Dal Marcondes, da Envolverde –
Em 2012 escrevi este texto para fazer um contraponto entre a ficção catastrofista que previa um mundo apocalíptico para 2020 e o que os governos, ONGs e empresas estavam prevendo na Conferência Rio+20. Vale uma releitura.
Em 1973 um filme alertou para os ricos da degradação ambiental em 2020. Soylent Green, dirigido por Richard Fleisher e estrelado por Charlton Heston e Edward G. Robinson, mostrou uma megalópole com 40 milhões de pessoas em um mundo degradado e sem condições de produzir alimentos para todos. Oceanos mortos e fazendas protegidas como caixas fortes completam o cenário da trama policial para desvendar o assassinato de um alto executivo da empresa Soylent, que fabrica biscoitos com os quais as pessoas se alimentam. A trama se desenvolve ao redor do biscoito verde (Soylent Green), que dá título ao filme, mas que em português foi traduzido para “O Mundo de 2020”. Esse biscoito, de proteínas, deveria ser fabricado de algas marinhas, mas os oceanos estão morrendo e não tem mais capacidade de alimentar a humanidade…
O cenário é de fato catastrofista. Na época de seu lançamento, com 16 anos, comecei a pensar no que seria a mundo de 2020, principalmente porque o personagem de Edward G. Robinson, que morre no filme em uma cena memorável de eutanásia (e que de fato o ator morre duas semanas depois de terminar as filmagens), teria nascido no mesmo ano que eu, em 1956. Portanto, aquele poderia ser um olhar ao meu próprio futuro. Esse talvez tenha sido o principal incentivo para que me dedicasse, em minhas atividades profissionais, ao jornalismo econômico, às questões ambientais e ao desenvolvimento de um olhar sobre as possibilidades do futuro.
Quase 40 anos depois de ter assistido Soylent Green em uma sala de cinema na av. Paulista, em São Paulo, passei um mês no Rio de Janeiro assistindo a apresentações, diálogos, debates e todo tipo de atividades na Conferência das Nações unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Por mais que se diga que essa conferência rendeu poucos frutos, ninguém em sã consciência pode negar a importância das mais de 3 mil reuniões da sociedade civil e da academia, além, é claro, das reuniões de governo, para a construção de uma base de consciência para as transformações na economia global nos próximos anos.
O Mundo de 2020 ainda não chegou e há instrumentos disponíveis para que nunca chegue. O cenário de degradação ambiental irreversível e de insensatez capaz de alimentar as massas com proteína humana é tão inaceitável sob o ponto de vista ético que governos, empresas e sociedade civil devem seguir dialogando em busca de soluções. A economia de 2020 deve ser capaz de alimentar cerca de 8 bilhões de pessoas em todo o planeta e estar preparada para abrigar mais um ou dois bilhões ainda neste século.
O Mundo pós Rio+20
Existe uma certa “ressaca” de discussões, investimentos e projetos ambientais e de sustentabilidade neste pós-Rio+20. Empresas, governos e sociedade civil pagaram alto para garantir suas presenças e suas vozes nos milhares de fóruns, salas e manifestações que sacudiram o rio de Janeiro. Os próprios cariocas, anfitriões do evento, olham em perspectiva com um certo ar blasé, como quem abriu as portas aos convidados, mas não participou da festa.
Por todo lado se fortalece a tendência do derrotismo de argumento fácil, de que nada aconteceu de importante, que nada se decidiu de relevante e de que tudo não passou de um gigantesco palco para um dramalhão protagonizado por toda a humanidade. Essas bobagens estão por trás de manchetes de jornais e revistas escritas por pessoas que não querem se dar ao trabalho de analisar os fatos.
Os fatos mostram avanços e perspectivas de continuidade nos trabalhos que não podem ser ignorados. As maiores cidades do mundo, reunidas no C40, se comprometeram a investir em uma economia de baixo carbono e em mobilidade mais sustentável para seus habitantes; Até 2014 o mundo terá uma outra métrica de desenvolvimento que deverá ser expressa nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que vão substituir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio; empresas por todos os países estão buscando melhorar suas performances em sustentabilidade e as bolsas de valores, como a BM&FBovespa, estão cobrando de seus associados que façam relatórios de sustentabilidade; pela primeira vez os Oceanos estiveram no centro de uma conferência deste porte e a biodiversidade ganhou um destaque inédito nos debates sobre desenvolvimento.
No entanto, apregoar o fracasso e seguir fazendo como sempre é muito mais fácil.
No Brasil os debates sobre o modelo elétrico, a exploração e uso do pré-sal, a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e os modelos urbanos estão na pauta da mídia, das empresas, dos movimentos sociais e do governo.
