesso a aplicações da internet. Então, esse artigo é até um tanto quanto inócuo porque o registro de acesso, o IP, data e hora que a pessoa entrou no Facebook para postar alguma coisa já é suficiente para identificar a pessoa. E já é obrigatoriamente guardado por seis meses de todos os brasileiros.
O artigo quer ir além, fala que a partir da denúncia você pode pedir o documento. Com certeza, isso também pode ser instrumentalizado. Por isso que a ideia de denúncia parece tão estranha. Faz sentido se for uma suspeita.
A lei veda a conta inautêntica que, segundo a lei, é a conta feita para enganar a pessoa, o público. O pseudônimo não é conta inautêntica. Uma conta inautêntica é se eu tenho uma página ou o Twitter do São Paulo Futebol Clube, por exemplo. Eu estou agindo como São Paulo Futebol Clube, mas eu não sou o SPFC, estou enganando as pessoas.
O artigo permite que a plataforma requeira um documento daquela pessoa, do tipo: “Você é o SPFC mesmo ou você é um zé mané que está falando que é o SPFC?”
E isso faz algum sentido. Agora, o usuário falar: “Olha aqui, esse cara não é SP”, e plataforma ser forçada a pegar documento, independentemente se tem uma suspeita de que é aquilo mesmo, aí vai virar festa do caqui porque todo mundo vai ficar denunciando para a plataforma colher dados pessoais. Não é um bom motivo, não é suficiente para a coleta de dados pessoais. Pode ser que a denúncia de alguém ajude a plataforma a formar essas suspeita. Mas isso não tem que ser o único motor para esse tipo de coisa.
Para mim, esse artigo de pedir documento é inócuo, não deveria existir, porque as plataformas já coletam registros, os IPs, mas se for existir, não faz sentido que a simples denúncia enseje a coleta de documentos.
BBC News Brasil – Tem um ponto do projeto que é o seguinte: os aplicativos de mensagem privada vão ter que armazenar por três meses os dados de usuários que encaminharem correntes em massa. O argumento é de que isso contribuiria para investigações de redes de notícias falsas. É uma maneira razoável e eficaz para investigar?
Brito Cruz – Eu acho que não resolve nenhum problema. É esdrúxulo. Nenhum país no mundo tem notícia de que algo semelhante a isso. Isso não nos coloca na vanguarda, muito pelo contrário. Primeiro, porque na hora que você guarda o registro de encaminhamento, você está registrando a pessoa que passou isso para frente, não quem inventou aquilo. Eu pego um vídeo no YouTube, copio um meme no Twitter e passo no WhatsApp, não fui eu que inventei. Eu não sou o autor daquilo.
Isso parte de uma noção de que a internet não funciona em rede. Como se a internet funcionasse a partir da lógica da TV, como se você conseguisse achar a pessoa que está emitindo o sinal. Não é assim que funciona na internet, a internet é uma rede.
A segunda coisa, que é muito importante, é que você não está individualizando a conduta problemática. Você não está investigando a partir da suspeita. E isso faz diferença. Se você está suspeitando de alguém: “ah, essa pessoa está espalhando notícia falsa”, e você começa a investigar dali, você vai conseguir pegar os grandes compartilhadores. E você vai guardar toda vez o dado do cara que está passando conteúdo para frente. Você não vai ter noção se esse cara está passando muito ou se está passando pouco e principalmente se esse cara não está burlando a lei e pedindo pra alguém passar para frente, algum laranja. É também inócuo porque não vai necessariamente pegar o cara que está coordenando esse processo.
Vamos dizer: eu sou um cara que quer passar notícias falsas para frente. Eu sei quais são os registros guardados. Por consequência, tem uma receita para mim, para eu não ser pego.
Como deveria ser uma lógica de investigação desses processos?
Deveria ser uma lógica que tomasse para si essa perspectiva de rede e buscasse revelar quais são os nós mais importantes da rede. Por isso que uma lógica que faz sentido é uma que, a partir de uma suspeita, é possível investigar uma pessoa.
Para além disso, essa proposta fala assim: “a gente não consegue identificar as pessoas”. Mas o inquérito do Supremo [dos atos antidemocráticos] identificou um monte de gente. Um monte de gente teve seu celular apreendido, busca e apreensão, e a polícia vai investigar dentro do celular o que tem ali. Ou seja, instrumento para acessar as mensagens já existe. E você vai saber para quem a pessoa mandou mensagem, quem recebeu.
A gente está falando de uma coleta de dados que vai considerar toda a mensagem que circule um pouco mais como suspeita. Isso não é justo. E na hora que você cria um banco de dados disso, você está possibilitando que compartilhamentos feitos sem o devido contexto, sem a pessoa tendo noção de que aquilo vai viralizar, sejam individualizados como condutas potencialmente criminosas.
O problema é que você vai pegar a pessoa que está se referindo ao conteúdo, vai pegar jornalista que está querendo apurar aquilo.
BBC News Brasil – Esse projeto de lei é um novo instrumento para coibir o que veremos nas próximas eleições ou ainda haverá estratégias que não antecipamos?
Brito Cruz – Sempre vamos estar atrás de alguma inovação. Quando surgiu a TV, tivemos que correr atrás da TV, quando surgiu o rádio, tivemos que correr atrás do rádio. É normal correr atrás. O que é importante, e isso está no coração da discussão dessa lei, seja para eleição ou não, é que a lógica dessa comunicação seja entendida na hora em que a gente está construindo essa regulação. É uma lógica de rede, de alta comunicação de massa, de que todo mundo pode acabar propagando uma mensagem para muitos, porque as redes são abertas e as coisas viralizam. E que é muito difícil estabelecer esses mecanismos de controle vertical da informação.
Essa lógica de comunicação da internet precisa ser entendida por quem está regulando. E a rastreabilidade é um exemplo de como ela não está sendo entendida porque é uma proposta, por exemplo, que segue a lógica que a autoria na internet é a mesma coisa da autoria na internet há 20, 30, 40 anos atrás. De que tem alguém que teve uma ideia genial e passou aquele conteúdo para frente.
Quando, na verdade, é um processo em cadeia, em que cada um compartilha por um contexto e que o que importa é a rede. E o que importa é como é que essa rede se move.
Eu defendo, e há instituições que estão concordando comigo, que o controle tem que ser um controle de comportamento, e não de conteúdo. Se você abusa dos dados pessoais dos cidadãos para fazer disparos em massa, não importa o que você está disparando. Uma democracia não pode te permitir fazer isso. Mesma coisa com você fazer um robô e não dizer que aquilo é um robô. Você não pode fazer isso.
A esperança é que essas e outras propostas legislativas percebam o funcionamento da internet, percebam o funcionamento dessas campanhas em rede e busquem proteger direitos na hora que forem fazer a regulação.
Correr atrás, a gente sempre vai ter que correr, não tem muito como.