Sociedade

Tamanduateí, um rio metropolitano em agonia

 Por Sucena Shkrada Resk

A nostalgia de recordar o Tamanduateí sinuoso e límpido (Tamanduá grande, em tupi), na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), que já foi conhecido como Rio Piratininga, talvez esteja ainda nas memórias de bisavós e tataravós e de alguns relatos em bibliografias sobre sua importância para os indígenas e moradores da região, que o utilizavam como meio de transporte, pesca e, inclusive, para lavar roupa. Sim, suas águas em 35 km de extensão eram límpidas, desde sua nascente na Gruta Santa Luzia, localizada em parque ecológico em Mauá, passando por Santo André e São Caetano até desembocar em São Paulo, no Tietê. Desde as primeiras décadas do século XX, este rio que poderia ser um cartão-postal, se tornou um depósito de esgoto que exala um odor fétido.

Aos paulistanos e migrantes e imigrantes que vivem na capital, uma perda irreparável de um recurso hídrico importante na Bacia do Alto Tietê. Não bastasse a poluição, o seu curso rico em curvas foi sendo retificado pelo homem a partir do final do século XIX e a dureza quase retilínea que não faz parte de sua natureza o engessou. Em certos trechos fica camuflado pelo concreto. Ladeado pela frieza da avenida dos Estados e pelo Corredor Expresso de ônibus, de onde o avistamos de cima, no seu trecho no Grande ABC e em São Paulo, retrata este cenário compactado. Quando passamos neste percurso na zona central paulistana, uma atmosfera decadente se revela.

Palavras duras? Nem tanto. Observar nas últimas décadas a situação de deterioração do Tamanduateí é a prova factual de que o poder público não conseguiu exercer de forma efetiva o seu papel e, ao mesmo tempo, a sociedade não foi uma boa cuidadora do rio. Suas águas turvas recebem esgoto clandestino e despejo de outros córregos poluídos, como os Barroca, Pedra Branca, Taboão, Corumbê, Saracura, Ribeirões dos Meninos e dos Couros, Córregos do Oratório, Guarará, Anhangabaú, além de efluentes industriais. São mais de 30. Nos anos 50, um desastre ambiental no Polo Petroquímico de Capuava, em Mauá, causou um sério reflexo na qualidade de suas águas. Estações de tratamento de Esgoto (ETEs) na região ainda não conseguiram eliminar o despejo inadvertido, que resulta em um rio doente.

O contexto oficial

Em relatório da Síntese da Qualidade das Águas no Estado de São Paulo – versão 2015, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) destaca: “…Ressalta-se que, em 2014, 40 % dos pontos monitorados na Bacia Hidrográfica do Alto Tiête 6(UGRHI 6) foram classificados na categoria Péssima. Dentro dessa categoria encontram-se os trechos dos rio Tietê, Pinheiros, Tamanduateí e alguns de seus tributários…. E os maiores contribuintes de esgoto para o Tietê, quem é? O Tamanduateí, seguido dos córregos Cabuçu e Baquirivu (São Paulo e Guarulhos), Pinheiros e Itaquera e Aricanduva (SP)…”.

O atual Plano da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê refere-se ao período de 2016 a 2035. No primeiro relatório a respeito consta inúmeros desafios de gestão pública. Entre eles, que apesar de haver infraestrutura de interceptores e tratamento de esgoto no Sistema Principal pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que incorpora os rios Tiête, Tamanduateí e Pinheiros, a afluência dos esgotos para as ETEs ainda é baixa em virtude da dificuldade de implantação dos coletores tronco nos fundos de vale dos tributários.

O documento também alerta que  – “…As áreas declaradas contaminadas por metais e outros e hidrocarbonetos halogenados (que são tóxicos) são as mais preocupantes devido ao comportamento desses compostos na água subterrânea e por estarem localizadas em áreas importantes da zona urbana das cidades, sobretudo acompanhando o vale dos principais rios da BHAT, Tietê, Pinheiros e Tamanduateí…”.

O relatório técnico Observando os Rios 2017 – O Retrato da Qualidade das Águas nas Bacias da Mata Atlântica, produzido pela Fundação SOS Mata Atlântica, registra essa condição “ruim” do Tamanduateí e “regular” no trecho de sua nascente.

Na página da web do Comitê de Bacias Hidrográficas do Alto Tietê, que tem como um dos subcomitês “Billings-Tamanduateí” (Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e São Paulo), constam como “não definidos” o município coordenador geral e nem do Estado, como também da sociedade civil, enquanto os demais há a identificação, com exceção do subcomitê Juqueri-Cantareira. Isto já sinaliza a dificuldade da sociedade civil poder exercer um acompanhamento mais próximo da agenda e das deliberações específicas.

Até 9 de março, está aberto o prazo para propostas de empreendimentos para a aplicação das prioridades do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro) 2018, cuja deliberação tem como algumas das metas: estudos e projetos de recuperação das águas em áreas sensíveis da Bacia; esgotos sanitários e controle de fontes difusas de poluição das águas. Esses tipos de informações deveriam ser mais publicizadas para o cidadão, por outros mecanismos de comunicação, para que possa entender como funciona o mecanismo de aplicação de recursos, e poder monitorar de forma mais contínua os processos. E quem sabe, os cidadãos (ãs) consigam vislumbrar um futuro diferente ao atual Tamanduateí que hoje agoniza. ( #Envolverde)

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