Por Eloisa Beling Loose para o Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental* –
Desde a última semana estamos acompanhando a cobertura diária de meios de comunicação sobre as inundações e deslizamentos de terra que atingiram o Nordeste brasileiro, sobretudo a região metropolitana do Recife. A Folha de Pernambuco fez uma retrospectiva dos eventos trágicos e informou que esta foi a maior tragédia do século no estado. Mais de 120 vidas foram perdidas, a maioria delas vivia em áreas de risco e em situação de vulnerabilidade. Os impactos econômicos ainda estão sendo contabilizados, mas um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) revela que, nos últimos seis meses, as cidades nordestinas afetadas por inundações e deslizamentos somaram mais de R$ 3,1 bilhões de prejuízos – e essa última semana de chuvas ainda não está na conta.
Já questionamos aqui neste Observatório o quanto é preciso que o jornalismo ultrapasse a cobertura factual e avance para o debate do contexto – e não apenas a partir das tragédias. Prevenção, de fato, deveria ser pauta antes dos avisos de um possível evento meteorológico ou hidrológico. Quando os fenômenos são iminentes, o tempo de ação é escasso e as mudanças estruturais já não são possíveis. Trabalha-se com o que é possível: a redução de danos.
O que verificamos, ano após ano, é que a prevenção é lembrada quase sempre no anúncio do desastre. Nesse ínterim, os alertas de chuvas fortes e de seus riscos costumam ser noticiados, sobretudos nos veículos locais. Há um chamamento para que a população saia das áreas mais afetadas para preservar a vida. Mas, isso é preparação antecipada ou somente uma estratégia paliativa para evitar os piores cenários?
É um equívoco entender que a prevenção de desastres se resume à emissão de alertas um pouco antes dos acontecimentos. O G1 destacou a fala de um especialista, que foi enfático: “Não adianta receber o alerta e não saber o que fazer”. Então, surge a reflexão: quem se comunica com essa população periodicamente? E de que forma? Quando ela é realmente ouvida? Qual é o espaço que o jornalismo dá para questionar planejamento urbano? E as políticas públicas de moradia? Quais são as condições reais para a defesa civil trabalhar no âmbito da prevenção?
Outro ponto a ser destacado nessa cobertura é a existência da associação do desastre com as mudanças climáticas. Repete-se que com o aumento médio das temperaturas eventos climáticos extremos como esse podem ser mais frequentes e mais intensos – o que reforçaria, em teoria, a aceleração de implementação de medidas de adaptação. Recife é a capital mais vulnerável às mudanças climáticas no Brasil e a 16ª cidade do mundo, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, o que foi noticiado no UOL, n’O Globo e em outros veículos. Mesmo assim, o enfrentamento aos riscos climáticos segue muito aquém do esperado.
Em matéria publicada no Observatório do Clima, assinala-se a vanguarda de Recife, já que, em 2019, ela se tornou a primeira capital brasileira a reconhecer o estado de emergência climática global e realizar um amplo diagnóstico dos riscos visando formas de adaptação. Então, os gestores públicos possuíam conhecimento sobre o que deveria ser feito, mas interesses de curto prazo, como as reeleições, acabam por ser priorizados em detrimento de projetos mais complexos, como a retirada de pessoas de áreas irregulares e sem a infraestrutura adequada.
A questão do financiamento também precisa ser visibilizada. Os recursos para prevenção de desastres são insuficientes – a Rede Brasil Atual relembrou que o Congresso em Foco divulgou redução de 45% dos recursos federais para combate a desastres. Ademais, a estruturação das defesas civis municipais, aquelas que atuam localmente na gestão de riscos e desastres, é bastante precária, conforme mostra levantamento nacional da própria Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil: a maioria delas não possui equipamentos básicos. Logo, não basta lamentar e chamar de fatalidade, aquilo que foi negligenciado no momento do planejamento anual.
Cabe ao jornalismo fiscalizar o poder público e permitir que a audiência conheça de que maneira nossos representantes estão compreendendo (ou não) a emergência climática e atuando para mitigar suas consequências. A prevenção deve ser uma pauta periódica, de modo que a colaborar com um novo entendimento de como devemos agir em tempos de intensificação de riscos e desastres.
Ainda sobre esse o papel do jornalismo em casos de desastres, destacamos o papel pedagógico da imprensa quando há questionamento do público sobre medidas de precaução. Na segunda quinzena de maio, a mídia noticiou a chegada da Tempestade Yakecan no Rio Grande do Sul, alertando seus riscos e informando sobre medidas preventivas, como a antecipação do fim de expediente ou cancelamento de atividades. Felizmente, as piores previsões não se concretizaram, o que gerou uma (falsa) impressão da população que houve um alarde desnecessário. A jornalista Juliana Bublitz, de GZH, no dia seguinte, lembrou aos leitores que precisamos reconhecer a atuação dos gestores diante dessas previsões e aprender mais sobre a prevenção.
*Jornalista, doutora em Comunicação e em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental. E-mail: eloisa.beling@gmail.com.
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