A grande dilema para a transformação do modelo econômico não é porque faltam alternativas, mas sim porque a resiliência do atual modelo é muito forte. É mais fácil dizer e até mesmo acreditar que não há alternativa, do que arregaçar as mangas e trabalhar em diversos caminhos que estão ai propostos para empresas e governos.
A Economia da 2020
A Economia de 2020 não será fácil de se compreender e soluções únicas não servem mais a todos. O poder local deve ganhar não apenas força, mas competência para gerir questões relacionadas ao desenvolvimento local e à criação de cadeias de valor capazes de identificar a aproveitar potencialidades únicas.
Grandes empresas devem abandonar a atitude imperial diante de seus fornecedores, empregados e clientes e passarão a compreender seu papel enquanto gestoras de redes de relacionamento capazes de criar valor em todas as suas pontas através de modelos de negócios muito mais livres e transparentes.
O mundo do século XXI é tão diferente do modo de vida do século XX, como aquele foi de seu antecessor, o século XIX. Mas estas diferenças somente são percebidas em perspectiva. Por exemplo, um cidadão em 1912 pouca diferença veria entre seu modo de vida naquele momento e o que havia vinte anos antes, em 1892. Então vejamos: em 1912 a indústria do petróleo se firmou como uma das principais atividades econômicas do século XX, assim como a indústria automobilística, que lançou as bases de uma das mais impactantes transformações da economia mundial. O petróleo praticamente arrancou a humanidade de rincões da idade média e a lançou na era espacial. Em 1912 essa revolução não era perceptível no cotidiano das pessoas. Em 1892 qualquer um que pensasse em abandonar a criação de cavalos para charretes para investir em motores a combustão seria classificado como imprudente.
Entre 1992 e 2012 dois saltos tecnológicos foram dados pela humanidade, o primeiro no campo das comunicações, com a entrada em cena da internet, da telefonia celular e de suas ramificações por cabo, wireless e satélites. A segunda, acoplada à primeira, assim como os automóveis e o petróleo também se desenvolveram de forma simbiótica, é a indústria da informática, com seus computadores cada vez mais potentes e portáteis. Capacidade de computação, de armazenamento e de processamento de dados aliado à interconectividade universal são as sementes de uma economia mais inteligente no século XXI. Uma que ainda está em gestação.
A aqueles que acham que o tempo entre 2012 e 2020 é curto demais para grandes mudanças, vale lembrar que em 1912 o mundo vivia a chamada Belle Époque , com sua aristocracia boêmia e seus sonhos românticos. Em 1914 o mundo entrou na 1ª Guerra Mundial, que até 1918 deixou 19 milhões de mortos e um novo mapa geopolítico na Europa. As décadas seguintes foram absolutamente imprevisíveis sob o ponto de vista civilizatório, mas revolucionárias sob a ótica do desenvolvimento tecnológico.
A 1ª Guerra Mundial marcou o fim dos impérios do século XIX, como a Alemanha do Kaiser, o Império Austro-Húngaro e o império Turco-Otomano. O Império Britânico ainda levou alguns anos definhando. A crise financeira deste início de século XXI pode estar marcando o início de uma nova geopolítica global, com o fim da hegemonia dos herdeiros da 2ª Guerra Mundial e o início de uma economia menos focada no lucro financeiro de bancos e mais alicerçada na produção de bens e serviços essenciais para oferecer qualidade de vida a 9 bilhões de pessoas. As atuais economias emergentes estão mais focadas na produção de commodities minerais e agrícolas e na oferta de produtos industrializados e serviços do que em uma roda viva financeira.
As tecnologias emergentes nesse início de século fazem apostar em uma economia baseada no valor do conhecimento, da ciência e no entretenimento, em detrimento à economia da especulação financeira do final do século XX.
Marcar o ano de 2020 no horizonte pode dar um excelente ponto de inflexão para um planejamento de onde queremos ir e, quando chegarmos lá, avaliarmos a trajetória e os resultados. Em uma comparação com os carros, os modelos de 1912 eram toscos, pouco mais do que carroças com motores, enquanto em 1920 havia veículos que superavam os 100 quilômetros por hora e já começavam a sofisticar em confortos.
Podemos não saber exatamente como será a economia de 2020, mas de uma coisa já se tem certeza, ela não pode imitar a arte em devastação ambiental, promiscuidade social e ignomínia econômica.(Envolverde)
* Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde, passou por diversas redações da grande mídia paulista, como Agência Estado, Gazeta Mercantil, Revistas Isto É e Exame. Desde 1998 dedica-se a cobertura de temas relacionados ao meio ambiente, educação, desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental empresarial.