por Clauber Leite*, IDEC –
Imagine que, de uma hora para outra, a atividade que garante o sustento da sua família e comunidade há mais de um século passe a ser considerada uma ameaça ao futuro do planeta, ignorando toda a sua importância cultural e econômica. Mais, imagine que isso aconteça em meio a uma intensa crise hídrica que reforce a importância do seu trabalho para garantir que o país tenha energia elétrica confiável e acessível.
Colocar-se essas questões deve ser a atitude de qualquer interessado em contribuir de alguma forma com a transição justa das regiões produtoras de carvão mineral no país para uma economia de baixo carbono. Afinal, compreender a situação e as dificuldades enfrentadas pelos participantes da cadeia setorial é aspecto-chave para garantir que a transição seja feita com respeito a todos os envolvidos, sem a imposição de fórmulas prontas.
Alerta quanto à importância dessa compreensão foi feito por estudo recentemente lançado pelo Dieese e WWF que analisa experiências internacionais relacionadas ao encerramento de projetos do combustível fóssil desenvolvidas no Chile, Canadá, Alemanha e Espanha para indicar ações que poderiam ser adotadas no caso das térmicas em operação no Brasil. Embora a receita possa ser parecida, o estudo aponta que não há uma abordagem única para todas as regiões. Nesse sentido, o processo tem de contemplar um diagnóstico que dimensione os diferentes contextos de cada realidade.
Essas questões são muito relevantes tendo em vista, em primeiro lugar, a importância de se extinguir o uso do combustível fóssil devido a seus efeitos nas mudanças climáticas. No caso brasileiro, acrescente-se o fato de que o subsídio à geração de energia a partir do carvão mineral nacional (previsto em R$ 750 milhões do orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético deste ano), deve ser encerrado em 2027.
Diante desse quadro, a expectativa é que o descomissionamento das usinas de Candiota (RS), Jorge Lacerda (SC) e Figueira (PR) compreenda uma transição energética efetiva em nível local. Ou seja, com o impulsionamento de mudanças estruturais quanto às políticas relacionadas à energia renovável que proporcionem a geração de emprego e renda em atividades da nova economia para as populações das regiões atingidas pelo fechamento das usinas.
Do ponto de vista dos trabalhadores, as recomendações do estudo incluem o desenvolvimento de um programa de aposentadoria antecipada, no âmbito da previdência social, voltado a profissionais que se aposentarão antes do planejado mediante a eliminação do carvão, bem como a criação de um inventário detalhado e disponível publicamente com informações do mercado de trabalho relativas aos trabalhadores, como perfis de habilidades, dados demográficos, localizações e empregadores atuais e potenciais. A oferta de cursos de requalificação e educação nas comunidades onde esses trabalhadores estão deve ser feita preferencialmente antes de que sejam demitidos de suas ocupações atuais.
Mais, os esforços devem contemplar um programa de financiamento abrangente – para todos os estágios de obtenção de um novo emprego, incluindo suporte de renda, educação e desenvolvimento de habilidades, reemprego e mobilidade – para os trabalhadores que permanecem no mercado de trabalho e a expansão das políticas de transição justa para todos os trabalhadores nas comunidades afetadas, não apenas aos que lidam com o carvão.
Além disso, é fundamental assegurar a qualidade dos novos empregos gerados no setor de energia renovável. Essa consideração é relevante tendo em vista que o segmento vem apresentando, na média, padrões de trabalho mais baixos do que nas indústrias clássicas.
Por fim, vale destacar que todas as experiências internacionais analisadas no estudo realizaram o encerramento das atividades relacionadas ao carvão de forma escalonada ao longo do tempo, por meio de um planejamento coordenado pelo Estado. Considerando todas essas premissas, recomenda-se que os estados da Região Sul comecem, o quanto antes, a avaliar os cenários futuros, conhecer experiências similares e desenvolver trabalhos conjuntos em busca dessa transição, sem esquecer que o processo tem de envolver empresas, governos e todos os membros das comunidades afetadas.
* Clauber Leite é coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
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